Um dos confortos de envelhecer é saber que algumas coisas nunca vão mudar.
Os fãs de esporte sempre discutirão sobre quem foi o melhor boxeador peso-pesado de todos os tempos (Muhammad Ali). Os fãs de cinema nunca concordarão sobre qual filme do Poderoso Chefão foi melhor, o primeiro ou o segundo (o primeiro). E as trombetas soarão para a Segunda Vinda antes que capitalistas e socialistas concordem se os nazistas eram “realmente socialistas”.
O último item sempre me intrigou, confesso, e não só porque a palavra está logo ali no nome: Nacional-Socialismo. Se você ler os discursos e conversas privadas da hierarquia nazista, fica claro que eles amavam o socialismo e desprezavam o individualismo e o capitalismo.
Em seu novo livro, "Hitler's National Socialism" (O Nacional Socialismo de Hitler), o historiador Rainer Zitelmann lança um olhar profundo nas ideias que moldaram homens como Hitler e Goebbels. Embora esteja claro que eles viam seu próprio tipo de socialismo como distinto do marxismo (mais sobre isso depois), não há dúvida de que viam o socialismo como o futuro e desprezavam o capitalismo burguês.
Considere, por exemplo, estas citações de Joseph Goebbels, o principal propagandista do Partido Nazista:
- “O socialismo é a ideologia do futuro.” — Carta a Ernst Graf von Reventlow conforme citado em 'Joseph Goebbels: Uma Biografia' (Editora Objetiva)
- “A burguesia tem que ceder à classe trabalhadora… O que estiver para cair deve ser empurrado. Somos todos soldados da revolução. Queremos a vitória dos trabalhadores sobre o lucro imundo. Isso é socialismo”. — citado em 'Doutor Goebbels: Vida e Morte' (Editora Madras)
- “Somos socialistas, porque vemos no socialismo, isto é, na fatídica dependência de todos os camaradas populares uns dos outros, a única possibilidade para a preservação de nossa genética racial e, assim, a reconquista de nossa liberdade política e para o rejuvenescimento do estado alemão. - “Por que somos socialistas?” texto no jornal Der Angriff (O Ataque, fundado por Goebbels em 1927), 16 de julho de 1928
- “Não somos uma instituição de caridade, mas um partido de socialistas revolucionários.” — Editorial do Der Angriff, 27 de maio de 1929
- “O capitalismo assume formas insuportáveis no momento em que os propósitos a que serve vão contra o interesse do povo em geral. Ela então procede das coisas e não das pessoas. O dinheiro é então o eixo em torno do qual tudo gira. É o inverso com o socialismo. A cosmovisão socialista começa com o povo e depois passa para as coisas. As coisas são subservientes ao povo; o socialista coloca o povo acima de tudo, e as coisas são apenas meios para um fim." — no texto "Capitalismo", Der Angriff, 15 de julho de 1929
- “Em 1918 havia apenas uma tarefa para o socialista alemão: manter as armas e defender o socialismo alemão.” — "Capitalismo", Der Angriff, 15 de julho de 1929
- “Ser socialista significa deixar o ego servir ao próximo, sacrificar-se pelo todo. Em seu sentido mais profundo, o socialismo é igual a serviço.” — notas de seu diário (1926)
- “As linhas do socialismo alemão são nítidas e nosso caminho é claro. Somos contra a burguesia política e pelo nacionalismo genuíno! Somos contra o marxismo, mas pelo verdadeiro socialismo!” — no panfleto nazista intitulado 'Por que somos nacionalistas'? (1932)
- “Somos socialistas porque vemos a questão social como uma questão de necessidade e justiça para a própria existência de um Estado para o nosso povo, não uma questão de piedade barata ou sentimentalismo insultante. O trabalhador tem direito a um padrão de vida que corresponda ao que ele produz” — no panfleto nazista intitulado 'Por que somos nacionalistas'? (1932)
- “A Inglaterra é uma democracia capitalista. A Alemanha é um estado popular socialista”. - 'Englands Schuld' (o discurso não é datado, mas provavelmente foi proferido em 1939)
- “Por sermos socialistas, sentimos as bênçãos mais profundas da nação e, por sermos nacionalistas, queremos promover a justiça socialista em uma nova Alemanha.” — 'Por que somos nacionalistas'? (1932)
- “O pecado do pensamento liberal foi ignorar as forças de construção nacional do socialismo, permitindo assim que suas energias fossem em direções antinacionais.” — 'Por que somos nacionalistas'? (1932)
- “Somos um partido dos trabalhadores porque vemos na próxima batalha entre finanças e trabalho o começo e o fim da estrutura do século XX. Estamos do lado do trabalho e contra as finanças(...) O valor do trabalho sob o socialismo será determinado por seu valor para o estado, para toda a comunidade.” – 'Por que somos nacionalistas'? (1932)
Essas citações representam apenas uma pequena amostra das visões e concepções de socialismo de Goebbels. Pode-se ver que, em muitos aspectos, o nazista falava muito como Karl Marx.
Frases como “nós somos um partido dos trabalhadores”, “o trabalhador tem direito a um padrão de vida que corresponda ao que ele produz”, “dinheiro… é o inverso com o socialismo” e “nós somos contra a burguesia política” poderia ser facilmente arrancado dos próprios discursos e escritos de Marx — mas é claro que Goebbels desprezava Marx e via seu tipo de “nacional-socialismo” como distinto do marxismo.
Então, o que diferencia o nacional-socialismo do marxismo? Existem duas diferenças primárias.
A primeira é que Hitler e Goebbels fundiram seu socialismo com raça e nacionalismo alemão, rejeitando o ethos internacional do marxismo — "trabalhadores do mundo, uni-vos!" — por um mais prático que enfatizava o movimento Völkischen da Alemanha.
Essa foi uma tática inteligente dos nazistas. Como apontou o economista ganhador do Prêmio Nobel F.A. Hayek, isso tornou o socialismo mais palatável para muitos alemães que não conseguiam ver o nazismo como ele realmente era.
“A tragédia suprema ainda não percebida é que na Alemanha foram em grande parte pessoas de boa vontade que, por suas políticas socialistas, prepararam o caminho para as forças que representam tudo o que detestam”, escreveu Hayek em 'O Caminho da Servidão' (1944). “Poucos reconhecem que a ascensão do fascismo… não foi uma reação contra as tendências socialistas do período anterior, mas uma consequência direta dessas tendências.”
A segunda diferença é que os nacional-socialistas estavam menos preocupados em controlar diretamente os meios de produção.
Em seu livro de 1940, 'German Economy', 1870-1940 [Economia Alemã, 1870-1940, sem edição em português], Gustav Stolper, um economista e jornalista austríaco-alemão, explicou que, embora o nacional-socialismo fosse anticapitalista desde o início, ele também estava em competição direta com o marxismo após a Primeira Guerra Mundial. Com isso, os nacional-socialistas decidiram “conquistar as massas” por três ângulos distintos.
“O primeiro ângulo era o princípio moral, o segundo o sistema financeiro, o terceiro a questão da propriedade. O princípio moral era "a comunidade antes do interesse próprio". A promessa financeira era "quebrar o cativeiro da escravidão dos interesses". O programa industrial era a “nacionalização de todos os grandes negócios”. Ao aceitar o princípio "a comunidade antes do interesse próprio", o nacional-socialismo simplesmente enfatiza seu antagonismo ao espírito de uma sociedade competitiva representada supostamente pelo capitalismo democrático(...) Mas para os nazistas esse princípio significa também a completa subordinação do indivíduo às exigências do Estado. E neste sentido o Nacional Socialismo é inquestionavelmente um sistema Socialista. . .”
Stolper, que fugiu da Alemanha para os Estados Unidos após a ascensão de Hitler ao poder, observou que os nazistas nunca iniciaram uma nacionalização generalizada da indústria, mas explicou que, de certa forma, essa era uma distinção sem diferença.
“A socialização de toda a maquinaria produtiva alemã, tanto agrícola quanto industrial, foi alcançada por métodos diferentes da expropriação, em uma extensão muito maior e em uma escala imensuravelmente mais abrangente do que os autores do programa do partido em 1920 provavelmente jamais imaginaram. Na verdade, não apenas as grandes corporações foram gradual mas rapidamente submetidas ao controle do governo na Alemanha, mas também todo tipo de atividade econômica, deixando não muito mais do que o título de propriedade privada."
Em seu livro de 1939, 'The Vampire Economy: Doing Business Under Fascism' [A Economia Vampira: Fazendo Negócios sob o Fascismo, sem edição em português], Guenter Reimann chegou a uma conclusão semelhante, observa o historiador econômico Richard Ebeling.
“… embora a maioria dos meios de produção não tenha sido nacionalizada, eles foram politizados e coletivizados sob uma intrincada rede de metas de planejamento nazista, regulamentação de preços e salários, regras e cotas de produção e limites e restrições estritos à ação e decisões dos que ficaram; nominalmente, os proprietários de empresas privadas em todo o país. Todo empresário alemão sabia que sua conduta era prescrita e posicionada dentro dos objetivos de planejamento mais amplos do regime nacional-socialista.”
O registro histórico é claro: o fascismo europeu era simplesmente um tom diferente de socialismo, o que ajuda a explicar, como observou Hayek, por que tantos fascistas eram “ex” socialistas – “de Mussolini para baixo (e incluindo Laval e Vidkun Quisling)”.
Como Marx, os nazistas detestavam o capitalismo e viam a vontade individual e os direitos individuais como subordinados aos interesses do Estado. Não deveria ser surpresa que esses diferentes tons de socialismo alcançassem resultados tão semelhantes: pobreza e miséria.
Os socialistas continuarão a argumentar que o nazismo não era o socialismo “real”, mas as palavras do infame ministro da propaganda nazista sugerem o contrário.