Nos anos 1920, os três maiores bancos italianos tinham uma participação considerável nas grandes empresas do país. Aproximadamente dois anos depois do crash da Bolsa de Nova York, em 1929, a Itália viveu seu próprio crash, com as ações caindo em média 30%. Os bancos se perceberam numa enrascada: se vendessem os bens ao preço de mercado, perderiam todo o capital investido.
Por esse motivo, em 1933 o regime fascista criou o Instituto Italiano para a Reconstrução Industrial (IRI, na sigla original). O governo nacionalizou os bancos e destinou as ações que eles tinham das empresas a um controlador específico, a serem administradas por tecnocratas capacitados. O próprio Mussolini considerava a medida uma “casa de convalescença” para as empresas italianas que em breve se recuperariam. O IRI mais tarde foi usado por Franklin Roosevelt como um modelo para seu National Recovery Administration [Departamento de Recuperação Nacional]. Somente nos anos 1990 é que o IRI foi desmantelado e as empresas que ele controlava acabaram privatizadas; a holding foi liquidada em 2000. Em outras palavras, a Itália precisou de 70 anos para tirar as empresas controladas pelo Estado da sua “casa de convalescença”.
Em geral, os especialistas concordam que a Covid-19 pode se tornar uma crise tão séria quanto a de 1929. É possível que isso faça com que o Estado se apodere de empresas privadas. Em muitos países, isso seria uma consequência imprevista da quarentena prolongada, mas na Itália tudo parece parte de um plano.
Desde o início do surto de Covid-19, o mercado acionário italiano perdeu cerca de 20% de seu valor. Como acontece em épocas de crise, empresas antes sólidas, como a Fiat Chrysler, ENI ou Tenaris, perderam algo em torno de 45% em valor de mercado, em comparação com o ano passado. O medo do ataque hostil de “predadores” estrangeiros aumentou.
A princípio, e numa estratégia clássica, o short-selling [apostar na baixa de uma ação] foi proibido. Desde então, juntamente com várias medidas que previam garantir a liquidez das empresas italianas graças à oferta de garantias estatais aos credores, o governo italiano está engendrando um aumento do seu poder. Isso terá consequências graves.
A Itália tem uma versão própria das “golden shares” britânicas. Trata-se de uma série de regras criadas em 2012 e que permitem que o governo estabeleça as condições para a compra de ações por estrangeiros ou até proíba uma operação de compra. No começo, a medida se aplicava somente aos “setores estratégicos”: empresas relacionadas à defesa nacional, telecomunicações, transporte e energia. Claro que é difícil saber que setor é estratégico antes de você precisar dele. Quem pensaria que a produção de máscaras era algo estratégico antes da pandemia de Covid-19?
O governo reagiu a isso não redefinindo o conceito, e sim o ampliando. Primeiro, ele começou a incluir entre os setores estratégicos empresas “intensamente tecnológicos”: uma definição intencionalmente ambígua. Agora o governo de Giuseppe Conte ampliou seu poder de veto a bancos e seguradoras, empresas de infraestrutura, de nano e biotecnologia, de inteligência artificial robótica e segurança cibernética, e empresas que lidam com “informações sensíveis, incluindo dados pessoais”, além da cadeia de suprimentos da indústria alimentícia.
Não importa que os novos acionistas sejam empresas europeias. Esse, por sinal, é outro prego no caixão do mercado único europeu. Se uma empresa quiser incluir um novo acionário de fora da União Europeia com mais de 10% ou mais de um milhão de euros, tem de pedir a autorização do governo.
Vou reforçar: isso serve para qualquer empresa. As medidas se aplicam também a empresas privadas não listadas na Bolsa. Os limites dos setores mencionados podem ser ampliados para incluir também os fornecedores (sobretudo no caso das empresas de telecomunicação) — o que, num mundo tão conectado, significa que estamos falando de uma parcela considerável da economia italiana e praticamente todas as empresas de capital aberto do país.
A medida (que deve vigorar até o dia 31 de dezembro, mas que, claro, pode ser renovada) é mais um golpe nos pequenos investidores italianos. Se eles só podem vender as ações a seus compatriotas, o valor dessas ações provavelmente não aumentará.
Além disso, a medida provavelmente criará um problema para as start-ups italianas, sobretudo as de novas tecnologias. Se elas buscarem investidores-anjo ou fundos de investimento ansiosos por conectá-las as suas empresas-irmãs no Vale do Silício, a vida delas vai ser um inferno. Se todos os países geram certa quantidade de boas ideias, o dinheiro fluirá para aqueles com a economia mais aberta.
O mais importante é que, a fim de “proteger” os empresários italianos de predadores internacionais, a medida de fato lhes tira, e nisso estão incluídos os fundados e os donos de empresas de médio porte, sua propriedade. Um país como a Itália deveria se importar com suas alianças geopolíticas, mas isso não tem muito a ver com acabar com os direitos à propriedade privada. A essência de uma propriedade é sua capacidade de vendê-la se assim o desejar. Se você não pode vendê-la, ela não é sua.
Essa é uma questão que deveria assombrar os governantes italianos: depois que a quarentena acabar, quantos empresários do país decidirão não voltar aos negócios? O ambiente extremamente regulamentado e a burocracia bizantina são características do cenário italiano, e os capitalistas sabem como lidar com isso. Mas se sua propriedade é tirada de você no meio da pandemia ou se eles sentem que não são mais donos da empresa que construíram, eles talvez se sintam tentados a jogar a toalha.
Os bancos italianos podem acabar cheios de empresas porque os donos preferiram deixar de quitar as dívidas. A participação exagerada dos bancos no setor acionário pode torná-los ainda mais vulneráveis depois da Covid-19 e das taxas de juros 0. A nacionalização, ou um novo IRI, será então a única opção do governo italiano, fazendo o setor voltar a 1933. O governo italiano parece ansioso diante dessa oportunidade.
*Alberto Mingardi é diretor geral do Istituto Bruno Leoni e pesquisador no Cato Institute.
© 2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês
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