A Associação de Sumô do Japão pediu desculpas após um árbitro ter ordenado, na semana passada, a saída de várias mulheres (incluindo uma médica) do ringue de sumô, enquanto elas prestavam os primeiros socorros ao prefeito de Maizuru, após ele ter sofrido um aneurisma. Tudo porque o esporte considera as mulheres “ritualmente impuras”.
Em um vídeo do incidente, que viralizou no Japão, pode-se ouvir um locutor pedindo repetidamente pelo alto-falante para as mulheres saírem do ringue. É o mais recente e ilustrativo caso dos desafios que as mulheres enfrentam para alcançar a igualdade no Japão.
Assim que o prefeito Ryozo Tatami, de 67 anos, da cidade Maizuru, a noroeste da ilha de Kyoto, caiu durante um discurso, uma mulher correu para dentro ringue, dizendo ser médica, e os homens que primeiramente foram socorrê-lo abriram caminho. Ela começou a reanimar o prefeito com massagem cardiorrespiratória, enquanto outras mulheres também entravam no ringue para ajudar. Enquanto elas tentavam salvar o prefeito, um árbitro da Associação de Sumô do Japão repetia continuamente no sistema de alto-falantes: “Mulheres, por favor, saiam do ringue”.
Por fim, bombeiros (homens) chegaram com um desfibrilador e trocaram de lugar com elas.
De acordo com as tradições xintoístas do sumô, esporte exclusivamente masculino, o ringue é uma área sagrada onde mulheres – “impuras” – são proibidas de entrar.
O diretor da Associação de Sumô, Nobuyoshi Hakkaku, pediu desculpas em seguida, nos meios de comunicação, para tentar apaziguar os ânimos.
“O árbitro ficou incomodado e fez o anúncio, mas foi uma reação inadequada, pois a situação poderia ter sido fatal”, disse em um comunicado, que sugere que a reação teria sido adequada noutras circunstâncias.
“Lamento profundamente”, disse Hakkaku, agradecendo à mulher que prestou os primeiros socorros.
O prefeito sofreu uma hemorragia subaracnóidea, quando há sangramento entre o cérebro e a membrana circundante. Se não fosse interrompida, poderia causar dano cerebral permanente ou mesmo a morte, de acordo com a Mayo Clinic. Segundo as agências de notícias do país, o prefeito foi levado para o hospital e passou por cirurgia para interromper o sangramento.
Repercussão
Os japoneses usaram o Twitter para expressar sua indignação com o rumo dos acontecimentos.
“Uma palavra de uma profissional da saúde”, disse uma aluna do quarto ano de enfermagem. “Dizer ‘saia daqui’ para alguém que está tentando salvar uma vida é o mesmo que deixar a pessoa morrer. Além disso, o tempo que demora para que uma pessoa seja reanimada pode determinar se ela sobreviverá ou não. Mulheres são proibidas no ringue? Uma vida não é mais importante? ”
Outro comentarista no Twitter observou que foram as mulheres que agiram corretamente naquela situação.
“Como foi que todos vocês nasceram? Não foi de uma mulher chamada ‘mãe’?”, escreveu Toshi Goryokaku. “Quero que a Associação de Sumô ensine sobre a importância da vida.”
Segundo o Asahi Shimbun, um dos maiores jornais do Japão, testemunhas teriam dito que dirigentes jogaram muito sal no ringue após o incidente. O sal costuma ser jogado no ringue como parte de um ritual de purificação. Entretanto, na quinta-feira o jornal publicou a versão dos dirigentes da Associação de Sumô, negando que o sal tenha sido jogado por causa das mulheres que estiveram lá.
Chelsea Szendi Schieder, especialista em gênero no Japão e professora na Universidade de Aoyama Gakuin, em Tóquio, espera que o incidente seja um catalizador de mudanças.
“Há muitas tradições e ideias no Japão sobre como as mulheres podem se comportar e em quais mundos elas podem entrar”, disse ela, citando, por exemplo, o fato de uma mulher não pode herdar o trono imperial ou fazer sushi (elas podem fazer às vezes, de mentirinha).
“Tradições são feitas por pessoas e precisam atender às pessoas, então certamente seria positivo se esse episódio nos fizesse refletir um pouco sobre como podemos ajudar as tradições a atender às expectativas contemporâneas”, disse Schieder.
Escândalos no ringue
O bafafá das mulheres no ringue foi apenas o mais recente arranhão na imagem de um esporte antigo e altamente cerimonial, que vem sofrendo com escândalos de manipulação de resultados e apostas, além de vários incidentes associados a mau comportamento.
Harumafuji, o grande campeão mongol de sumô, de 33 anos, pediu desculpas e se aposentou no final do ano passado depois de ter sido considerado culpado de agredir um lutador mais jovem, atingindo-o na cabeça com um controle remoto em uma sala de karaokê.
Harumafuji, que estaria bêbado, ficou enfurecido porque o lutador mais jovem, também mongol, estava olhando para o seu celular enquanto o grande campeão – ou “yokozuna” – falava com ele. O lutador mais jovem foi levado para o hospital com uma fratura no crânio.
No início deste ano, um lutador egípcio de 26 anos, Osunaarashi, foi obrigado a se aposentar do esporte após ser pego dirigindo sem licença e depois ainda se envolver em um acidente de trânsito.
O esporte nacional do Japão já estava tendo dificuldade para competir com os fãs de beisebol, outro esporte muito popular no país. O sumô também está tentando atrair novos participantes para o estilo de vida notoriamente rígido dos lutadores, segundo o qual os aspirantes devem abandonar a escola aos 15 anos e viver em um “estábulo” comunitário, onde tudo – do corte de cabelo à dieta – é disciplinado.
A Mongólia passou a dominar o esporte, juntamente com o Havaí e outras ilhas do Pacífico.
“Womenomics”
Em outro incidente que causou alvoroço nas redes sociais nesta semana, uma mulher de 26 anos que trabalhava numa creche pediu desculpas por ter engravidado “fora de hora”. Seu empregador havia feito um cronograma baseado em idade, que estipulava que ela só poderia engravidar quando completasse 35 anos.
O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, vem promovendo a chamada “womenomics” (“economia feminina”) para incentivar uma maior participação das mulheres na economia japonesa. No entanto, elas continuem enfrentando discriminação e obstáculos logísticos a cada tentativa de avanço.
“Embora o Japão queira alcançar os padrões globais, existem essas tradições e contexto de gênero”, disse Schieder. “As coisas estão mudando para as mulheres no Japão, mas parece que uma mão dá e a outra tira.”
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