Jonathan Demme: entusiasmo e maestria em vários gêneros| Foto: Sarah L. Voisin/The Washington Post

“Se a história vale a pena ser contada, eu vou contar. E, possivelmente, as histórias de todas as pessoas valem a pena ser contadas”. Essa fala de Jonathan Demme é de uma entrevista feita há 10 anos, quando ele se preparava para receber uma homenagem do Simpósio Charles Guggenheim no Festival Silverdocs em Silver Spring, Maryland.

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Como um documentarista interessado desde na cultura do Haiti e na política do Oriente Médio até em música e espiritualidade, não há dúvidas de que Demme – que faleceu na quarta-feira (26) aos 73 anos – tivesse a energia, a curiosidade e o humanismo necessários para receber o legado de Guggenheim. Como um diretor que transitava regularmente entre os mundos dos documentários e dos filmes de narração, ele personificava as melhores características de ambos.

Para mim foi incrível fazer ficção com uma mão e não-ficção com a outra

Jonathan Demme
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“Para mim foi incrível fazer ficção com uma mão e não-ficção com a outra”, me disse Demme em 2007, “porque são disciplinas diferentes. Quando estou filmando realidade, eu tento fazer com que pareça divertida ou dramática, para conquistar o público. Quando estou fazendo um filme de ficção, tento fazer com que pareça o mais real possível. Então sinto que é uma mistura de referências muito saudável para mim”.

Para alguém que entrou no mercado cinematográfico trabalhando com Roger Corman, junto de figuras como Martin Scorsese, John Sayles, Francis Ford Coppola e James Cameron, Demme se diferenciou de seus colegas não só por suas conquistas artísticas, mas também pela abrangência e profundidade dos gêneros com os quais trabalhou. É difícil pensar em um diretor começando hoje que anseie por fazer filmes com uma voz, assunto e estilo tão diferentes – mas consistentemente bons – como “Melvin and Howard”, “Totalmente Selvagem”, “De caso com a máfia”, “Philadelphia” e “O casamento de Rachel”.

Você tem essa relação incrivelmente íntima (com os personagens). Em determinado ponto você se dá conta: eu o amo, eu a amo

Jonathan Demme sobre a filmagem de documentários

Os próprios filmes são tão difíceis de categorizar como a variada carreira de Demme. “Totalmente Selvagem” é uma comédia ou uma narrativa assustadora sobre o cativeiro? “Philadelphia” é um melodrama clássico ou uma polêmica atemporal? “O Silêncio dos Inocentes” é um thriller psicológico tenso ou um filme de horror? A resposta para todas essas perguntas é, claro, sim.

Demme ganhou o Oscar em 1992 por “O Silêncio dos Inocentes” (um dos muitos que o filme ganhou) que, apesar de inspirar uma tendência ao sadismo a filmes que poderiam ter sido suspenses sofisticados, se tornou até o dia de hoje o padrão de ouro do gênero. Mas ele fez também alguns dos melhores documentários de música de todos os tempos – como “Stop Making Sense”, documentário sobre a banda Talking Heads ou a trilogia de documentários sobre a vida e a obra de Neil Young.

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Depois do furacão Katrina, ele viajou para New Orleans para filmar as pessoas determinadas a voltar para suas casas mesmo sem ter ajuda das autoridades. Ele estava interessado principalmente em Carolyn Parker, que foi uma das últimas a sair de sua casa durante a tempestade – tanto que Demme afirmou que gostaria de filmá-la “pelo resto da minha vida”. Sobre a filmagem de documentários, ele disse: “você tem essa relação incrivelmente íntima (com os personagens). Em determinado ponto você se dá conta: eu o amo, eu a amo”.

Se eu tenho um talento – e acho que tenho, já que consegui fazer todos esses filmes – é o entusiasmo. Em tudo que faço, ele está lá. Tenho um grande entusiasmo pelo filme que tenho em mãos

Jonathan Demme

Esse amor – pelas pessoas, seus ambientes, suas lutas e a forma de arte que escolheu para retratá-las – era evidente em todos os filmes de Demme, ficção ou não-ficção. E, vale a pena notar, muitas das ficções filmadas por ele foram escritas por outras pessoas.

Em um tempo em que muitos diretores são ou controlados por estúdios ou autores independentes, Demme pode ter sido o último dos grandes diretores por encomenda, tão confortável com seus próprios filmes como com comédias estranhas e lindos dramas. Se o roteiro é o documento fundador de todos os filmes, Demme evidencia um talento especial constante de saber como executar um texto, começando pela escolha dos atores e da equipe técnica.

Se já é difícil reproduzir uma carreira tão variada como a de Demme em um mundo em que diretores são jogados em franquias limitantes e bolhas de gêneros, é mais difícil ainda imaginar seguir essa carreira do jeito que ele fez: fazendo filmes que ele mesmo gostaria de assistir.

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“Se eu tenho um talento – e acho que tenho, já que consegui fazer todos esses filmes – é o entusiasmo”, disse o diretor em 2007. “Em tudo que faço, ele está lá. Tenho um grande entusiasmo pelo filme que tenho em mãos”. E sua audiência era muito maior por conta disso.