O ex–governador José Alperovich, de 69 anos, um dos políticos mais influentes e ricos do norte da Argentina, foi condenado nesta terça-feira (18) a 16 anos de prisão por abuso sexual de sua sobrinha. O peronista, que governou mais de três vezes a província de Tucumán, tampouco poderá exercer cargos públicos.
Quem é Alperovich?
Alperovich é um contador público que começou a crescer dentro do peronismo até conseguir o cargo de Ministro da Economia da província de Tucumán durante a gestão de Julio Miranda (de 1999 a 2003). Em 2001, foi eleito Senador pelo Partido Justicialista (PJ), partido fundado em 1946 por Juan Domingo Perón, que elegeu mais de seis presidentes, entre eles Néstor Kirchner (2003), Cristina Fernández de Kirchner (2007, reeleita em 2011) e Alberto Fernández (2019).
Foi assim que em 2003, Alperovich foi eleito governador de Tucumán. Em 2007, ele conseguiu a reeleição com mais de 78% dos votos e se aderiu por completo ao kirchnerismo. Por sua vez, na mesma época, Beatriz Rojkés, sua esposa, tornou-se presidente provisória do Senado.
No entanto, o líder político não poderia buscar um terceiro mandato segundo a Constituição daquela província que estabelecia no máximo dois mandatos consecutivos para o cargo de governador, por isso se concentrou em uma reforma constitucional provincial que com uma ampla maioria no Legislativo de Tucumán e forte influência em seu Judiciário, conseguiu o terceiro mandato em 2011, administrando novamente a província do norte.
Em 2015, após acordos partidários, Alperovich voltou ao Legislativo como senador pelo PJ. Quatro anos depois, tentou concorrer novamente ao governo da sua província, no entanto não conseguiu a reeleição. Em meio a uma queda política, seu futuro pessoal tornou-se mais complexo quando foi acusado pela sobrinha de abuso sexual.
A denúncia
O debate oral e público contra o ex-governador de Tucumán iniciou-se em 5 de fevereiro. Alperovich foi julgado por nove crimes, entre eles tentativa de abuso, abuso simples e abuso agravado com acesso carnal, que teriam ocorrido entre 14 de dezembro de 2017 e 26 de março de 2018. Mais de 15 audiências foram realizadas com a participação de 70 testemunhas e peritos. Até o momento, o líder peronista permanecia em liberdade e tinha apenas a proibição de sair do país.
Alperovich sempre alegou ser inocência e acusou a vítima de mentir para destruir sua carreira política. “Este é um julgamento inventado, armado, onde vou demonstrar claramente que houve uma motivação econômica e política, disso não tenho dúvidas”, disse há uma semana o ex-governador.
Nesta terça-feira, Alperovich teve a oportunidade de dizer as suas últimas palavras perante o juiz antes do veredicto, mas recusou-se a fazê-lo. No início do julgamento ele havia insistido novamente em sua inocência e feito menção aos seus filhos e netos. “Sei que todos vão falar a mesma coisa, mas quero lhe dizer, senhor juiz, que tenho 68 anos, tenho 11 netos e 4 filhos. Eu quero a verdade porque isso me matou. Com todo o respeito que tenho pelo Poder Judiciário, quero a verdade e peço que preste atenção, senhor juiz, se puder, ou ao Ministério Público, a todas as provas”, solicitou.
Segundo a denúncia, o primeiro abuso sexual ocorreu na casa de Alperovich, em Buenos Aires, no final de 2017, pouco depois da sobrinha começar a trabalhar como assistente do então senador. A mesma situação teria se repetido em várias oportunidades, em Tucumán, durante o primeiro trimestre de 2018.
Com medo do tio, que tinha um enorme poder político e económico - com um património familiar que inclui mais de 60 propriedades, uma concessionária de automóveis e empresas de construção, agrícolas e financeiras - a vítima demorou mais de um ano para quebrar o silêncio sobre o inferno que havia passado. “Eu não queria que ele me beijasse. Mesmo assim ele o fez. Eu não queria que ele me tocasse. Mesmo assim ele o fez. Eu não queria que ele me penetrasse. Mesmo assim ele o fez”, contou a vítima na carta pública utilizada para denunciar o tio no final de 2019.
A carta pública trouxe à tona outras situações de assédio que várias mulheres sofreram com Alperovich e ele foi obrigado a se afastar do cargo de senador. A sua fachada começou a cair quando quatro antigos altos funcionários do seu governo foram condenados em 2019 por encobrir um caso de feminicídio ocorrido em 2006, quando ele ainda era governador.
Agora, com uma condenação de 16 anos, o juiz Juan Ramos Padilla ordenou que Alperovich fosse imediatamente preso e enviado para a prisão. Três das pessoas que testemunharam no julgamento também foram investigadas e condenadas por falso testemunho.
Kirchneristas votaram contra projeto que retirava benefícios de criminosos sexuais
Com esta nova condenação, Alperovich junta-se a um grande número de políticos kirchneristas que têm casos de abuso sexual, como o presidente da Câmara do município de La Matanza, Fernando Espinoza, ou o antigo candidato de Princípios e Valores, Ezequiel Guazzora.
O primeiro foi processado por um juiz por abuso sexual e desobediência, após uma denúncia apresentada por uma jovem que trabalhava sob suas ordens como secretária particular no município. O segundo, um jornalista kirchnerista que estava foragido havia 67 dias, foi preso pela Polícia Federal após ser acusado dos crimes de abuso sexual com acesso carnal e corrupção de menores.
Em novembro de 2016, vários legisladores da esquerda, em sua maioria do kirchnerismo - que terminaram integrando o governo de Alberto Fernández -, votaram contra o projeto de modificação da Lei 24.660 para que “os benefícios incluídos no período experimental não possam ser concedidos aos condenados” por crimes de abuso sexual, e do artigo 14 do Código Penal Nacional para que não possa ser concedida liberdade condicional a quem tenha cometido estes mesmos crimes.
“Vamos impedi-los de qualquer possibilidade de ressocialização, vamos impedi-los de visitar a família. Ou seja, vamos cortar a possibilidade de eles planejarem uma nova vida. Estamos removendo incentivos. Ele vai sair e cometer crimes novamente porque removemos todos os casos anteriores de libertações antecipadas e moderadas, com todos os controles que eles querem, etc”, argumentou Rodolfo Tailhade, deputado kirchnerista que votou contra o projeto.
No entanto, a tentativa do kirchnerismo de apoiar criminosos sexuais falhou e o projeto acabou sendo aprovado nas duas Câmaras, que finalmente foi sancionado como lei 27.375 em julho de 2017.