Debates recentes sobre o conservadorismo tentam entender como ele pode atrair os jovens. Esses debates necessariamente enfatizam o papel liberador do capitalismo — numa referência ao empreendedorismo social inerente aos jovens e seu desejo por enriquecer materialmente — mas acho que eles têm se equivocado de duas formas. Primeiro, vivemos num mundo definido pelo pós-materialismo, focado nos laços espirituais e de comunidade, e por isso o enriquecimento material não pode ser a única motivação para se votar ou agir como conservador. Em segundo lugar, o conservadorismo já atrai cada vez mais os jovens. E o objetivo deste texto é explicar por quê.
O ensaio “The Communitarian Critique of Liberalism” [A crítica comunal do liberalismo], de Michael Walzer, traça um diagnóstico dos lugares onde o liberalismo político foi incapaz de inspirar qualquer forma de lealdade. Afinal, se o sistema ao qual você pertence não é leal a você, por que você seria leal a ele? Se você entra para um clube, espera ter certos privilégios e benefícios – e, se você é membro antigo do clube, espera certo grau de reconhecimento para além do que é dado aos demais membros que, com o tempo, talvez venham a merecer o mesmo reconhecimento.
O dr. Walzer expõe quatro motivos bastante convincentes e sistemáticos para o porquê de as pessoas considerarem o liberalismo político profundamente insatisfatório. É analisando os quatro motivos, contudo, que acho que podemos começar a entender por que o conservadorismo está começando a atrair os jovens — um público geralmente associado ao esquerdismo progressista. Afinal, “se você não é progressista antes dos trinta anos, você não tem coração”. O dr. Walzer, claro, escrevia numa época e lugar diferentes – os Estados Unidos dos anos 1980, quando a liberalização econômica (necessária) do livre mercado substituíra as relações tradicionais de lealdade pela hipermobilidade, a falta de raízes e o individualismo raso. Enquanto no Reino Unido o projeto thatcherista enfatizava o papel da família, do voluntarismo e as virtudes da associação cívica, a dependência exagerada do individualismo no capitalismo norte-americano rompeu os laços entre as pessoas e seus lares.
No Reino Unido, conseguimos evitar isso — pelo menos boa parte disso. Mas desde os anos da administração de Tony Blair e da destruição de todas as instituições exceto o mercado — tendência que o Partido Conservador não parece disposto a reverter — os jovens se veem cada vez mais sem uma sensação de pertencimento, como se a sua única lealdade fosse para consigo mesmo e suas ambições. Além de ser uma inverdade objetiva, isso tampouco satisfaz. Isso nos deixa com uma sensação profunda de ansiedade, um desejo de encontrar um lugar que possamos chamar de nosso — e é justamente isso o que o conservadorismo tem a oferecer, não a resposta, e sim um caminho até a resposta. Como um jovem que conclui um ano no exterior e volta para a segurança de sua vida anterior, os jovens deste país finalmente estão voltando para casa. E isso fica mais claro quando analisamos as “Quatro mobilidades” do dr. Walzer.
Mobilidade geográfica
A primeira mobilidade do dr. Walzer, o motivo para a perda da identidade, era a da “mobilidade geográfica”. “Os norte-americanos aparentemente se mudam mais do que qualquer outro povo na história. (...) Todos mudamos muito, mas não somos refugiados, e sim migrantes voluntários. A sensação de pertencimento a um lugar é enfraquecido por essa sensação de mobilidade geográfica”. O que seria para os Estados Unidos ontem serve para a Inglaterra de hoje – os jovens mudam de escola várias vezes ao longo da vida, em geral quando saem do primário para o secundário ou para a faculdade, o que significa que, entre os sete e dezessete anos, a maioria dos jovens terá mudado de instituição educacional três vezes. E daí há a Universidade, um grande fator de mobilidade geográfica, levando em conta que 40% dos jovens hoje frequentam uma universidade numa cidade diferente daquela em que eles foram criados (se é que foram criados em apenas uma cidade). Isso, por sua vez, significa a vida como graduado e, portanto, com as várias mudanças de carreira na vida do jovem até os 30 anos, se tornou um fator ainda mais relevante. Tudo isso, sem levar em conta o fato de que os pais de muitos jovens se divorciam, trocam de emprego ou de carreira e se mudam para outros lugares, o que agrava a sensação de perda geográfica consideravelmente. Não é de se admirar, pois, que os jovens não se sintam apegados a um lugar específico.
Mas o conservadorismo pode ser uma solução para isso. Primeiro, o conservadorismo é, em vários sentidos, uma filosofia do pertencimento. Num nível macro, o conservadorismo apela à nação como lar comum, um receptáculo de cultura, idioma, costumes, tradições e todos os vestígios da identidade fomentada por gerações de histórias compartilhadas, todas ditadas — sobretudo no Reino Unido e ainda mais na Inglaterra — pela necessidade geográfica. Assim, embora possamos sentir que nossa vida é uma colisão aleatória de átomos, é o reconhecimento do país e do nosso lar como um lugar de pertencimento o que propicia uma solução à mobilidade geográfica. O fato é que um morador da Cornualha pode viajar para York, Coventry ou Anglesey e ainda assim se sentir em casa.
No cenário reduzido, o conservadorismo também oferece uma solução. A ênfase dada aos “pequenos pelotões” do mundo de Edmund Burke, as “associações cívicas” de Michael Oakeshott e a “primeira pessoa do plural” de Roger Scruton são todas formas de encontrar nosso lugar no mundo encontrando nosso lugar na companhia uns dos outros. Ao entrarmos para clubes locais, fundando nossas próprias sociedades, fazendo campanhas de caridade, rezando em igrejas, sinagogas e mesquitas — tudo isso nos dá uma sensação de pertencimento, reforçando que a comunidade é que nos confere uma identidade.
E, num nível menos espiritual e mais material, é por isso que os conservadores dão tanta ênfase à propriedade privada. É esse o motivo por trás da “democracia da propriedade privada” de Thatcher e da pressão cada vez maior do governo conservador de hoje pela propriedade do lar em oposição ao aluguel social dado pelo Estado. É no lar que nós, enquanto indivíduos — e depois famílias — podemos fisicamente marcar presença no mundo, delimitando um território livre da interferência estatal. Como Roger Scruton certa vez poeticamente disse, se sou dono de uma casa, posso não só isolar o mundo que me desagrada, mas também posso convidar a entrar o mundo que me agrada. Se uma sociedade é construída com base em todos tendo um lugar seu, isso necessariamente levará a uma sociedade que somos capazes de compartilhar.
Mobilidade social
A segunda mobilidade citada pelo dr. Walzer é a “mobilidade social”, embora a ênfase não seja dada ao sentido comum do termo. O dr. Walzer prefere enfatizar o papel da educação na perda de identidade, dizendo que “cada vez menos norte-americanos estão na mesma posição de seus pais” e que “a transmissão de valores e costumes é, na melhor das hipóteses, incerta”. E embora o dr. Walzer seja vago em relação a isso, o sistema educacional inglês se afasta da busca pelo entendimento do país, dando aos jovens um conhecimento prejudicial à situação dos pais deles. Claro que o aumento nas taxas de alfabetização é ótimo, mas, enquanto meus pais sabiam como pastorear ovelhas e cultivas legumes, eu sei escrever ensaios e longos artigos sobre o conservadorismo. As crianças costumavam seguir a profissão dos pais, mas a erradicação da necessidade de certas atividades (agricultura, manufatura, alfaiataria, etc) e o surgimento de novas indústrias – combinados com a educação – significam que os laços sociais estão desaparecendo.
Como o conservadorismo enfrenta esse problema? Há dois pontos que vale a pena destacar: primeiro, a vida familiar é a parte mais importante da sociedade. Sua família abdica de tudo, até certo ponto, e orienta você ao longo de toda a sua vida. Talvez eu pareça um tanto quanto amargurado quanto às minhas habilidades, que são diferentes das dos meus pais, mas — deixando de lado os talentos naturais — foi graças ao sonho e trabalho duro dos meus pais que entrei para a escola e fui até a faculdade. Só podemos ser produtos de nossos pais, porque é o amor e a orientação deles que nos expõem às várias influências que inevitavelmente compartilhamos.
O segundo ponto é a tradição. Quando você percebe que a tradição não é uma corrente criada para mantê-lo preso, e sim um caminho já trilhado em meio a um mundo traiçoeiro, você se reconcilia com ela. Reconhecer que a tradição é uma forma de conhecimento social – de respostas duradouras para questões há muito esquecidas — faz com que você perceba seu valor e a importância de ouvir a voz das gerações passadas.
Mobilidade marital
Depois disso, o dr. Walzer sugere um terceiro fator para a perda da identidade social: a “mobilidade marital”. Para o dr. Walzer, ainda que as outras duas mobilidades anteriores tenham contribuído para o colapso da família, é o colapso da família em si o que mais contribui para a perda da identidade social. “Como o lar é a primeira comunidade e a primeira escola de identidade étnica e convicção religiosa, esse tipo de colapso tem consequências para além das comunidades”. Isso se reflete muito nas circunstâncias inglesas: as taxas de divórcio continuam altas e os direitos maritais são poucos. A família, como mencionado acima, forma a base da sociedade, mas já não funciona como uma forma sólida de identidade social. Isso não quer dizer que os filhos de lares desfeitos não sejam membros produtivos da sociedade, mas eles serão privados de uma fonte tradicional de identidade.
Como antes, a família é mais uma vez enfatizada, mas dessa vez o ônus está nas crianças. Temos de ser realistas — se os pais não querem ficar juntos e eles não se acham mais capazes de cumprir seus deveres e obrigações uns para com os outros, é impossível obrigá-los a permanecerem juntos. Mas os filhos podem assumir para si a responsabilidade por reforçar os laços familiares ajudando os pais quando possível. Quando perceberem o valor da família — e acho que ele já está entranhado na vida britânica — os jovens invariavelmente quererão construir sua própria unidade familiar na qual possam transmitir suas tradições. E isso já está acontecendo — a ideia de que a Geração Z (a geração à qual pertenço) é a “mais conservadora” desde a Segunda Guerra Mundial em assuntos como casamento entre pessoas do mesmo sexo sugere um desejo de retorno aos conceitos familiares tradicionais.
Mobilidade política
A última mobilidade citada pelo dr. Walzer enfatiza a “instabilidade institucional” gerada por um declínio na identidade criada pelas três mobilidades anteriores à medida que a lealdade aos antigos laços que tradicionalmente definiam o comportamento eleitoral (família, comunidade, tradição, classe, etc.) também entram em declínio. A consequência disso é que as velhas instituições de autoridade (Igreja, associações locais, sindicatos, Monarquia, Parlamento e assim por diante) acabaram prejudicadas e hoje não oferecem nenhum bastião de identidade ao redor do qual se possa basear o dever sócio-político. Em vez disso, os interesses egoístas agem para influenciar as decisões que as associações e autoridades tomam.
É neste ponto que o conservadorismo mais atrai os jovens. A perda de identidade e o declínio de instituições claras e sólidas são solucionados pela submissão a autoridades históricas que propiciam uma forma de compreender o dever social e, por sua vez, nos confere uma identidade em relação ao restante da sociedade. Um texto publicado no jornal Telegraph recentemente mostrava a influência das instituições na identidade social, dizendo que visitas a igrejas inspiravam jovens a se converterem ao cristianismo e a reafirmarem sua fé com a comunhão regular. Vale questionar se é só coincidência o fato de o interesse em instituições sociais inspirado pela arquitetura tem a ver com o ressurgimento do classicismo arquitetônico.
Conclusão
Por fim, vale a pena refletir sobre a teoria do esquerdismo contemporâneo de Roger Scruton, que o considera uma “cultura do repúdio” que gira em torno do conceito da oikofobia, uma rejeição aos velhos símbolos do lar. Em reação a isso, o conservadorismo deve se tornar uma filosofia de oikofilia, uma forma de ajudar as pessoas a encontrarem seu lugar – física, espiritual, política e socialmente — num mundo de outra forma hostil. À medida que nós, jovens, nos encontramos num mundo cada vez mais estranho, o conservadorismo deve se transformar na filosofia da volta para casa.
Jake Scott é mestrando em teoria política na Universidade de Birmingham e editor da publicação conservadora The Mallard.
© 2020 Imaginative Conservative. Publicado com permissão. Original em inglês
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