A queda-de-braço entre o homem mais rico do mundo e o homem mais poderoso do Brasil teve a participação fundamental de um personagem pouco conhecido fora dos Estados Unidos.
O deputado americano Jim Jordan, republicano do estado de Ohio, é quem divulgou os ofícios de Alexandre de Moraes exigindo a retirada de conteúdo e o bloqueio de usuários do X (antigo Twitter). A postura de Moraes tem sido questionada por Elon Musk, o dono da rede social X.
No começo do mês, havia prometido divulgar o material na íntegra para comprovar o que, nas palavras dele, são decisões ilegais do ministro. Mas, ao fazê-lo no Brasil, por iniciativa própria, ele poderia expor os funcionários locais do X à caneta de Moraes.
A ponte com Jim Jordan resolveu este problema.
Como o material foi divulgado
Jim Jordan é o presidente do Comitê Judiciário da Câmara de Representantes dos Estados Unidos. O cargo é um dos mais importantes da hierarquia legislativa americana, e equivale à presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados brasileira
Há uma semana, Jordan enviou um pedido formal para que a empresa de Musk repassasse ao comitê todas as decisões de Moraes que determinavam a remoção e conteúdo ou o bloqueio de usuários do então Twitter.
O X (uma empresa com sede nos Estados Unidos) está sujeito às normas americanas, e por isso precisa responder aos pedidos do Congresso.
Com o material em mão, Jordan produziu o relatório divulgado nesta quarta pelo Comitê Judiciário da Câmara de Representantes.
O documento inclui 88 ofícios direcionados por Moraes ao Twitter via TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e STF (Supremo Tribunal Federal). Boa parte deles nem mesmo apresenta justificativa para a remoção de conteúdo. "Este relatório provisório expõe a campanha de censura no Brasil e presenta um estudo de caso preocupante de como um governo pode justificar a censura em nome do combate ao chamado 'discurso de ódio" e à 'subversão' da 'ordem'", diz o relatório de 541 páginas.
Após a divulgação dos documentos, a assessoria de imprensa do STF comentou apenas que “todas as decisões do STF são fundamentadas”, e que os documentos apresentados no relatório são apenas ofícios com ordens judiciais enviados às plataformas.
Lutador imbatível
Na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Jim Jordan é conhecido como um conservador convicto que não faz questão de colaborar com colegas democratas. Os adversários o chamam de intransigente e até de excessivamente agressivo.
Talvez a postura tenha a ver com o passado de Jordan na luta livre (o "wrestling").
No ensino médio, Jordan foi quatro vezes campeão estadual de luta livre e atingiu a assombrosa marca de 150 vitórias em 151 lutas. Como universitário, enquanto cursava Economia na Universidade de Wisconsin, ele ainda conquistou dois títulos nacionais.
A carreira no esporte lhe garantiu um lugar no Hall da Fama da luta livre.
Jordan também se formou em Direito e concluiu um mestrado em Educação antes de trocar o esporte pela política.
Três décadas na política
Se possui um histórico quase invicto na luta livre, Jim Jordan tem um desempenho eleitoral ainda mais incontestável: Jordan nunca perdeu uma eleição.
Seu primeiro cargo público foi o de deputado estadual por Ohio, em 1994. Seis anos depois, ele chegou ao Senado estadual. Em 2006, alcançou o primeiro mandato como membro da Câmara dos Representantes. Ele foi reeleito oito vezes desde então (nos Estados Unidos, os deputados têm mandato de dois anos).
Jordan representa o quarto distrito de Ohio, que inclui boa parte da região central do estado. Em 2022, a eleição mais recente, ele derrotou a democrata Tamie Wilson e obteve 69%,2 dos votos em seu distrito.
A área representada por Jordan não inclui as regiões mais populosas de Ohio, onde o partido Democrata costuma ser mais popular. Ele representa uma região majoritariamente conservadora do estado, que, nas eleições presidenciais, tem oscilado entre republicanos e democratas.
Não é exagero dizer que Jim Jordan é mais conservador do que os colegas de partido. Em uma escala de 0 a 100, ele tem 94 pontos no ranking da Heritage Foundation, o principal think tank conservador dos Estados Unidos. A média dos republicanos é de 75.
Já na classificação feita pelo grupo ambientalista de esquerda “League of Conservation Voters”, Jordan tem 3 pontos de 0 a 100.
Jordan tem sessenta anos de idade, é casado desde os 21 e tem quatro filhos. Ele também recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade — a condecoração mais alta do governo americano — das mãos de Donald Trump em 2021. A condecoração foi entregue poucos dias antes de Trump deixar o cargo.
Interesse no Brasil é raro
O Brasil não costuma estar no radar da política americana — mais preocupada com os competidores globais (como a China), as nações vizinhas (como o México) ou regimes que oferecem uma ameaça direta à segurança dos Estados Unidos (como o Irã).
Embora parlamentares brasileiros já tivessem procurado congressistas americanos para denunciar a atuação de Alexandre de Moraes, foi só depois que Elon Musk desafiou o ministro em público que o assunto ganhou força em Washington.
A preocupação de Jim Jordan com a liberdade de expressão não surgiu agora. Em outubro de 2022, por exemplo, ele escreveu: “Duas coisas que a esquerda odeia: Elon Musk e a Primeira Emenda”. A Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos é o que garante a ampla proteção à liberdade de expressão no país.
Por outro lado, Jordan não possui qualquer ligação especial com o Brasil. Ele nunca mencionou a palavra “Brazil” em suas publicações no X, e o estado de Ohio não tem uma população brasileira considerável. Foi a posição de Jim Jordan no Comitê Judiciário que o tornou uma figura-chave na queda de braço entre Elon Musk e Alexandre de Moraes.
Jordan, aliás, não chegou ao posto por acaso. Ao contrário do que ocorre no Brasil, o comando das comissões parlamentares no Congresso americano costuma ser definido por critério de senioridade. Quem tem mais tempo de mandato ganha prioridade na divisão das funções. Isso também significa que, enquanto os republicanos tiverem maioria na Câmara de Representantes, Jordan deve continuar no comando do comitê.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”