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Em sua primeira exibição, Farhad vendeu fotos e desenhos autorais para ajudar um menino de Belgrado que estava se recuperando, após remover um tumor cerebral | MARKO RISOVIC/
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Em sua primeira exibição, Farhad vendeu fotos e desenhos autorais para ajudar um menino de Belgrado que estava se recuperando, após remover um tumor cerebral| Foto: MARKO RISOVIC/ NYT

Em um centro de refugiados humilde, nos arredores de Belgrado, um artista afegão apelidado de Pequeno Picasso passa os dias desenhando e sonhando enquanto vive em uma espécie de limbo, aparentemente imune à sensação cada vez mais profunda de desespero e de falta de esperança ao seu redor. 

Farhad Nouri, um garoto de dez anos que vive com os pais e dois irmãos mais novos em um pequeno cômodo das antigas barracas militares iugoslavas que abrigam mais de 600 migrantes e refugiados, já foi celebrado na Sérvia e em outros lugares. Os fãs falam de sua habilidade artística extraordinária. No começo de agosto, fez sua primeira exposição organizada pela Fundação dos Refugiados, um grupo com base em Belgrado. 

Mas a história do garoto, inteligente e magro, é mais do que um ponto inesperado brilhando em meio a circunstâncias sombrias; ele joga luz sobre as pessoas esquecidas que procuram abrigo e sugere um potencial perdido incalculável entre os migrantes mantidos ao longo da rota dos Bálcãs para a Europa Ocidental. 

Potencial

"Farhad é um exemplo marcante de todo o talento e potencial humano que está sendo desperdiçado entre as milhares de pessoas mantidas nesses lugares", afirma Elinor Raikes, diretora regional europeia do Comitê Internacional de Resgate. 

"É impossível calcular o quanto o fato de não ter controle nem poder sobre seu próprio futuro afetará seu bem estar psicológico", diz ela. 

Os Nouri estão entre os 4.700 requerentes de asilo que, segundo estimativas do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, vivem hoje na Sérvia, cujo governo os trata, em geral, como residentes temporários. 

Enquanto Farhad e sua família aguardam para traçar seu futuro em outro país – talvez a Alemanha, a Suíça ou a Suécia, de acordo com seu pai – passam os dias em meio a um turbilhão de publicidade na Sérvia. 

A primeira exibição de Farhad foi em um café em Belgrado. Ele vendeu fotos que tirou e 20 cópias de seus desenhos, arrecadando 34 mil dinares, ou cerca de US$335, para Nemanja Damcevic, um menino de Belgrado que estava se recuperando depois de remover um tumor cerebral. Também vendeu 11 de 12 desenhos originais e conseguiu US$735 para a própria família. 

A artista pop Svetlana Raznatovic, cujo nome artístico é Ceca, visitou Farhad no centro onde ele mora para comprar sua arte. Na primavera, ele ficou amigo do ator americano Mandy Patinkin. 

Em 16 de agosto, o garoto e sua família foram convidados a visitar o presidente da Sérvia, Aleksandar Vicic. Farhad deu a Vucic um retrato estilizado emoldurado que havia feito do presidente. Ele, em troca, ofereceu a cidadania sérvia à família de Farhad, se eles escolhessem ficar no país. 

"Se vocês acharem que o futuro está aqui na Sérvia, podem se considerar bem-vindos em nosso país", disse Vucic ao garoto em frente a uma dúzia de jornalistas. 

Farhad, falando em um sérvio lento e cuidadoso, agradeceu à nação por ajudar sua família. "Eu quero morar na Sérvia. Nós nos sentimos bem aqui", afirmou. 

Trajetória

Farhad nasceu em Isfahan, no Irã. Seu pai, Hakim Nouri, de 33 anos, era adolescente quando fugiu de Herat, no Afeganistão, depois que o Talibã tomou o controle do local, mas a família deixou o Irã, dois anos atrás, por causa da crescente pressão contra os afegãos feita pelo governo iraniano. 

A família viajou pela Turquia e pela Grécia, onde Farhad fez aulas de desenho em um centro de refugiados. Uma mulher suíça que estava por ali ficou tão encantada com sua arte que ajudou financeiramentea família do menino, contam os Nouri. 

Eles chegaram à Sérvia em dezembro, e Farhad começou a frequentar a escola. O menino diz que tem amigos sérvios e que nunca foi maltratado aqui por ser afegão. "Era muito pior para nós no Irã", afirma. 

Em uma recente visita ao cômodo que a família ocupa no centro de refugiados, Farhad estava sorrindo, brincalhão e curioso, sentado ao lado do pai em uma cama. Nouri, que é rebocador, disse que a família se sentia confortável na Sérvia e feliz com a educação e os serviços para as crianças, mas afirmou que o futuro da família estava em outro lugar: a Europa Ocidental. 

Farhad, muito jovem para entender a profunda ansiedade de seus pais, contradisse o pai. "É um erro. Queremos ficar na Sérvia", falou de maneira provocadora. “Por quê? Porque o presidente da Sérvia me convidou para ficar, e eu não quero dizer não a ele", falou com um sorriso. 

Crise

No entanto, não há muitas opções boas, de longo prazo, mesmo para aqueles que escolhem uma vida na Sérvia: dos 1.857 pedidos de asilo submetidos desde 2013, apenas 83 foram aceitos ou receberam outra forma de status protegido. E com as opções legais para cruzar as fronteiras bastante restritas nos últimos dois anos, muitos migrantes se arriscam a sofrer violências e roubos ao pedirem ajuda a traficantes e contrabandistas de pessoas. 

Segundo defensores, o governo sérvio melhorou muito sua habilidade de suprir as necessidades básicas dos migrantes. Em 2015, o país tinha cinco centros de refugiados com capacidade para abrigar 800 pessoas; agora possui 18 centros com capacidade para seis mil. A mudança institucional no trato com os migrantes como mais do que moradores temporários, entretanto, apenas começou. 

"Essa crise se tornou prolongada e crônica, agora é hora de olhar para as necessidades secundárias, colocar mais crianças nas escolas, apoiar os adultos em capacitações, atividades de educação informal e preparação para o trabalho", explica Raikes, do Comitê Internacional de Regate. 

A incerteza enfrentada pelos migrantes cria um estresse enorme nos refugiados, entre eles a mãe de Farhad. 

"É cansativo e deprimente. Mesmo depois de oito meses na Sérvia, ainda sentimos que estamos viajando e correndo perigo. Estamos muito nervosos, cansados dessa vida", conta Jamila Nouri, de 27 anos. 

Mas Farhad não demonstra muitos sinais das provações pelas quais sua família vem passando. Ele diz que quer aprender animação. "Não acho que estou esperando. Estou apenas pensando no futuro da minha família", explica.

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