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Liberdade religiosa

Democrata quer usar impostos para punir igrejas por questão LGBT

Sem entender o papel das igrejas nas obras de caridade, o candidato democrata à Presidência dos EUA, Beto O'Rourke quer cobrar impostos de doações
Sem entender o papel das igrejas nas obras de caridade, o candidato democrata à Presidência dos EUA, Beto O"Rourke quer cobrar impostos de doações. (Foto: AFP)

Beto O'Rourke tem uma péssima ideia. O candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos e ex-deputado pelo Texas quer que o governo norte-americano tire a isenção fiscal das organizações religiosas — incluindo igrejas e mesquitas — que se opõem ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Quando lhe perguntaram sobre o assunto, O'Rourke disse: “Não pode haver recompensa, benefício ou isenção para pessoas ou instituições ou organizações que neguem os direitos humanos e os direitos civis a todos nos Estados Unidos”.

Sua proposta seria um golpe contra as organizações religiosas e a tradição norte-americana de fomentar uma sociedade civil saudável, juntamente com o princípio da separação entre igreja e Estado. O alcance da medida pode ser enorme. Para usar um exemplo a mim muito caro, há mais de 17 mil paróquias católicas e 16 milhões de pessoas que se autoidentificam como católicos nos Estados Unidos.

Vamos voltar um pouco no tempo. Por que as organizações religiosas podem receber contribuições isentas do imposto de renda nos Estados Unidos?

Os contribuintes podem fazer doações dedutíveis para igrejas e outras organizações sem fins lucrativos faz mais de um século. Alguns anos depois de os Estados Unidos terem criado o imposto de renda, a alíquota máxima foi aumentada para gerar renda para a Primeira Guerra Mundial. Na época, temia-se que tal alíquota tirasse dinheiro das organizações sem fins lucrativos. Assim, essas doações ficaram isentas de taxação.

Um exemplo de como isso funciona: se você se enquadra na alíquota de 37% do imposto de renda e faz uma doação de US$100 para uma igreja, esses US$100 da sua renda não sofrem tributação. Em vez de dever US$37 ao governo, você não deve nada. Então o custo real da doação para você é de US$63, não de US$100. (Você pode deduzir até metade da sua renda e a dedução só é possível para quem faz a declaração detalhada).

Organizações religiosas com direito à isenção devem ser organizadas e administradas exclusivamente para objetivos religiosos. O dinheiro doado não pode ser usado para fins privados de um indivíduo ou acionista. E elas têm de evitar fazer lobby ou intervir em campanhas políticas. Organizações religiosas têm bastante autonomia.

Como as deduções reduzem os custos da filantropia para o contribuinte, os economistas acreditam que elas aumentam as ações de caridade nos Estados Unidos. Uma pesquisa feita pelos economistas e especialistas em filantropia Jonathan Meer e Benjamin Priday descobriu que um aumento de 10% no “custo de doação” reduz a filantropia em pouco mais de 10%. (O preço da doação muda quando o Congresso altera as alíquotas do imposto de renda). Para lares que pagam a alíquota maior, a eliminação completa da dedução para doações a organizações religiosas que se opõem ao casamento entre pessoas do mesmo sexo — o que O'Rourke diz que pretende fazer se eleito — aumentaria o custo de doação dos contribuintes em até 59%. Isso diminuiria drasticamente as doações para a caridade.

O fato de as deduções sustentarem as doações é, em si, um argumento forte em favor de se manter o código tributário. Além disso, renda doada não deve ser taxada. Uma pessoa que dá seu dinheiro a uma casa de oração tem menos dinheiro para o consumo ou a poupança, e deveria ser taxada com base nisso.

Você pode argumentar que as doações para a caridade são uma forma de consumo. Claro que, ao menos de certa forma. Grandes doadores podem ter seus nomes em edifícios ou iniciativas. E os doadores sentem algo de bom ao fazerem uma doação para uma causa ou organização que apoiam.

Mas o ponto central é que o valor das doações é muito maior para a igreja ou organização do que para o doador. Prejudicar as doações prejudicaria as organizações religiosas, não os doadores.

Boa parte do que as organizações religiosas fazem — por exemplo, ajudando os pobres, tratando viciados em drogas, dando educação, ajudando refugiados e coisas do gênero — tem um grande valor social. Muitas dessas atividades exigiriam mais recursos governamentais na falta de igrejas, sinagogas e centros islâmicos. A isenção fiscal dessas organizações é uma forma de reconhecer essa relação complementar entre o assistencialismo público e o assistencialismo social privado.

A questão fala às bases da sociedade civil norte-americana, que conta com o apoio de uma tradição de doação. As contribuições para a caridade nos Estados Unidos alcançaram US$292 bilhões ano passado, de acordo com a consultoria Giving USA. (Meus colegas do American Enterprise Institute, Alex Brill e Derrick Choe, previram corretamente que esse número seria relativamente menor por causa dos desincentivos contidos na lei tributária de 2017. Essa é mais uma prova de que as doações reagem às alterações na taxação).

Eu prefiro doar US$100 para a cozinha comunitária da minha paróquia católica a dar ao governo US$100 a mais para aumentar o apoio nutricional aos pobres. A isenção às igrejas dá apoio a essa forma tradicionalmente norte-americana de organizar a sociedade. O governo não é a única instituição à qual os norte-americanos recorrem.

Quando a ecologia social dos Estados Unidos está saudável, as organizações religiosas e o governo se mantém distantes. O plano de O'Rourke faria com que o Estado escrutinasse a igreja, inspecionando sua teologia e rituais a fim de garantir que elas apoiem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, dando isenção a algumas e não a outras.

Ele manteria a isenção para igrejas, mesquitas e sinagogas que seguem sua teologia preferida. As que não teriam de ajudar financeiramente o governo.

Ele não entende nada do assunto. Em vez de diminuir a dedução para as organizações religiosas, ela deve ser aumentada — para esses grupos e todas as organizações sem fins lucrativos tradicionalmente isentas —, ampliando a dedução para os lares que usam a declaração padrão, e não a detalhada.

E a isenção deveria continuar a ser determinada sem exames teológicos. Os políticos podem escolher seus próprios lugares de adoração com base em sua visão social, mas eles não deveriam usar o poder do governo para pressionar organizações religiosas a adotarem as mesmas visões deles.

Michael R. Strain é bolsista-residente no American Enterprise Institute.

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