Ao todo, 408 pessoas cuidavam de Joseph Vissarionovich Stalin em sua residência oficial, no distrito de Kuntsevo, nos arredores de Moscou. Construído em 1933, ampliado em 1943, o imóvel era guardado por 335 seguranças – os demais funcionários zelavam pelos outros serviços, entre manutenção, jardinagem, cozinha e limpeza das roupas e dos cômodos.
Ainda assim, ao sofrer um derrame, no início de março de 1953, ele permaneceu tombado no chão de seu quarto, sobre uma poça de urina. Demorou horas para algum dos funcionários tomar a coragem necessária para abrir a porta.
Trabalhar em torno do grande líder representava uma honra. Era motivo de orgulho, e um trabalho bem remunerado. Mas a rotina consistia a andar sobre uma lâmina afiada. Um deslize, um comentário inapropriado, uma piada que no dia anterior havia feito Stalin sorrir podia ser o suficiente para cair em uma sequência bem conhecida de prisão, humilhação pública, tortura, perseguição à família e uma série de execuções.
Ao longo dos anos, especialmente desde os primeiros acidentes vasculares do líder, em 1945, centenas de médicos foram presos e mortos simplesmente porque seus diagnósticos não representavam o que o paciente queria ouvir. A demora no atendimento a Stalin em 1953, portanto, era compreensível. Pode ter acelerado o fim de sua vida – ele morreria em 5 de março, aos 74 anos.
Em seu círculo mais próximo, pouco se chorou, ainda que o funeral tenha acontecido com todas as honrarias imagináveis. Seja entre os seguranças, cozinheiros e jardineiros, seja entre os possíveis sucessores que haviam sobrevivido a décadas de perseguições e expurgos, não havia muito a se lamentar.
Controlador e cínico, o líder era acostumado a realizar jantares em que incentivava os convidados a fazer brindes repetidas vezes, apenas para observar o comportamento de cada um deles. Não foram poucos os que acordaram de ressaca e com guardas à porta.
Rapidamente, o regime se ajustaria e, na prática, inviabilizaria o surgimento de um novo Stalin – em 1956, o novo líder Nikita Kruschev denunciaria os crimes do antecessor no discurso secreto mais alardeado da história. O exemplo permaneceria, de toda forma, e ecoaria nas práticas de outros líderes responsáveis pelas mortes de milhares de pessoas, de Mao Tsé-Tung a Pol Pot.
Ainda hoje Stalin é louvado, especialmente em sua terra natal, Gori, na Geórgia, onde o Museu Josef Stalin, inaugurado em 1957, fechado em 1989 e reaberto na sequência, até hoje se mantém como atração turística popular. Ali ficou disponível uma réplica do vagão de trem blindado que ele utilizou para circular durante a Segunda Guerra Mundial. E também uma reprodução da cabana que ele habitou nos primeiros quatro anos de vida.
Estudos num seminário
Nascido em dezembro de 1878 na república da Geórgia, um país de localização estratégica no Cáucaso, entre Rússia, Turquia, Armênia e Azerbaijão, Joseph Vissarionovich nunca se adaptou ao idioma russo. “Quando criança, falava exclusivamente georgiano, a linguagem que utilizava para compor, na juventude, versos e artigos revolucionários. Começou a estudar russo com 9 anos”, descreve o historiador russo Oleg Vitalyevich Khlevniuk, na biografia Stalin: New Biography of a Dictator [Stalin: nova biografia de um ditador, em tradução livre].
“Até o fim da vida, ele pronunciava o idioma russo com um sotaque, identificável também nas expressões idiomáticas que utilizava em seus textos”. O gosto pela palavra escrita, aliás, persistiria ao longo de toda a sua trajetória. Stalin foi um dos primeiros editores do jornal oficial da ditadura comunista, o Pravda, e passou a vida toda dedicando muitas horas à leitura.
Seu nome de nascença, que ele depois ajustaria à cultura russa, era Ioseb Besarionis dze Jughashvili. Filho de um sapateiro que ficou sem emprego e passou a beber muito e espancar a esposa e os filhos, ele não teve uma infância fácil. Os abusos físicos e verbais, somados à situação de pobreza, deixaram marcas no futuro ditador, que sofreu uma série de problemas de saúde na infância, incluindo uma crise de varíola, em 1884, que deixou sequelas visíveis em seu rosto.
Por outro lado, conseguiu uma bolsa no seminário ortodoxo de Tiflis, a capital do país. Na medida em que avançou na adolescência, o menino, que parecia a caminho de se tornar um sacerdote promissor, passou a se influenciar por literatura marxista. Mais de uma vez, ficou confinado no seminário, como punição, até que aderiu formalmente a um grupo marxista conhecido como Mesame Dasi e, em abril de 1899, abandonou os estudos em definitivo.
Como muitos dos futuros líderes da União Soviética comunista, Stalin passou os primeiros 15 anos do século 20 em uma sequência de incidentes envolvendo prisões e períodos de exílio. Em novembro de 1905, como delegado da Geórgia na conferência bolchevique em São Petersburgo, conheceu Vladimir Lenin pela primeira vez.
Os dois se desentenderam logo no primeiro momento: Stalin não concordou com a proposta de apresentar candidatos para o Poder Legislativo. Considerava que participar do processo democrático era perda de tempo.
General incompetente
No ano seguinte, casou-se com Ekaterine Svanidze. Meses depois, tiveram um filho, Yakov Dzhugashvili. O bebê tinha apenas nove meses quando a mãe faleceu, vítima de tifo – ela tinha saúde precária, mas insistiu em continuar acompanhando o marido em suas viagens para divulgar as propostas de revolução marxista. Criado pela família, sem contato com o pai, Dzhugashvili acabaria por pegar em armas na Segunda Guerra Mundial e morreria em um campo de concentração nazista em 1943, com apenas 36 anos.
Depois de liderar, por anos, um grupo armado especializado em assaltos a banco e sequestros para levantar dinheiro para a causa, entre 1913 e 1917, Stalin manteve-se em exílio na Sibéria. “Quando a revolução socialista finalmente teve início, ele já estava à beira dos quarenta anos”, constata o biógrafo. “Os acontecimentos de 1917 dividiram sua vida em duas.”
Respeitado como líder de primeira hora, Stalin galgou cargos rapidamente. À parte as discordâncias, manteve-se seguidor de Lenin e burocrata dedicado, que não apenas pegava em armas como também tinha disposição para os intermináveis debates sobre política, realizados tanto por escrito como em comitês e assembleias. Em junho de 1918, ele assumiu sua primeira missão de peso: resgatar a economia de Tsaritsyn, atual Volvogrado. “A missão, que era econômica, rapidamente se tornou militar”, afirma Khlevniuk. Afinal, a crise alimentar era causada pelo bloqueio de ferrovias provocado por inimigos dos bolcheviques.
Sem nenhuma experiência no Exército, Stalin iniciou uma operação de grande porte, a fim de desbloquear o acesso a alimentos. “O modelo de atuação seria replicado nas primeiras etapas da guerra civil russa”, relata o biógrafo. Stalin se mostraria incompetente para a função – um problema que se repetiria nos estágios iniciais da Segunda Guerra Mundial. Diante dos questionamentos a seu desempenho, apresentados principalmente por Leon Trotsky, ele reagiria produzindo mentiras. E, principalmente, culpando os soldados e os eliminando em sessões de execuções em massa.
“O modelo teórico que ele criou para si mesmo era cambaleante e não confiável. Extremamente simplista e ineficiente, deu origem a uma série de falhas e contradições”, explica o biógrafo, deixando claro que o apego pela leitura não levou o ditador a criar uma visão de mundo sofisticada. “Ele respondia às demandas reais da vida com dogmatismo ideológico e político. Isolava-se da realidade e só aceitava mudar de posição em último caso.”
Poder inquestionável
A partir do momento, no início da década de 1920, em que ficou claro que Lenin não viveria por muito tempo, Stalin agiu para consolidar seu poder. Em 1927, instaurou os primeiros planos quinquenais, que consistiam na coletivização da agricultura e no investimento pesado na industrialização do país. O segundo objetivo foi mais bem sucedido do que o primeiro, que resultou na crise de fome que provocou o Holodomor, na Ucrânia, entre 1932 e 1933.
Os questionamentos à liderança frágil de Stalin levaram à morte de seu principal rival, Sergei Kirov, líder do Partido Comunista em Leningrado, alvejado em sua casa em dezembro de 1934. Naquele momento, a trajetória da União Soviética poderia ter sido muito diferente. Mas Stalin reagiu como havia feito em Tsaritsyn: com truculência. Tinha início o período conhecido como o Grande Expurgo, que atingiria o auge entre 1937 e 1938. Morreram pelo menos 750 mil pessoas, incluindo as principais lideranças do país, a maior parte comunistas de primeira hora, assim como a maior parte dos generais das forças armadas.
Quando, logo após a Segunda Guerra Mundial, o país enfrentou uma nova crise séria de abastecimento e milhares morreram de fome, já não havia oposição para fazer perguntas. Mesmo com a saúde fragilizada, entre 1945 e 1953 Stalin manteve próximo a si um grupo de líderes, sempre cinco ou seis homens, todos cientes de que poderiam ser mandados para a prisão a qualquer momento, a qualquer pretexto.
Stalin morreria sozinho, incapaz de se mexer. Seus filhos seriam todos perseguidos por seus sucessores. Além do já falecido Dzhugashvili, ele teria mais três filhos reconhecidos – as acusações de estupro são muitas; mulheres eram levadas a seus aposentos e costumavam acordar apenas no dia seguinte, com marcas de sexo forçado.
Um deles foi adotado: Artyom Fyodorovich Sergeyev, filho de um amigo do futuro ditador, que havia morrido em um acidente de trem em 1921. Viveria até 1981. Os outros dois foram resultado do casamento com Nadezhda Sergeyevna Alliluyeva.
A segunda esposa atuou como pesquisadora e engenheira na Academia Industrial do país, até cometer suicídio em 9 de novembro de 1932 – as brigas com o marido, a quem ela acusava de infidelidade constante, eram frequentes. Teve dois filhos, Vasily Stalin, nascido em 1921, e Svetlana Alliluyeva, de 1926.
Vasily também lutou na Segunda Guerra, assim como o meio irmão e Artyom. Mas, depois da morte do pai, passou a ser perseguido e, após nove anos vivendo entre hospitais e prisões, terminaria por falecer em 1962. Já Svetlana, com quem Stalin parecia ter uma relação mais afetuosa, acabaria por fugir para os Estados Unidos, em 1967, onde assumiu o nome de Lana Peters. Ela morreria em 2011.
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