Depois do tumultuado verão de 1968, jornalistas, políticos e sociólogos gastaram palavras e dólares tentando encontrar e solucionar o problema fundamental que deu origem às manifestações raciais. Eles não conseguiram, mas com o tempo uma solução apareceu. O problema fundamental dos tumultos eram os baderneiros. A paz voltou às ruas depois que a polícia passou a adotar novas táticas de controle e depois que os procuradores investiram contra os marginais. A violência passou a ser considerada não uma característica da sociedade norte-americana, e sim um fracasso da polícia.
Ano passado, quando a política foi alvo de ataques por tentar controlar a violência dos antifas e do grupo Black Livres Matter, essa lição foi esquecida. Os jornalistas condenaram o gás lacrimogêneo e as prisões, defendendo que se resolvesse o “racismo sistêmico” supostamente responsável pela desordem. Depois da invasão do capítulo, em 6 de janeiro, algumas citaram a incapacidade da população de evitar a balbúrdia, mas novamente os jornalistas progressistas tinham outro foco. Eles haviam identificado a nova fonte da violência: a liberdade de expressão.
Eles celebraram o expurgo de conservadores e pediram mais censura à “retórica violenta” e à “desinformação”. É uma estratégia incrivelmente destrutiva para uma profissão que depende da liberdade de expressão, mas os jornalistas que hoje dominam as redações não pensam no longo prazo — e não se imaginam censores. A tradicional devoção progressista à Primeira Emenda parece irremediavelmente antiquada aos jovens progressistas convictos de que estão do lado certo da história.
Em 2019, quando escrevi sobre a nova antipatia que os jornalistas nutriam pela liberdade de expressão, já tinha achado ruim o fato de eles terem como alvo rivais dentro da profissão ao anunciarem boicotes e campanhas difamatórias que levaram jornalistas conservadores a serem demitidos e banidos das redes sociais. Desde a invasão do Capitólio, contudo, eles foram além da “desplataformização” dos hereges. Agora eles querem eliminar as plataformas em si.
Não bastava banir Donald Trump do Facebook e do Twitter se ele e seus seguidores podiam migrar para o Parler — então o Parler tinha que ser derrubado também. As Big Tech cederam à pressão da imprensa e de seus aliados democratas no Congresso. (O Google e a Apple retiraram o Parler das lojas de aplicativos e a Amazon tirou a rede social do ar). Essa supressão inédita da liberdade de expressão foi denunciada por publicações conservadoras e libertárias como o Wall Street Journal e o Reason, e por uns poucos jornalistas independentes como Glenn Greenwald, mas faltou a solidariedade contra a censura geralmente vista entre os jornalistas.
O Washington Post publicou em editorial que “o Parler merece ser derrubado”. O Guardian pediu ainda mais censura por meio de uma regulamentação federal que restringiria “danos virtuais”, promovendo “valores sociais como a verdade”. Na MSNBC e CNN, analistas pediam mais ação do governo — uma espécie de nova Comissão 9/11 para investigar a invasão do Capitólio — e mais censura empresarial.
O repórter Oliver Darcy, da CNN, pediu que empresas de telecomunicação como a AT&T, Verizon e Comcast deixassem de servir de plataforma para a disseminação de “mentiras” e “teorias da conspiração” por parte de canais conservadores como Fox News, Newsmax e One America News Network. No programa Reliable Sources, também da CNN, Brian Stelter mencionou medidas adicionais a serem tomadas para “conter a crise de informação”. Sem objetar, ele propôs uma solução citada por ex-executivo do Facebook: “Temos de tirar a capacidade dos influenciadores conservadores de alcançar grandes plateias”.
Uns poucos jornalistas consagrados expressaram reservas quanto à derrubada do Parler — o Los Angeles Times disse que a medida era “problemática”, embora “compreensível” — mas a maioria não se deu ao trabalho de assumir uma posição. A omissão deles foi observada pela fictícia Titania McGrath, a personagem satírica criada pelo humorista inglês Andrew Doyle. “Se você não gosta de nossas regras, crie sua própria plataforma”, tuitou ela. “Depois, quando a derrubarmos, basta criar outra. Depois que derrubarmos essa também, mas criar seu próprio oligopólio. Realmente não entendo a dificuldade”.
No curto prazo, o silêncio dos veículos conservadores beneficia jornalistas consagrados da mesma forma que a derrubada do Parler beneficia o Facebook e o Twitter: eliminando a concorrência. Mas o zelo censor não é apenas cinismo. Os jornalistas progressistas vivem numa bolha ideológica há tanto tempo que eles acabam por acreditar na gravidade da “ameaça direitista” — e eles ignoraram a hipocrisia clara.
Eles fingiram que as manifestações violentas que eclodiram em todo os Estados Unidos ano passado foram “protestos pacíficos”, enquanto a invasão do Capitólio foi uma “insurreição histórica” e uma “tentativa de golpe” que “pôs a democracia em perigo”. O simbolismo transformou a invasão do Capitólio num espetáculo horrível na televisão, mas os danos materiais e a perda de vidas foram muito menores do que os dos protestos violentos do ano passado, que contabilizaram ao menos 15 mortes e mais de US$2 bilhões em prejuízo.
Sim, a multidão que invadiu o Capitólio foi inflada por meio de mentiras e teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais, e alguns dos organizadores usaram as redes sociais — não só o Parler, mas também o Facebook e o Twitter — para motivar os manifestantes. Não por acaso, Joe Biden e outros democratas estão chamando isso de “A Grande Mentira”, prometendo lutar contra o “terrorismo doméstico” por meio de novas restrições às redes sociais. Os políticos sempre querem ter mais poder.
Mas por que qualquer jornalista sensato lhes daria apoio? A liberdade da profissão depende da Primeira Emenda, que lhes permite publicarem informações por mais equivocadas que sejam, e em decisões da Suprema Corte que protegem até aqueles que fazem apologia da violência. Foi essa liberdade que permitiu aos jornalistas passarem dois anos defendendo uma teoria da conspiração sobre um conluio com a Rússia, mentira que causou muito mais danos ao governo federal do que a invasão do Capitólio. Eles estimularam as manifestações do ano passado convencendo o público, apesar das provas em contrário, de que os negros estavam sendo mortos a taxas desproporcionais por policiais brancos.
Os defensores dessas mentiras supõem que não serão vítimas de censura enquanto os democratas dominarem Washington e o Vale do Silício, mas os precedentes darão aos republicanos motivo para revanche quando voltarem ao poder. O resultado será a censura bipartidária. É bem melhor deixar que a polícia e os tribunais lidem com os desordeiros — e que os norte-americanos permaneçam livres para dizer o que bem entendem.
John Tierney é editor do City Journal e colunista de ciência no New York Times.