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Presidente da Colômbia entre 2018 e 2022, Iván Duque, de 48 anos, se destacou como uma voz ativa na defesa da democracia na América Latina. Durante seu mandato, adotou uma postura firme contra o regime de Maduro e apoiou o acolhimento de refugiados venezuelanos.
Após deixar a presidência, cofundou o grupo Libertad y Democracia, uma coalizão de ex-presidentes latino-americanos comprometidos em fortalecer as instituições democráticas e combater o autoritarismo na região, unindo-se a líderes como Sebastián Piñera [1949-2024], Mauricio Macri e Andrés Pastrana.
Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Duque criticou a posição ambígua do governo Lula em relação à ditadura venezuelana — "É importante que a maior democracia da América Latina não apenas condene a ditadura, mas também passe para uma ação muito mais firme de pressão sobre o regime" — e se mostrou preocupado com a politização da justiça no continente. "A justiça precisa garantir que suas decisões são baseadas em critérios objetivos e evidências. Quando se começa a ver um duplo padrão, isso muda a perspectiva", disse.
Duque ainda afirmou que o Foro de São Paulo é uma ameaça à democracia na América Latina e chamou seu sucessor, Gustavo Petro, de antissemita.
Gazeta do Povo — A Venezuela vive sob uma ditadura consolidada. O que o senhor acha que pode ser feito para restabelecer a democracia, o Estado de Direito e a liberdade no país? Acredita que María Corina Machado conseguirá tirar a Venezuela do abismo totalitário do socialismo do século XXI?
Iván Duque — María Corina Machado é uma mulher heroica, corajosa, comprometida e com uma enorme capacidade de luta. É uma mulher que não vai desistir e continuará fazendo tudo o que estiver ao seu alcance para recuperar a democracia na Venezuela, e, portanto, precisamos apoiá-la.
Por isso é tão importante que a maior democracia da América Latina, que é o Brasil, não apenas condene a ditadura, mas também passe para uma ação muito mais firme de pressão sobre o regime, para que seja garantido o cumprimento do veredito das urnas, que foi a eleição contundente e clara de Edmundo González como presidente constitucional da Venezuela.
É importante que a maior democracia da América Latina, que é o Brasil, não apenas condene a ditadura, mas também passe para uma ação muito mais firme de pressão sobre o regime
Também é necessário que todos os países deste hemisfério, que somos signatários da Carta Democrática Interamericana, não apenas a defendam, mas façam com que ela seja cumprida. E é necessário aplicar todo o sistema, não apenas de sanções, mas de congelamento de ativos de todos aqueles que estão envolvidos na ruptura da ordem constitucional.
Por isso o ultimato está fixado para o mês de janeiro. Se Maduro pretender permanecer no poder, não apenas não se pode reconhecer esse governo, mas todos os países deste hemisfério devem condená-lo e fechar qualquer possibilidade para Maduro e seus aliados mais próximos, para que não tenham nem mobilidade nem bens, nem laranjas neste hemisfério.
Como o senhor vê o governo de Lula e seu impacto na América Latina?
Iván Duque — Acredito que o governo que o presidente Lula tem hoje é muito diferente dos que ele teve no passado. Primeiramente, deve-se reconhecer que ele hoje não possui uma maioria parlamentar consolidada. Em segundo lugar, também não possui maiorias consolidadas nos governos locais. Na verdade, ele sofreu um grande revés nas eleições locais, e considero que um dos fatores foi a atitude dúbia frente a Maduro.
Adicionalmente, creio que ele está sendo chamado, neste momento, a defender a democracia. Se ele não for uma voz em defesa da democracia e da liberdade econômica, isso vai lhe custar caro. Também percebo um fenômeno que talvez muitas pessoas não notaram: o Brasil também está passando por uma transição religiosa. Nas últimas décadas, sobretudo nos últimos 10 anos, os movimentos evangélicos se consolidaram muito mais em todo o território. Esses movimentos também começam a ter repercussões políticas, demonstrando que o eleitorado está se inclinando cada vez mais para o centro conservador e se mostrando cada vez mais resistente aos modelos socialistas.
Lula sofreu um grande revés nas eleições locais, e considero que um dos fatores foi a atitude dúbia frente a Maduro
Portanto, para Lula será muito importante perceber essa realidade e ser capaz de gerar grandes consensos. Creio que o primeiro passo para gerar confiança é que a voz de Lula se torne cada vez mais firme e, especialmente, mais contundente contra a ditadura de Nicolás Maduro. A hesitação e a ambiguidade frente a esse regime vão custar caro ao PT nas eleições de 2026.
O senhor acredita que o governo de Gustavo Petro representa uma ameaça para as instituições democráticas na Colômbia? Petro tem uma inclinação antissemita?
Iván Duque — Ele é antissemita? Sim, ele é antissemita. Chamar o Estado de Israel de "Estado nazista" é algo que somente um antissemita poderia fazer, porque isso revitimiza um povo que foi dilacerado pelo regime nazista. Em segundo lugar, não condenar o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 e tentar justificar tal ato bárbaro também é uma atitude antissemita. E, claro, também é antissemita o fato de que a Colômbia é o único país neste hemisfério que rompeu as relações de forma estrutural com Israel, em vez de buscar compreender a situação vivida. Isso demonstra uma atitude antissemita.
Em relação ao que vejo de mais grave no governo de Petro, são os fatos: a Colômbia está enfraquecendo o abastecimento de gás e de energia, a ordem pública está retrocedendo décadas, há incertezas econômicas, a regra fiscal está sendo ignorada, e a moeda tem sido desvalorizada de forma alarmante.
Petro é antissemita? Sim, ele é antissemita. Chamar o Estado de Israel de "Estado nazista" é algo que somente um antissemita poderia fazer
Além disso, o país está perdendo atratividade para investimentos, e o governo está promovendo reformas populistas, como uma reforma trabalhista para satisfazer a elite sindical, uma reforma previdenciária para capturar as poupanças das pessoas e usá-las como caixa do governo, uma reforma na saúde para nacionalizar o serviço, e agora uma reforma no regime de receitas territoriais que afetará as finanças públicas, enfraquecendo estruturalmente a posição fiscal do país. Tudo isso é catastrófico, pois se trata de um governo conduzido com preconceitos ideológicos e com um tom demagógico.
Os Acordos de Paz com as FARC foram positivos para a Colômbia? Eles trouxeram mais paz, segurança jurídica e justiça para o país?
Iván Duque — Estamos prestes a completar oito anos desde a assinatura do Acordo do Teatro Colón, apesar da vitória do “Não” no plebiscito, e o que vemos? Em termos de desmobilização, há avanços, e na reincorporação também. Mas no que se refere a justiça, verdade, reparação e não repetição, a resposta é não. Quanto à verdade, os líderes das FARC não contaram a verdade. Em termos de justiça, não houve nenhuma condenação exemplar para os principais responsáveis por crimes de lesa-humanidade.
Quando se trata da não repetição, vemos criminosos como Iván Márquez, Romaña, “El Paisa” e Santrich, que foram negociadores e voltaram ao terrorismo. Alguns morreram em confrontos na Venezuela, especialmente dentro das estruturas de narcotráfico, e outros continuam nas dissidências, como é o caso de Jhon Mechas ou Iván Mordisco. Então, houve verdade e justiça? Não. Houve reparação? Eles não repararam suas vítimas. Houve não repetição? Muitos deles continuaram a cometer atos violentos; isso é o que os fatos demonstram.
Assim, acredito que as vítimas não se sentem satisfeitas com este processo, e não há realmente uma resposta proporcional ao que deveria ser a verdade. E há outro ponto: já completamos dois ciclos de eleições parlamentares em que cadeiras foram dadas às FARC, e não vimos nenhum ato de constrição nem contribuição para resolver os grandes problemas do país. Isso demonstra como o processo se desenrolou até agora.
Dito de outra forma, há elementos que avançaram, como os Planos de Desenvolvimento com Enfoque Territorial, que aceleramos em nosso governo, ou a política de reincorporação. Também houve avanços em alguns aspectos de investimento territorial em regiões historicamente afetadas pela violência. Mas no que se refere a verdade, justiça, reparação e não repetição, que eram o núcleo do acordo, não vejo o menor progresso.
O que o grupo o grupo Liberdade e Democracia fez de concreto para fortalecer a democracia e combater o autoritarismo na região?
Iván Duque — O grupo Liberdade e Democracia é uma iniciativa que fundamos com Mauricio Macri [ex-presidente da Argentina], Sebastián Piñera [ex-presidente do Chile, falecido em um acidente de helicóptero no início deste ano], que liderou essa iniciativa, com Tuto Quiroga [ex-presidente da Bolívia] e comigo. Depois se uniram figuras como Andrés Pastrana [ex-presidente da Colômbia], Guillermo Lasso [ex-presidente do Equador], Mario Abdo [ex-presidente do Paraguai] e muitos outros. Defendemos a democracia e a liberdade, e temos o dever de confrontar, com ideias, todas essas propostas demagógicas que buscam fraturar as democracias, como as promovidas pelo Foro de São Paulo e pelo Grupo de Puebla.
Estamos fazendo isso em nosso terceiro encontro, que ocorre na República Dominicana, onde estou agora, um país pujante, com um grande governo, gerencial e construtivo, liderado por Luis Abinader. Hoje, a República Dominicana é uma fonte de inspiração para o continente. De aqui, queremos expressar nosso apoio irrestrito a Edmundo González e a María Corina Machado, mostrando que não desistiremos até que a democracia seja restabelecida na Venezuela, e que devemos estabelecer diretrizes para os próximos processos eleitorais e confrontar ideologicamente as propostas nocivas e perniciosas do Foro de São Paulo e do Grupo de Puebla.
O Foro de São Paulo e o Grupo de Puebla representam uma ameaça para a estabilidade da região?
Iván Duque — O Foro de São Paulo é uma ameaça à democracia continental por razões óbvias e evidentes. Primeiramente, ele promove o populismo, a pós-verdade e a polarização. Em segundo lugar, ele incentiva que aqueles que fazem parte desse grupo se mantenham no poder. Foi o que aconteceu com Rafael Correa, com Hugo Chávez, com Daniel Ortega, com Evo Morales, e é o que querem fazer em todos os lugares onde chegam seus simpatizantes. O Foro de São Paulo busca confrontar o desenvolvimento empresarial, promove o ódio de classes e, embora se autodenominem progressistas, na verdade são promotores da pobreza, pois empobrecem os povos.
O Foro de São Paulo é uma ameaça à democracia continental por razões óbvias e evidentes. Ele promove o populismo, a pós-verdade e a polarização.
O Foro de São Paulo tem sido extremamente complacente e condescendente com a ditadura de Maduro e foi com os abusos de Rafael Correa, Evo Morales e os Kirchner na Argentina. Portanto, o Foro de São Paulo não tem autoridade moral, pois busca o exercício da política para capturar o Estado e se perpetuar no poder. Isso é uma ameaça clara à democracia.
Como a relação entre narcotráfico e política afeta a Colômbia e o restante da América Latina?
Iván Duque — O narcotráfico quer cada vez mais influenciar as decisões de governo. Temos visto denúncias graves na Colômbia, no Brasil, no Equador. O narcotráfico busca capturar o poder político local, o poder judicial e até mesmo negociar com governos para obter benefícios. Na luta contra o narcotráfico, precisamos de mecanismos eficazes de controle contra a lavagem de dinheiro, extinção rápida de domínio, penas efetivas para os líderes e melhorar a cooperação internacional para identificar as rotas, entre outras medidas.
O narcotráfico busca capturar o poder político local, o poder judicial e até mesmo negociar com governos para obter benefícios.
Não há dúvida de que o narcotráfico procura capturar instituições, e é por isso que devemos confrontá-lo, denunciá-lo e fortalecer a cooperação internacional. E é fundamental que na política haja vozes claras e contundentes de condenação, sanção e punição ao narcotráfico, sem relativismos.
No Brasil, houve emblemáticos como o bloqueio da plataforma X, cada vez mais vozes questionam uma perseguição política, ou as absolvições de pessoas envolvidas no caso Lava Jato. Qual é a sua perspectiva sobre o papel do poder judiciário no Brasil atualmente?
Iván Duque — Não pretendo me colocar aqui como intérprete, nem muito menos fazer comentários específicos contra ou a favor da justiça do Brasil ou dos juízes do Brasil. O que quero destacar é o que vejo como um perigo na América Latina: estamos assistindo a uma politização da justiça e a uma judicialização da política.
Esses dois fenômenos são graves, pois a politização da justiça ocorre quando partidos tentam se apropriar dos setores da justiça e utilizá-la como uma ferramenta ou arma a seu favor para intimidar, perseguir, cortar liberdades e se manter no poder. Por outro lado, a judicialização da política é quando a justiça é utilizada como um mecanismo de repressão e destruição moral dos opositores políticos. Esses dois fenômenos são muito graves.
Vejo como um perigo na América Latina: estamos assistindo a uma politização da justiça e a uma judicialização da política
A justiça precisa garantir que suas decisões são baseadas em critérios objetivos e evidências. Mas, quando se começa a ver um duplo padrão – que em certos casos favoráveis a determinadas pessoas se age de forma lenta, enquanto em outros se age de maneira muito rápida – isso muda a perspectiva.
Que em um tipo de processo busquem-se acordos judiciais e em outros, de maneira acelerada, se produzam provas já indica esses dois fenômenos. Para termos democracias verdadeiras, confiáveis, fortes e sólidas, é necessário evitar a politização da justiça e a judicialização da política.
Qual é a sua opinião sobre a situação da liberdade de expressão no Brasil e no mundo e o papel das redes sociais? Existem temas que, na sua opinião, deveriam ser censurados ou proibidos?
Iván Duque — A liberdade de expressão não pode ser confundida com liberdade de difamação, e isso é algo muito importante. Ela também parte de nossa própria autorregulação, porque, infelizmente, nas redes sociais, muitos transformaram a pós-verdade, movida por exércitos de bots e grupos organizados, em um mecanismo para destruir a reputação de adversários ou de pessoas com opiniões diferentes. Isso é algo que preocupa.
Em segundo lugar, acho que bloquear as plataformas é um péssimo precedente para a democracia. Cortar a possibilidade de que as pessoas utilizem as plataformas, dentro dos termos de uso que elas próprias definem e que são um veículo de expressão, pode afetar gravemente a democracia. Também vejo algo que me preocupa, que é o uso do poder judicial, em alguns lugares onde há captura desse poder, como mecanismo de pressão e repressão contra quem exerce o jornalismo.
Posso afirmar isso com autoridade moral. Eu assinei a Declaração de Chapultepec [uma declaração que versa sobre a Liberdade de expressão] e, ao longo do meu governo, recebi muita oposição, questionamentos e ataques de vários setores da imprensa. Muitos com desinformação, outros por interesses tendenciosos, e outros porque acreditavam estar corretos.
Preocupa o uso do poder judicial como mecanismo de pressão e repressão contra quem exerce o jornalismo
Mas nunca usei o poder do Estado para pressionar um dono de meio de comunicação a demitir um diretor ou um jornalista. Jamais entreguei um caso ao Ministério Público para abrir uma investigação criminal ou para perseguição. Nunca liguei para uma agência de segurança para intimidar quem cumpria a função jornalística. Me preocupa que hoje, em alguns países, setores judiciais estejam pensando em usar a justiça como um mecanismo para amedrontar, intimidar e limitar o exercício do jornalismo.
Portanto acredito que são três pontos muito importantes. E insisto: bloquear plataformas por uma decisão judicial me parece um caminho repressivo perigoso, especialmente quando a justiça em alguns países está vulnerável à captura por um governo ou partido.
Com apenas 48 anos e já tendo ocupado cargos tão importantes como senador e presidente da Colômbia, quais são seus futuros planos?
Iván Duque — Estou dedicado à promoção de jovens inovadores sociais por meio da Fundação Inovação para o Desenvolvimento, e queremos criar a maior rede de jovens inovadores sociais deste continente. Também estou envolvido neste esforço que é o grupo Liberdade e Democracia, e na promoção do Centro Iván Duque para a Prosperidade e a Liberdade no Wilson Center em Washington, para que possamos não apenas defender nossa democracia, mas também promover novas lideranças e realizar uma discussão clara e sólida sobre o papel estratégico da América Latina para os Estados Unidos.
Portanto, são três atividades que ocupam grande parte do meu tempo, e fazemos isso com satisfação, pois defender a democracia é um dever moral.
Conteúdo editado por: Jones Rossi