Reprimido: o Brasil continua a ser um péssimo país para fazer negócios| Foto: Pixabay
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A notícia não é boa - e nem é surpresa. Depois de 15 anos despencando no Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, publicado pela Gazeta do Povo em parceria com o Instituto Monte Castelo desde 2017, o Brasil registrou uma pequena melhoria em 2020, e voltou a perder pontos no ranking em 2021, ainda que tenha galgado uma posição.

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Em uma lista de 178 países, classificados como “livre, “majoritariamente livre”, “moderadamente livre”, “quase reprimido” e “reprimido”, o Brasil segue na lanterna dos “quase reprimidos”, na 143ª posição. À frente, estão países como a China (107ª posição), e a Arábia Saudita (63ª posição).

Em termos de trajetória, a economia brasileira perde até para a de Cuba: enquanto o Brasil perdeu 0,3 ponto, a ilha socialista ganhou 1,2, ainda que seja a terceira nação com menos liberdade econômica do mundo. Na posição em que está, o Brasil está mais próximo da base do ranking - finalizado pela Venezuela e pela Coréia do Norte - do que do topo, onde figuram Singapura, Nova Zelândia, Austrália, Suíça e Irlanda.

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O que aconteceu?

A primeira razão para o declínio é evidente - e é levada em conta pela Heritage Foundation desde as primeiras páginas do documento. A pandemia da Covid-19 levou países do mundo inteiro a adotar políticas econômicas contracíclicas (aumento do gasto público em tempos de crise) e, com o pagamento do auxílio emergencial, o Brasil não fugiu à regra.

“O Brasil abriu mão de alguns dos ganhos em liberdade econômica que conquistou em 2020, retomando seu declínio nas fileiras da maioria dos não-livres. Além de conter os déficits orçamentários que estão aumentando a dívida e levaram a uma das mais baixas pontuações de saúde fiscal do mundo, o governo deve melhorar nas áreas de eficácia judicial e integridade governamental se espera voltar ao caminho para uma maior liberdade econômica”, relata o documento.

A dívida pública brasileira, que já era alta, aumentou. “Nosso déficit já era de 95 bilhões em 2019. Em 2020, chegamos a 743 bilhões. Proporcionalmente, nós gastamos mais do que outros países com o auxílio e está cada vez mais difícil estabilizar essa dívida. Há países, como os Estados Unidos e o Japão, com dívidas superiores à nossa, mas sem taxa de juros no pagamento”, explica o economista Leonardo Regazzini, doutor pela Universidade de São Paulo (USP). 

E qual é o problema de ter uma dívida tão alta? “Se os credores começarem a desconfiar da nossa capacidade de pagar, vão exigir juros cada vez maiores. No limite, a consequência de adquirir uma dívida impagável é a moratória. E o efeito automático é a compressão do investimento: ninguém quer colocar dinheiro em um país quebrado. Sem investimento, não há novos negócios. Por outro lado, se o país decide emitir moeda para pagar a dívida, há a hiperinflação”, explica.

Há que se considerar também a ineficácia judicial e a integridade governamental. “Este é um problema histórico do Brasil: nosso judiciário é sobrecarregado, moroso e ineficiente. A ação da Suprema Corte na legislação e a judicialização de casos que deveriam ser resolvidos em instâncias superiores prejudica o ambiente de negócios. Para piorar, há as influências externas no Judiciário: o que nas cidades grandes é entendido como lobby, nas pequenas é intimidação. O país tem dificuldade de implementar câmaras de arbitragem e fica preso nessa ineficiência sistêmica. É difícil decidir bem quando você tem que decidir sobre tudo”, explica o cientista político Magno Karl, diretor do Livres.

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A crítica à integridade governamental mencionada no ranking se refere a uma velha conhecida dos brasileiros: a corrupção. “Do Petrolão às rachadinhas, ela continua acontecendo. A gente está acostumado a olhar para o governo federal e para os estados, mas há prefeitos ajudando a população a fraudar cadastro de Bolsa Família. E é justamente nessa pequenas instâncias que começa a captura do Judiciário”, completa.

Tributos, protecionismo e bom exemplo da Nova Zelândia

O documento da Heritage Foundation destaca que as relações turbulentas do presidente Jair Bolsonaro com o Congresso podem atrasar a aprovação da reforma tributária. O índice aponta o sistema tributário brasileiro como “um dos mais onerosos entre as economias emergentes, consumindo cerca de 33% do produto interno bruto”.

“Essa é a reforma do século: há décadas se fala dela, todo mundo concorda que tem que fazer e ninguém faz”, diz o cientista político Adriano Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais do IBMEC. “O sistema que temos é fruto de uma série de penduricalhos criados ao longo de décadas por lobby de grupos organizados que se sentem mais especiais do que os outros. E uma vez que o Estado avança, é muito difícil retroceder”, diz o especialista.

O pesquisador destaca também o declínio na nota referente à liberdade comercial, que leva em conta a tarifa média ponderada e as restrições impostas à importação. “O mais grave é esse índice estar parado há tanto tempo. O Brasil é o segundo país mais protecionista do mundo, e o fato de as pessoas não perceberem isso já é uma consequência: chegam menos produtos e menos informações aqui. Sabe quando o brasileiro viaja e volta com a sensação de que no Brasil tudo é mais caro e com menos variedade? É por isso: porque é tudo fechado. Não é normal que ter carro, por exemplo, ainda seja um símbolo de status aqui. Não à toa a Ford está indo embora”, complementa.

Nesse sentido, o Brasil pode aprender com a Nova Zelândia, o segundo país com mais liberdade econômica no mundo. “Até os anos 1990, era uma nação absolutamente protecionista”, diz Gianturco. “Era proibido importar televisores de TV. As fábricas precisavam comprar de outros países, desmontar, levar para a Nova Zelândia e montar tudo de novo. Então, veio uma guinada liberal”, conta.

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A guinada liberal neozelandesa serviu para romper com um preconceito comum quando se fala da remoção de tarifas. “Um pensamento errôneo que fomenta o protecionismo é que a abertura vai acabar com o mercado interno. Na Nova Zelândia, aconteceu exatamente o oposto: trata-se de um país com PIB baseado em commodities no qual o setor agrícola era extremamente privilegiado. Com a abertura, o setor ficou ainda mais forte. É como se os empresários tivessem, hoje, uma fatia menor dentro de um bolo que cresceu - mas uma fatia maior do que a que possuíam antes”.

Com todos os fatores na balança, o resultado é claro: com mudanças irrisórias, o Brasil segue estagnado entre os países menos livres do mundo. E, ainda que a pandemia do coronavírus tenha ajudado a desequilibrar a balança fiscal, outros fatores que merecem a atenção do governo e da sociedade civil estão passando ao largo da discussão. Há dois anos, no Fórum Mundial Econômico de Davos, o presidente Jair Bolsonaro afirmou querer que o Brasil estivesse entre as melhores nações do mundo para se fazer negócio. Como ressalta Gianturco: “está acontecendo precisamente o contrário”.

A Heritage Foundation é um think-tank conservador baseado nos Estados Unidos, responsável pela publicação do jornal Daily Signal, parceiro da Gazeta do Povo. Seu Índice de Liberdade Econômica, publicado desde 1995, é um dos mais respeitados do mundo.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]