Na noite de 19 de outubro de 2012, oito entre dez televisores ligados no Brasil transmitiam o final feliz reservado ao gari Adauto, que sonhava ser jogador de futebol e concluiu sua trajetória como craque do Divino Futebol Clube. Encerrava-se, assim, o arco do carismático personagem que rendeu ao ator Juliano Cazarré o ingresso definitivo no hall da fama tupiniquim, por sua participação na novela mais popular das últimas décadas: “Avenida Brasil”.
Doze anos após a primeira exibição do folhetim indicado ao Emmy Internacional e traduzido para mais de 100 países, o nome de Juliano Cazarré continua a figurar em grandes sucessos da rede Globo — o ator deu vida ao capataz Alcides, na regravação de “Pantanal” em 2022, e integrou o elenco de “Fuzuê”, no horário das sete, até março deste ano — e nas manchetes de sites de fofoca, mas por motivos diferentes. Há cerca de um mês, o ator foi criticado por declarar seu apoio ao PL 1904, que equipara o aborto após as 22 semanas de gestação a homicídio.
“Todo aborto é o assassinato de um inocente. Então, mesmo nos casos mais extremos, como, por exemplo, um estupro, o assassinato da criança não apaga o crime, não vai fazer com que aquele trauma vá embora, e é, na maioria das vezes, mais um trauma na vida de uma mulher já traumatizada. Quem não quiser o filho, pode entregar para adoção”, defendeu o ator em seu Instagram, levando centenas de usuários a questionar se ele próprio não estaria disposto a adotar uma criança.
Família numerosa
Ocorre que a família de Juliano Cazarré também está sempre sob os holofotes. Nascido em Pelotas, no Rio Grande do Sul, e criado em Brasília, o ator vive no Rio de Janeiro com a esposa, Letícia Cazarré, e é pai de seis filhos: Vicente (14 anos), Inácio (11), Gaspar (cinco), Maria Madalena (três), Maria Guilhermina (dois) e Estêvão, de quatro meses. Frequentemente questionados acerca da decisão por formar uma família numerosa, Juliano e Letícia enfatizam o preceito da “abertura à vida” que integra a fé católica, à qual professam publicamente.
A conversão do casal ao catolicismo é recente: em entrevistas, Juliano revelou ter se afastado por completo da fé pouco depois de receber a primeira comunhão. "Recebi a educação secular brasileira, que debocha da religião. Na faculdade de teatro, era pior ainda. Os crentes passavam maus bocados lá", contou o ator, formado na Universidade de Brasília. Depois de um período de crise pessoal, durante o qual quase perdeu o casamento com Letícia (os dois estão juntos há 14 anos), Juliano encontrou consolo na fé. "Em uma noite que estava sozinho, liguei para um amigo evangélico e falei 'irmão, sinto que meu coração vai rasgar'. Ele foi até minha casa e rezou comigo a noite inteira. Senti que Cristo estava segurando o meu coração".
O aborto é coroar de fracassos uma tragédia. Dizer sim à vida pode ser o início de uma coisa gloriosa
Juliano Cazarré, ator
Meses depois, Cazarré foi convidado a interpretar Jesus Cristo na tradicional encenação da Paixão de Cristo do teatro de Nova Jerusalém, no Recife. "Comecei a ler os Evangelhos para me preparar. Em Brasília, depois dos primeiros ensaios, ouvi os sinos de uma igreja e senti vontade de ir à missa. Voltei para o Rio, assisti e perguntei se havia confissão. Confessei minha vida inteira para o padre e ele disse: 'a gente estava rezando por você o tempo todo, que bom que você voltou'".
Desde então, o envolvimento do ator com o universo religioso se intensificou: Juliano integra a equipe nacional do Hallow App, aplicativo de oração e meditação católico que nos Estados Unidos tem por garoto-propaganda o ator Jonathan Roumie (que interpreta Jesus Cristo na série “The Chosen”).
"Pauladas" e cancelamentos
Junto com a esposa, também é dono de uma livraria online na qual figuram livros de apologética e devoção católica, bem como obras de ficção, de filosofia, política, educação, entre outros. Em março deste ano, finalizou a direção da série “Brasil de Todos os Santos”, exibida no streaming católico Lumine. Trata-se, afinal, de uma postura incomum no meio artístico mainstream. "Eu levo umas pauladas de vez em quando", disse em entrevista à apresentadora Ana Maria Braga.
Sua jornada de “cancelamentos” teve início em 2019, quando Cazarré publicou em seu Instagram a imagem de um gorila cuidando dos filhotes e começou a defender a presença ativa dos homens na família adotando, à época, o bordão “Gorile-se”. "Quase todos os cancelamentos que sofri nos últimos anos foram por falar que criança precisa de pai. Porque a imagem da masculinidade hoje é tão tosca, qualquer coisa é masculinidade 'tóxica'. Quando eu falo que criança precisa de pai, essa turma que já teve a mente roubada pela ideologia entende que estou falando mal da mãe. Eu estou falando mal do cara que abandona a família", afirmou.
Durante a pandemia, novos “cancelamentos” surgiram porque o ator expressou resistência à vacinação contra a Covid-19, mas acabou se vacinando após consultar médicos e a alta cúpula da Rede Globo, que exigia de seus funcionários o esquema vacinal completo de três doses.
Por conta de seus posicionamentos, Cazarré passou a ser associado ao ex-presidente Jair Bolsonaro. “Isso é uma coisa engraçada, desde o último governo do PT parei de falar de política. Já no governo Temer não falei de política, durante todos os quatro anos do governo Bolsonaro jamais falei de política, muito menos citando o nome dele. Agora, claro, as pessoas me veem como um homem católico, um religioso, e isso já me coloca no grupo", respondeu o ator em entrevista à VEJA no ano passado. “O que me incomoda é o termo bolsonarista ser usado no espectro conservador. Muita gente está na direita e não é bolsonarista, não tem nenhuma admiração pessoal ou idolatria pela pessoa do ex-presidente”.
Reiterando que prefere ser reconhecido apenas como “católico”, Cazarré descreveu sua compreensão do conservadorismo. "O conservador é uma pessoa que preza pela prudência. Ele entende que a sociedade pode melhorar, e ele quer que a sociedade melhore, mas quer que isso aconteça de uma forma paulatina". A respeito de suas posições tão avessas à agenda global, ainda em 2022, em resposta a um fã que lhe perguntou via Instagram "como é trabalhar na Globo não tendo um viés ideológico esquerdista?", o ator defendeu a emissora. "Tem muita gente legal por lá, a batalha de uma pessoa saudável não é a luta política, é dar sentido maior para a vida. Pessoas legais não conversam de política o tempo todo".
"A batalha de uma pessoa saudável não é a luta política, é dar sentido maior para a vida"
Juliano Cazarré
De fato, em suas redes sociais, Cazarré está longe de “falar de política o tempo todo”: salvo pela defesa do PL, que lhe rendeu xingamentos da parte de colegas famosos como José de Abreu e Ana Maria Braga, o artista conduz terços e outras orações, exibe seus projetos e parte de sua vida familiar. Há dois anos, ele e a esposa revezam em uma rotina de cuidados especialmente intensa desde a chegada de Maria Guilhermina, portadora de uma doença congênita rara no coração.
Em meio à celeuma envolvendo o projeto de lei, alguns usuários insinuaram que Juliano e Letícia seriam “incapazes” de acolher filhos adotivos; outros repreenderam o casal por ter tantos filhos, inclusive com discursos de ódio em alusão à deficiência da pequena Guilhermina.
Em resposta às críticas, Cazarré contou, pela primeira vez, que seu primogênito Vicente não é seu filho biológico, mas fruto de uma relação abusiva vivida pela esposa. “Quando eu encontrei a Letícia, ela estava grávida de cinco meses. O cara sugeriu o aborto e eu entrei com todos os processos legais para que o Vicente fosse meu filho. Ele conhece essa história e, um dia, se quiser, poderá conhecer o pai biológico. Mas o Vicente só vai ter essa oportunidade porque nasceu. Por mais desesperadora que seja a situação, a gente não sabe o futuro. O aborto é coroar de fracassos uma tragédia. Dizer sim à vida pode ser o início de uma coisa gloriosa"
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