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Entrevista

Sai Black Lives Matter e entra Jordan Peterson: o “melhor curso antirracista do mundo”

Chloé Valdary
A escritora e educadora Chloé Valdary: Jordan Peterson contra o racismo (Foto: Reprodução)

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Aos 27 anos, Chloé Valdary poderia ser mais uma das jovens ativistas negras que empunham a bandeira antirracista na América efervescente do Black Lives Matter, de Robin DiAngelo e - pelas bandas de cá - Djamila Ribeiro. Poderia ser a autora de mais um dos manuais ou treinamentos pró diversidade que, aos poucos, se tornam condição sine qua non para que empresas sejam bem avaliadas no mercado.

Na verdade, Valdary, que é formada em Relações Internacionais pela Universidade de Nova Orleans e especialista em resolução de conflitos, é, sim, autora de um curso antirracismo, que exibe a ousada propaganda de ser o “melhor do mundo”. “Procura por um curso que realmente lute contra a discriminação, ao invés de espalhar? Você veio ao lugar certo. Nós ensinamos amor e tolerância”, diz o anúncio no site.

“The Theory of Enchantment” já foi contratado por empresas de grande porte, como a startup WeWork, o TED Talks (onde a ativista já foi convidada para palestrar online, por conta da pandemia do coronavírus), a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos e até a gigante chinesa TikTok.

O projeto nasceu enquanto Chloé era bolsista do Wall Street Journal, pela Bartley Fellowship. “Eu procurava desenvolver uma estrutura para resolução de conflitos que fosse além de meramente ensinar a defesa ou o combate. Queria ensinar as pessoas a amar e, para isso, decidi estudar o que elas já amavam. Então, prestei atenção aos conteúdos mais conhecidos e valorizados da cultura pop e os utilizei para desenvolver um conjunto de princípios” explica Valdary à Gazeta do Povo.

Não por acaso, o “material didático” do curso conta com cenas de “Capitão América: Guerra Civil”, “O Rei Leão” e entrevistas do rapper Jay-Z. Valdary, aliás, é fã de carteirinha da cantora Beyoncé e engrossou o coro dos que celebraram o lançamento de Black Is King, no streaming da Disney (com lançamento previsto para novembro no Brasil).

Jordan Peterson

Sua análise da obra, entretanto, foi bastante inusitada: para a ativista, a obra não apenas remete à animação clássica à qual presta homenagem, mas pode ser apreciada à luz das ideias do psicólogo canadense Jordan Peterson, com seus arquétipos de masculinidade e feminilidade, e da “jornada do herói” do escritor Joseph Campbell. “A cultura pop torna as aulas saborosas e memoráveis. Além disso, nós consumimos estes produtos e histórias porque vemos nossas potências ali refletidas”, justifica.

Os “mandamentos” de “The Theory of Enchantment”, segundo Chloé, são simples: “trate as pessoas como seres humanos, não abstrações políticas; critique para elevar e capacitar, nunca para derrubar ou destruir; faça tudo com amor e compaixão”. Parece clichê, mas a ativista garante que funciona.

“Eu lecionei sobre isso por dois anos nos Estados Unidos, África do Sul e Europa, e recebi um feedback muito bom. Em 2018, decidi formar uma empresa e transformar esses três princípios em uma prática completa. Agora, oferecemos um treinamento seis semanas que usa habilidades sócio-emocionais, psicologia do desenvolvimento e treinamento L&D (aprendizado e desenvolvimento) para oferecer uma prática abrangente para empresas e consumidores”, explica Chloé.

Compaixão e empatia

Apesar das referências populares e da linguagem fácil, The Theory of Enchantment está ancorado em uma vasta bibliografia de estudos em psicologia e comportamento humano. “Sabemos que o racismo, ou outras ideologias supremacistas, são geralmente o resultado da ‘supercompensação’ de um senso de deficiência percebido pelas pessoas em suas próprias vidas; uma profunda insegurança”, explica Chloé.

“Por isso, o projeto está enraizado na aprendizagem socioemocional. O primeiro passo é ensinar nossos clientes a desenvolver um senso saudável de autovalorização para poder tratar os outros com compaixão e empatia. É um processo complexo, mas realmente leva a uma mudança transformadora”, completa a ativista.

Por conta disso, Valdary é uma crítica severa de conceitos como “lugar de fala” ou “fragilidade branca” - este último amplamente difundido pela escritora Robin Di Angelo, para quem os brancos “precisam parar de se colocar no centro da conversa”. Para Chloé, o requisito para conversar sobre racismo é um pouquinho mais simples: basta ser uma pessoa.

“O conceito de privilégio ou fragilidade branca é redutivo ao ponto da desumanização”, argumenta Valdary, à Gazeta do Povo. “Também suspeito que eles refletem uma armadilha cognitiva. Como seres humanos, temos dois sistemas de pensamento em nossos cérebros. como ensina Daniel Kahneman no livro 'Rápido e Devagar’. O primeiro sistema é automático, impulsivo e basicamente nos ajudou a sobreviver enquanto evoluímos na selva. Tivemos que fazer julgamentos precipitados para não sermos comidos ou destruídos por animais ou tribos em guerra”, explica.

“Agora, esse sistema frequentemente substitui nosso recém-adquirido sistema lógico e uma das maneiras de fazer isso é observando padrões que existem e criando histórias que explicam esses padrões, reforçando ideias pré-concebidas. Eis o conhecido viés de confirmação. ‘Privilégio branco’ é mais um dos exemplos de definição muito redutiva de privilégio e uma visão bastante simplista da condição humana”, defende Chloé.

Que ninguém pense, contudo, que a ativista não incentiva que casos de racismo, machismo ou qualquer tipo de discriminação seja denunciado e levado à justiça, dentro do cabível. Na primeira aula do curso, disponível no portal oficial, Valdary ensina que atitudes discriminatórias dentro do ambiente de trabalho devem, sim, chegar aos superiores.

Contudo, é essencial que os colegas de trabalho se esforcem para criar um clima de reparação, no qual a vítima seja restabelecida e o “agressor”, ao invés de humilhado, se sinta convidado a ser parte do grupo. “Uma pessoa não vai mudar de comportamento ou de valor se não se sentir valorizada”, afirma.

Chloé também deixa claras suas divergências de alguns figurões do universo conservador. Na última semana, por exemplo, se manifestou contra uma afirmação do comentarista Ben Shapiro, que disse que votará no presidente Donald Trump por estar “preocupado com a toxicidade nas urnas (…) expulsando do Partido Republicano minorias, mulheres e jovens”. Ressaltando que conhece Shapiro que sua crítica não é uma acusação de intolerância, a ativista afirmou que considera “imoral” reconhecer que “seu partido vem excluindo mulheres, negros e jovens e estar ok com isso”.

Na própria pele

Nascida e criada em Nova Orleans, em uma família cristã e com raízes judias (sua igreja “natal”, a Igreja de Deus Intercontinental, guarda os mesmos dias de festa e tradições do judaísmo), Chloé experimentou os efeitos do racismo. Em um artigo publicado pelo New York Times em 2017, a ativista conta que um professor universitário de antropologia presumiu que ela não deveria “seguir o mesmo padrão que os colegas brancos”. “Fui chamado de ‘escrava doméstica" por me levantar contra o antissemitismo. Fui chamada pela palavra que começa com N”, (nos Estados Unidos, o termo “nigga” é considerado extremamente pejorativo) relata.

No texto, Chloé conta que se revoltou quando, pela primeira vez, visitou uma exposição no Mississipi que contava a história da escravisão na América. “Meus pais me abraçaram e disseram que era OK sentir raiva. Eles me disseram que essa era uma parte de nosso passado que sempre deveríamos lembrar, mas que uma de suas muitas lições era ter certeza de tratar os outros da mesma forma - mesmo que eles não me tratassem da mesma forma. Muitas vezes as pessoas machucam porque já foram feridas”, conta.

Apesar das raízes religiosas, hoje, Chloé Valdary não professa nenhuma religião - mas diz que procura “viver como se o fizesse”. Em entrevista à podcaster Mikhaila Peterson, filha do famoso psicólogo canadense, resumiu a filosofia de seu curso e sua vida: "Não odiamos o pecador, mas o pecado. Esta é a base do cristianismo".

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