A campanha presidencial de Kamala Harris não tem sido muito específica em termos de propostas, mas sua herança política oferece pistas. Harris, afinal, é uma criatura do maquinário político da Califórnia. Quais resultados concretos essa máquina produziu?
O Estado Dourado ainda possui uma poderosa base econômica, embora seus orçamentos governamentais estejam novamente em um patamar deficitário. O sucesso da Califórnia vem de seu clima fantástico e abundantes recursos naturais, bem como da visão decisiva e das realizações de seus líderes nas décadas de 1950 e 1960.
Essa geração anterior de políticos, incluindo muitos democratas, construiu as rodovias, projetos hídricos e escolas técnicas que, ainda hoje, negligenciados e precisando urgentemente de modernização, continuam a ser a espinha dorsal da economia do estado.
Os tempos em que os políticos da Califórnia eram motivados pelo interesse público há muito já passaram.
Tanto para as famílias de baixa renda que aspiram à mobilidade ascendente quanto para as famílias de renda média que querem manter sua independência financeira e preservar seu padrão de vida, o estado não tem nada a oferecer. E para trabalhadores independentes tentando sobreviver, ou pequenas empresas buscando manter seus funcionários e clientes, é ativamente hostil.
É instrutivo focar no ambiente de negócios da Califórnia. Se empresas grandes e pequenas conseguem prosperar, quase tudo mais se ajusta. Para ter negócios de sucesso, um estado precisa de regulamentações razoáveis, lei e ordem e uma força de trabalho bem treinada. Quando as empresas podem competir, o custo de vida diminui.
Mas a Califórnia não tem nada disso. E quanto mais seus governos estaduais e locais se expandem, piores as condições ficam.
O primeiro sinal de que as coisas estão indo mal é o êxodo contínuo de empresas bem-sucedidas. De acordo com uma lista compilada pela organização Center for Jobs and the Economy [Centro para Empregos e Economia], com sede em Sacramento, desde 2020, mais de 500 empresas deixaram completamente o estado ou optaram por expandir suas operações em outros lugares, enquanto reduziam suas operações na Califórnia.
A relação inclui dezenas de nomes conhecidos: Aerojet, Allegiant, Airbnb, Alphabet (Google), Amazon, Amgen e Apple — e essas são apenas as companhias iniciadas com a letra “a”. O levantamento também abrange energia (Chevron), engenharia civil (Bechtel) e até artes e entretenimento (Disney). Na verdade, é um desafio encontrar uma grande empresa que não esteja listada.
Mesmo grupos de setores ligados à terra (agricultura, exploração florestal, habitação) estão saindo. A Soper-Wheeler, outrora uma grande companhia de exploração florestal no norte da Califórnia, começou a transferir operações para a Nova Zelândia em 2001 — e concluiu o processo em 2020.
Construtoras de capital aberto, que têm responsabilidades perante seus acionistas, não recebem incentivos interessantes para investir na Califórnia, porque os retornos são muito maiores em estados com menos regulamentações e litígios.
O pior estado para se fazer negócios
É verdade que a Califórnia continua sendo um gigante econômico. Segundo seu Departamento de Finanças, o PIB do estado em 2022 foi de US$ 3,6 trilhões, o maior do país. E o PIB per capita foi de impressionantes US$ 92,3 mil, superado apenas por Nova York, Massachusetts e Washington.
Mas essas estatísticas distorcem a realidade dos californianos, que enfrentam um custo de vida astronomicamente alto. Em março de 2024, a Califórnia teve a maior taxa de desemprego do país, o menor crescimento do número de empregos, o menor crescimento de renda e a maior taxa de pobreza.
Seu orçamento estadual enfrenta déficits crescentes, e a revista Chief Executive acaba de classificar o estado como o pior dos EUA para se fazer negócios pelo décimo ano consecutivo.
Ao mesmo tempo, os gastos do governo estadual aumentaram dramaticamente. Nos últimos dez anos, ajustado pela inflação, o Fundo Geral do Estado da Califórnia — orçamento que destina os impostos dos contribuintes para inúmeros programas e departamentos — quase dobrou.
Em 2013, as despesas do Fundo Geral do estado eram de US$ 96,3 bilhões. Compare isso com o Fundo Geral de 2023, de US$ 226 bilhões. Mesmo após ajustar pela inflação, isso representa um aumento de 79% em apenas dez anos.
O aumento per capita nos gastos do Fundo Geral da Califórnia também é significativo, já que a população não cresceu muito desde 2013. Dez anos antes, era de 38,3 milhões de pessoas. Em 2023, era de 38,9 milhões, um aumento de apenas 1,9%.
Outra causa de preocupação é a crescente desigualdade de renda. Embora a renda real per capita da Califórnia tenha crescido nos últimos 20 anos, de US$ 65 mil em 2000 para quase US$ 86 mil em 2020, a maior parte desse aumento foi para os grupos de renda mais alta.
Desde 2000, os 10% de domicílios com maior renda do estado viram suas rendas aumentarem em média 34%, enquanto os 10% mais baixos viram um aumento de apenas 6%. No geral, a Califórnia tem uma das maiores taxas de desigualdade de renda dos Estados Unidos.
Em 2015, o instituto Pacific Research classificou a Califórnia como o pior ambiente de negócios para pequenas empresas. Essa informação foi corroborada pelo Small Business and Entrepreneurship Council [Conselho de Pequenas Empresas e Empreendedorismo], que colocou a Califórnia em 49º lugar em um estudo semelhante apresentado em 2019.
Em outra pesquisa, sobre os melhores e piores estados para empreendedores, conduzida pelo instituto Cato em 2021, o estado ficou no 48º lugar.
O tratamento desanimador dado pela Califórnia às pequenas empresas prejudica desproporcionalmente os latinos, cujos empreendimentos tendem a ser menores e menos capitalizados.
O salário mínimo de US$ 20 por hora recentemente imposto pela Califórnia para trabalhadores de fast-food, por exemplo, pode ajudar alguns latinos individualmente. Mas também pode reduzir o emprego total e ameaçar o sustento dos pequenos franqueados, muitos dos quais são minorias.
Como o estado está destinado a ser predominantemente latino — 56% dos estudantes matriculados nas escolas de ensino primário e secundário são latinos—, a evidente hostilidade do estado para com as pequenas empresas é um ataque à próxima geração e ao futuro.
A Califórnia tem a maior carga de imposto de renda dos EUA, e todos os anos fica em uma posição inferior no State Business Tax Climate Index [Índice de Clima Tributário Empresarial Estadual], da fundação Tax.
O relatório mais recente, divulgado em outubro de 2023, classificou o estado em 49º lugar em imposto de renda individual, 45º em imposto de renda corporativo e 47º em imposto sobre vendas.
Enquanto a Califórnia foi avaliada como mediana em sua taxa de imposto sobre propriedade —apenas 22ª —, os valores excessivos de imóveis no estado anularam essa vantagem, uma vez que a taxa teve de ser aplicada a um valor muito maior em comparação com propriedades similares em outros estados.
Taxas sobre combustíveis são as mais altas
Em uma tabela publicada pelo Departamento de Administração de Impostos e Taxas da Califórnia, há pelo menos 28 categorias de encargos listados.
Exemplos notáveis incluem uma taxa de 1% em todas as compras de produtos de madeira, uma taxa de 2,9% sobre a "produção de madeira", uma "taxa de prevenção de envenenamento por chumbo ocupacional", uma "taxa para espécies marinhas invasivas", uma "taxa de recursos energéticos", uma "sobretaxa sobre gás natural", uma "taxa de manutenção de tanques de armazenamento subterrâneos" e uma "taxa de direitos de água", entre outras.
Um dos conjuntos de taxas mais onerosos que afetam as empresas do Estado Dourado são os impostos sobre combustíveis: US$ 0,57 por galão de gasolina, US$ 0,44 por galão de diesel e US$ 0,18 por galão de combustível de aviação.
Esses impostos sobre combustíveis, os mais altos do país, aumentam o custo de praticamente todos os transportes de bens e materiais utilizados e vendidos pelas empresas.
Também aumentam o custo de se fazer negócios os impostos estaduais e locais sobre serviços de utilidade pública e telecomunicações, automaticamente adicionados às faturas mensais.
Além disso, muitas agências estaduais, como o Departamento de Peixes e Vida Selvagem e o Conselho de Água do Estado da Califórnia, também impõem encargos.
As inúmeras formas pelas quais o CARB, California Air Resources Board [Conselho de Recursos do Ar da Califórnia], extrai pagamentos das empresas locais exemplificam o quanto o estado interfere em negócios de todos os tamanhos.
O CARB tem o poder de adotar uma tabela de taxas para todas as “fontes móveis e fixas” de gases de efeito estufa em operação, desde pequenas embarcações até caminhões a diesel e locomotivas. O processo de solicitação de uma licença para operar uma fonte móvel ou fixa é complicado; bem como o processo de aprovação e pagamento das taxas obrigatórias.
Se o proprietário do equipamento não conseguir navegar nesse labirinto com sucesso, a aplicação da lei é rápida, as multas são altas e o processo de apelação pode ser muito complicado.
Considere, a seguir, o sistema de cap-and-trade [comércio de emissões de carbono], estabelecido pela legislatura da Califórnia como meio de reduzir as emissões de dióxido de carbono para alcançar o “zero líquido” de emissões.
O primeiro leilão de "permissões" para emitir CO2 ocorreu em 2014, e os leilões têm sido realizados trimestralmente desde então. Agora, esses leilões arrecadam entre US$ 3,5 e US$ 4,5 bilhões por ano.
Um relatório emitido em 2023 pelo Escritório de Análise Legislativa da Califórnia afirmou: “O CARB estima que o programa de cap-and-trade adiciona cerca de 27 centavos a cada galão de gasolina vendido na Califórnia”.
Os custos repassados a consumidores e empresas vêm de todos os compradores dessas permissões de emissões, que incluem usinas de geração de eletricidade a gás natural, fornecedores de gás natural para aquecimento e cozinha, refinarias de petróleo, fabricantes de cimento e produtores de petróleo e gás — literalmente todos os recursos essenciais necessários por qualquer empresa na Califórnia.
Burocracia para empreender é assustadora
A complexidade da burocracia da Califórnia é assustadora. Se você tem um negócio, suas atividades estarão sujeitas à supervisão de dezenas de agências estaduais.
Quer trabalhar como barbeiro ou cabeleireiro? Melhor consultar o Conselho de Barbearia e Cosmetologia. Se tem funcionários, não se surpreenda se ouvir falar da Divisão de Segurança e Saúde Ocupacional, da Divisão de Padrões Trabalhistas, da Divisão de Compensação dos Trabalhadores e do Departamento de Desenvolvimento de Emprego.
Se tem um local físico, o Escritório do Inspetor de Incêndio do Estado estará envolvido. Se usa produtos químicos para cabelos, o Departamento de Controle de Substâncias Tóxicas pode aparecer.
Se gera lixo, o Departamento de Reciclagem e Recuperação de Recursos também estará presente. Se vende produtos de cabelo, terá que coletar imposto sobre vendas e apresentar relatórios ao Conselho de Equalização do Estado.
E, claro, é preciso registrar sua empresa junto à Secretaria de Estado e pagar impostos ao Conselho de Franquias. Isso antes mesmo de os governos municipais e de condados entrarem na jogada.
Qualquer pessoa que administre um negócio que realmente produza produtos tangíveis enfrentará ainda mais escrutínio.
Está construindo uma fundação? Construindo casas ou uma fábrica, cortando madeira, criando gado, praticando agricultura, mineração ou extração de pedras?
Além das agências listadas acima, aqui estão algumas outras que podem exigir sua atenção: o Conselho de Biodiversidade da Califórnia, o Departamento de Pesca e Caça, o Conselho de Silvicultura, o Departamento de Agricultura e Alimentos da Califórnia, a Agência de Recursos Naturais da Califórnia, o Conselho de Recursos do Ar da Califórnia, o Conselho de Relações Trabalhistas Agrícolas, o Conselho Estadual de Licenciamento de Contratantes, Cal Fire, CalRecycle, a Comissão Industrial de Bem-Estar, o Departamento de Seguros, a Comissão Estadual de Terras, o Conselho de Mineração e Geologia do Estado, o Departamento de Regulamentação de Pesticidas, o Departamento de Recursos Hídricos, a Comissão de Água, o Conselho de Controle de Recursos Hídricos e qualquer número de conservatórias geridas pelo estado.
Sua operação está localizada perto do oceano? Espere lidar com a Comissão Costeira.
É problemático administrar um negócio diante desse vasto ataque regulatório. Agravando o problema, há ainda dois pesos adicionais. Os limites para violações são estabelecidos em níveis irreais, com multas punitivas para os infratores. E a mentalidade dos funcionários das agências pode ser descrita como indiferente, se não hostil.
Não é de se surpreender que milhões de pessoas estejam deixando o estado.
Perversão do capitalismo e da democracia
Tudo isso mal arranha a superfície das disfunções da Califórnia, causadas por um maquinário político que exerceu poder absoluto por uma geração.
Os únicos vencedores neste cenário são aqueles que estão por trás desse sistema. Esse grupo inclui os líderes das maiores corporações e bancos, junto com os bilionários do estado.
Sua força financeira lhes concede as economias de escala necessárias para cumprir todas as regulamentações e a sofisticação para explorar brechas no código tributário. Enquanto isso, eles podem consolidar e expandir sua riqueza ao adquirir os ativos depreciados de concorrentes menores, levados à falência ou à venda forçada.
E, claro, os benefícios também se estendem para as pessoas que administram e trabalham na crescente máquina estatal: políticos, chefes de agências e centenas de milhares de burocratas do governo.
O que aconteceu na Califórnia é uma perversão do capitalismo e da democracia. O poder político e econômico significativo passou para as mãos de uma pequena elite.
Os cidadãos apoiam consistentemente os democratas com uma margem de 60-40. Os republicanos detêm apenas 20% das cadeiras no senado estadual, na assembleia estadual e nas cadeiras da Califórnia no Congresso dos EUA. O estado não teve um governador republicano desde a década de 1990, a menos que você conte Arnold Schwarzenegger.
A carreira política de Kamala Harris foi forjada em um maquinário político calibrado para entregar maus resultados. E na Califórnia, os resultados falam por si.
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© 2024 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês: Golden Debacle
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