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Iniciativa do governo sobre fake news ignora mentiras de Lula

Plataforma foi lançada dias depois de depois de Lula declarar sem provas que o plano do PCC para matar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) seria uma “armação” do ex-juiz
Plataforma foi lançada dias depois de depois de Lula declarar sem provas que o plano do PCC para matar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) seria uma “armação” do ex-juiz (Foto: EFE/Andre Borges)

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Dois dias depois de Lula declarar sem provas que o plano do PCC para matar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) seria uma “armação” do ex-juiz da Lava Jato, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência lançou a plataforma “Brasil contra fake”, um “chamado para nos unirmos contra o ódio espalhado pelas fake news”. Hospedada no site oficial do Planalto, a iniciativa já contava com mais de 40 conteúdos favoráveis ao governo (alguns deles reproduzidos de agências de checagem) até a manhã desta terça-feira (28), porém sem menções a verificações sobre mentiras ou dados falsos propagados pelo petista ou por sua equipe.

Um vídeo postado no Twitter de Lula, no domingo (26), afirma que “quem espalha fake news espalha destruição”. “O Brasil sofreu muito com mentiras nas redes sociais [nos] últimos anos. Precisamos fortalecer uma rede da verdade”, diz o texto, convidando o cidadão a “frear o ódio, parar de repassar informações falsas, checar cada fato e sua fonte”.

O site do PT explica que, na plataforma, “o internauta tem acesso à versão correta das principais mentiras que andam sendo espalhadas nas redes sociais a respeito do governo Lula, além de receber orientações sobre como identificar e denunciar fake news”. “O Governo tem um espaço de esclarecimentos sobre Fake News e desinformação sobre políticas públicas e iniciativas apoiadas é um serviço de utilidade pública”, tuitou o ministro da Secom, Paulo Pimenta.

O governo não divulgou como é feita a seleção dos temas nem a metodologia utilizada na checagem. Alguns conteúdos foram produzidos por agências, como G1, Aos Fatos e Lupa. Já outros textos não são exatamente checagens, mas notas de esclarecimento com a versão do governo sobre polêmicas, como a participação de Janja em uma live.

“É falsa a informação de que a primeira-dama Janja Lula da Silva teria utilizado indevidamente um canal público para realizar uma live na TV Brasil. A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) ​​cumpre o contrato de prestação de serviços firmado com a Secretaria de Comunicação Social (Secom). O acordo inclui transmissões ao vivo, a partir de demanda definida pela Secom. Este foi o caso da live em questão, uma ação interministerial no 8/3/2023, data que marca o Dia Internacional da Mulher. Portanto, o material produzido tem caráter de Comunicação Pública, como meio de debate e interesse comum envolvendo a sociedade civil, o Estado e o Governo”, justifica o texto.

Em outro conteúdo (“É falso que yanomamis desnutridos sejam venezuelanos”), a equipe de Lula aproveitou o espaço oficial para atacar o governo Bolsonaro: “a verdade é que a crise humanitária que aflige o povo yanomami foi ignorada pelo governo anterior”. “Foram 50 ofícios enviados pelos indígenas a diversos órgãos alertando para a situação crítica e que foram esquecidos pela gestão passada (2018-2022). Desde o começo do atual governo, os yanomamis vêm sendo atendidos com uma série de ações. Trata-se desde o envio de cestas básicas, reforço na atenção à saúde até a mitigação dos garimpos ilegais que tanto impactam a comunidade indígena”, afirma a publicação.

Mentiras de Lula são ignoradas 

Na última quinta-feira (23), durante visita ao Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro, Lula afirmou que “é visível que [a elaboração de um plano de criminosos para sequestrar e assassinar autoridades] é uma armação do Moro”. “Lula alimenta onda de desinformação ao acusar Moro”, disparou o Estadão Verifica, apontando o petista como “o principal responsável por alimentar as teorias conspiratórias”.

No primeiro mês do mandato, o governo federal institucionalizou a classificação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, como um “golpe”, em um texto de apresentação da nova presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). No dia da mulher, Lula voltou a chamar o impeachment de golpe: “O processo [de combate à desigualdade] sofreu um retrocesso muito grande após o golpe de 2016 contra nossa companheira Dilma Rousseff”. De acordo com juristas ouvidos pela Gazeta do Povo, o argumento não tem base legal, segundo os fatos que envolveram o processo.

No início do mandato, posts nas redes sociais compartilhados “por parlamentares, como os deputados federais Gleisi Hoffman (PT-PR) e José Guimarães (PT-CE) e os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP)” afirmavam que Lula não teria autorização para corrigir a faixa de isenção do Imposto de Renda ainda em 2023. A agência Aos Fatos publicou em janeiro que o argumento é falso, uma vez que “o princípio da anterioridade não prevê qualquer tipo de prazo de adaptação em caso de diminuição de tributos — caso da proposta do governo —, apenas para o aumento ou a criação de novos impostos”.

A mesma agência verificou dados falsos propagados por Lula em seu discurso de posse, como afirmações de que herdou mais de 14 mil obras paradas e de que “em nenhum outro país a quantidade de vítimas fatais [da Covid-19] foi tão alta proporcionalmente à população quanto no Brasil”.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, também propagou uma informação falsa durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, ao dizer que “no meu país, tem 120 milhões de pessoas que estão passando fome". No dia seguinte, ela corrigiu o número para 33 milhões de brasileiros, porém o dado ainda não corresponde ao real cenário do país.

Durante a posse de Aloizio Mercadante como presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em fevereiro, Lula disse que Cuba e Venezuela não pagaram empréstimos feitos com o Brasil, porque “o presidente [Bolsonaro] resolveu cortar relação internacional com esses países” e não cobrou a dívida. A informação foi checada pelo O Antagonista e é falsa: “Segundo dados apresentados pelo site do próprio banco, o BNDES registra inadimplementos dos países vizinhos desde janeiro de 2018, quando Michel Temer ainda estava na cadeira presidencial”.

A agência Lupa, que teve algumas checagens reproduzidas pelo “Brasil contra fake”, também já publicou verificações desfavoráveis ao presidente e à sua equipe, como uma de fevereiro que afirma que “Lula usa dados falsos e exagerados sobre economia em entrevista à CNN”.

A Gazeta do Povo procurou a Secom para entender os critérios de seleção das checagens e para perguntar se a plataforma pretende publicar verificações sobre informações falsas ditas por Lula e pela equipe de governo, porém não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

Repercussão negativa 

Pelo Twitter, internautas reagiram à postagem de Lula, com ironias e pedidos de verificação de mentiras propagadas pelos governistas. O jornalista Ricardo Noblat, que na época das eleições tuitou uma declaração de voto em Lula ao afirmar que “É preciso derrotar Bolsonaro. E de preferência no primeiro turno”, também criticou a iniciativa, classificando-a como “ideia de jerico”. “O Poder mente, seja ele qual for. Sempre foi assim e sempre será. Mente-se mais em regimes autoritários, autocráticos, mas nas democracias também se mente muito”, acentua.

Noblat recorda que, se o objetivo da Secom é “desmentir notícias que incomodem o governo”, há agências certificadas que já se ocupam “mesmo dessas, ou principalmente dessas” situações. “Desconfie, desconfie muito dos que os governos dizem, embora eles não admitam que mentem. E de iniciativas que eles possam ter em defesa do que apresentam como verdade”, alerta.

A plataforma de Lula também foi criticada pela agência de checagens Lupa, que acusou o governo de usar os conteúdos sem aviso prévio. “Do total de conteúdos disponíveis no portal, 12 foram feitos a partir de verificações publicadas pelos sites Fato ou Fake, Aos Fatos e Lupa, com referência e link direto. As duas últimas, porém, não foram comunicadas sobre o uso de suas checagens no site. Também não está claro o critério de utilização — há, por exemplo, uma checagem da Lupa produzida em novembro de 2022, ou seja, antes de o governo Lula tomar posse”, afirma.

A Lupa critica ainda que a maioria dos conteúdos produzidos pela equipe da Secom “não fornecem nenhum tipo de evidência direta sobre a afirmação que está sendo verificada”. “Um dos textos, por exemplo, é uma “verificação” de uma afirmação de que o governo teria cortado R$ 4 bilhões de verbas para Ciência e Tecnologia. O texto diz que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) deve receber R$ 9,96 bilhões, mas não apresenta nenhuma fonte que comprove isso — como, por exemplo, o orçamento de 2023”.

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