Democratas críticos do catolicismo de Amy Coney Barrett, mas defensores do de Joe Biden, rejeitam a fé católica e privilegiam a fé partidária.| Foto: YURI GRIPAS/REUTERS
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Amy Coney Barrett e Joe Biden são incrivelmente semelhantes no que diz respeito à forma como eles veem a relação entre sua fé e trabalho. Ambos são católicos que consideram o aborto errado. Ambos dizem que são obrigados por suas profissões — Barrett como juíza e Biden como senador, vice-presidente e agora aspirante à Presidência— a respeitar o limite entre suas crenças religiosas e seu comportamento profissional. Mas a diferença com que a esquerda absorve a fé dos dois é impressionante.

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“Os juízes não podem – e nem deveriam tentar — sujeitar nosso sistema legal aos ensinamentos morais da Igreja quando há divergências entre os dois”, escreveu Barrett um artigo de 1998. Quando, em sua audiência de confirmação diante do Comitê de Justiça do Senado, depois de ser indicada ao cargo de juíza no Tribunal de Apelações do 7º Circuito, o senador Durbin perguntou a ela se Barrett era “católica ortodoxa”, ela respondeu: “Sou, mas quero ressaltar que a igreja que frequento ou minhas crenças religiosas não influenciarão minhas decisões como juíza”. Mais tarde ela disse que “é inapropriado para um juiz impor suas convicções pessoais, derivadas ou não da fé, sobre a lei”.

Biden tem dito repetidamente a mesma coisa. “Pessoalmente, sou contrário ao aborto, mas acho que não tenho o direito de impor minha opinião ao restante da sociedade”, escreveu ele em Promises to Keep [Promessas a serem mantidas], sua autobiografia política escrita em 2007. Em seu debate com o candidato à Vice-Presidêndia Paul Ryan, em 2012, Biden repetiu que “aceitou a posição da minha igreja quanto ao aborto. (...) A vida começa na concepção. Essa é a postura da igreja. Eu a aceito na vida pessoal. Mas me recuso a impô-la igualmente a cristãos, muçulmanos ou judeus”.

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Biden é o mais recente caso de uma linhagem de democratas católicos que invocam esse mantra, inicialmente recitado pelo ex-governador de Nova York Mario Cuomo num conhecido e admirado discurso realizado na Universidade de Notre Dame em 1984 e intitulado “Fé e Moral Pública: Perspectivas de um Governador Católico”. O argumento de Cuomo, desenvolvido com talento retórico, hoje soa familiar: “Aceito os ensinamentos da igreja quanto ao aborto. Mas insisto que você também aceite? Por imposição da lei? Nossa moralidade pública depende de uma visão consensual quanto ao que é certo e o que é errado”, disse.

Os correligionários de Cuomo repetem esse argumento desde então. Geraldine Ferraro, a candidata à Vice-Presidência em 1984, disse que, “embora pessoalmente seja contra o aborto”, ela não acreditava que deveria impor sua opinião sobre os demais. John Kerry, em sua campanha para a Presidência em julho de 2004, disse: “Pessoalmente, eu me oponho ao aborto. Mas não posso usar minha fé católica e usá-la para impor uma lei sobre um protestante ou judeu ou ateu. Temos a separação entre a igreja e o Estado nos Estados Unidos da América”.

O senador Timothy Kaine, concorrendo à Vice-Presidência em 2016, disse: “Sou uma espécie de católico tradicional. Pessoalmente, não gosto. Me oponho ao aborto. Então assumi a postura comum entre os católicos. Nutro um sentimento pessoal quanto ao aborto, mas o papel do governo é deixar que as mulheres tomem suas próprias decisões”. E o governador de Nova York Andrew Cuomo, defendendo seu apoio à abortista Lei de Saúde Reprodutiva de2019, disse: “Meus valores enquanto católico são meus valores pessoais. (...) No meu cargo, jurei obedecer a Constituição dos Estados Unidos e do estado de Nova York – não a Igreja Católica. Minha religião não pode exigir favoritismo quando cumpro meus deveres públicos”.

Como tanto Barrett quanto os democratas católicos da estirpe de Mario Cuomo dizem acreditar que há um limite entre sua fé e o cumprimento de suas responsabilidades cívicas, o que explica a oposição intensa e temerosa à indicação de Barrett para a Suprema Corte?

Uma possibilidade óbvia é o simples partidarismo. Outra é o anticatolicismo, representado pelo infame comentário da senadora Diane Feinstein do depoimento de Barret diante do Comitê de Justiça, em 2017. Ela disse que “o dogma ressoa alto dentro de você”. Mostrando-se tanto desinformada (ou talvez de má-fé) quanto preconceituosa, Feinstein disse ainda que Barrett era um “nome controverso, porque você tem um histórico de acreditar que sua fé deve prevalecer” sobre a lei. Barrett, claro, tem um histórico de argumentação que vai no sentido oposto.

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O preconceito anticatólico também se manifestou num recente artigo publicado no New York Times. “A indicação da juíza Barrett só renovou a atenção para um conflito fundamental que existe há séculos entre o catolicismo e o ethos norte-americano”, disse a autora (que se diz católica). Uma ressalva, contudo, é a de que esse antiamericanismo é atenuado pela “lógica partidária”, que “substituiu a primazia moral da fé. Isso significa que, para a maioria dos católicos, sua fé jamais entra em conflito com seus interesses cívicos”.

Ao que parece, pois, os únicos juízes católicos que não ameaçam o “ethos norte-americano” são os que acreditam que os ensinamentos da igreja quanto ao aborto não são muito sólidos ou cuja fé nunca entra em conflito com as crenças do Partido Democrata. Os democratas de hoje não têm dúvidas de que Barrett acredita no que a Igreja ensina. Eles não sabem é se ela é capaz, como diz, de cumprir a lei quando a lei entra em conflito com suas preferências religiosas. A dúvida deles nasce, sem dúvida, de uma projeção: eles sabem que seus juízes explícita ou implicitamente permitem que seus valores pessoais moldem suas interpretações da lei.

Ao contrário de Barrett e outros juízes conservadores, os juízes indicados pelos democratas acreditam numa Constituição “viva” e maleável. Eles acreditam que as leis devem ser “progressivamente elaboradas” e não devem ser lidas literalmente – ao contrário de Barrett, uma textualista convicta, que escreveu que “o princípio fundamental do textualismo (...) é a insistência de que os tribunais federais não podem contradizer a linguagem clara da lei, seja em prol da intenção do legislador ou no exercício de um poder judicial de tornar a lei mais justa”.

Aceitemos, talvez como uma questão de fé, que os democratas católicos pró-aborto se oponham à morte de fetos tanto quanto dizem – ainda que seja difícil não desconfiar que, se eles acreditassem que o aborto é um mal tão nocivo quanto a escravidão, eles o atacariam. O próprio Mario Cuomo não segue sua doutrina de separação entre a moralidade pública e privada. Ele era um devoto opositor da pena de morte e se deprimia com o apoio popular a isso. Ao longo de seu mandato, o US News mostrou que “Cuomo nunca abriu mão de sua postura contra a pena de morte. (...) Ele vetou 12 leis que teriam ressuscitado a pena de morte no estado – uma para cada ano de seu mandato”.

De qualquer forma, esses políticos se recusam a tentar proibir ou restringir o aborto não porque fazem objeção à “imposição” de suas posturas pessoais. Eles se recusam porque proteger o aborto é algo que se transformou numa questão de fé para seu partido político. Os democratas católicos de hoje, com seu discurso de “opinião-pessoal-mas”, não seguem os ensinamentos antiaborto de sua igreja – e temem juízes que talvez os sigam – por causa da crença na separação entre Igreja e Estado. Eles continuam soldados devotos de uma única igreja simplesmente trocando de igreja. Eles podem até frequentar as Missas aos domingos, mas quem lhes serve de bússola moral hoje é o Partido Democrata.

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John S. Rosenberg é escritor.

© 2020 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês
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