“Você quer virar menino?” Keira Bell conta que essa foi a pergunta que sua mãe lhe fez aos 14 anos. Ela sempre foi uma menina-moleque e nasceu num lar desfeito. Ao chegar à puberdade, ela sofreu, assim como muitas meninas sofrem, com as mudanças e a dor física mensal. Depois de ouvir a pergunta mais de uma vez, ela pensou que talvez aquela podia ser a solução.
Depois, médicos a puseram ainda mais na direção dos bloqueadores de puberdade. Num texto recente publicado no site Persuasion, ela conta:
“A ideia era a de que isso [os bloqueadores de puberdade] me dariam um tempo para pensar se queria continuar com a transição de gênero. Essa ‘pausa’ me pôs numa espécie de menopausa, com calorões, suores noturnos e pensamento nublados. Era ainda mais difícil pensar no que eu queria fazer”.
Depois de um ano, quando lhe deram a opção de começar o tratamento com testosterona, ela concordou de pronto, dizendo:
“Queria me sentir como um jovem homem, não como uma mulher velha. Estava ansiosa pelas aplicações e pelas mudanças que elas causariam. No começo, a testosterona me deu confiança. Um dos primeiros efeitos foi que minha voz engrossou, o que fez com que eu me sentisse poderosa.
Nos dois anos seguintes, minha voz ficou ainda mais grossa, ganhei barba, minha gordura corporal foi redistribuída. Eu continuava a usar uma faixa para esconder meus seios todos os ias, ainda mais agora que estava virando um homem, mas ela causava dor e dificuldades para respirar. Aos 20 anos, comecei a me tratar numa clínica para adultos. A testosterona e a faixa afetavam a aparência dos meus seios e eu passei a odiá-los ainda mais. Queria que meu corpo combinasse com meu rosto, assim consegui recomendação para uma mastectomia. (...) Eu era legalmente adulta quando me submeti à cirurgia, e não me eximo da responsabilidade. Mas entrei para o caminho dos bloqueadores, da testosterona e da cirurgia quando era uma adolescente problemática. Como resultado da cirurgia, não tenho mais a sensibilidade que tinha. Se um dia eu puder ter filhos, jamais poderei amamentá-los”.
Sinto muito, mas ela não tem responsabilidade alguma. Isso é violência contra uma criança, assim como boa parte do que lhe aconteceu na adolescência. Ela mesma diz que era uma adolescente confusa. Ela não entendia o que estava acontecendo com seu corpo e se sentia sozinha. Bell se descreve como uma menina-moleca e, quando chegou à puberdade, isso causou um problema com os meninos com os quais ela se dava bem antes. Ela também se sentia atraída por meninas. Assim, quando lhe deram a oportunidade de virar menino, aquilo lhe pareceu a solução para todos os seus problemas.
Ela começou a se consultar com um psicólogo aos 15 anos e foi diagnosticada com disforia de gênero. Bell conta:
“Eu teimava em dizer que queria a transição. Era o tipo de coisa tipicamente adolescente. O fato é que eu era uma menina insegura com meu corpo, que foi abandonada pelos pais, que se sentia alienada dos amigos, que sofria de ansiedade e depressão e que tinha dificuldades com a orientação sexual”.
Mas o que os adultos fizeram? Eles fizeram experiências com Bell.
Cinco anos mais tarde, ela se submeteria a procedimentos para reverter a transição. Mas a mastectomia não podia ser desfeita. Aquela “pausa” na puberdade e as doses de testosterona têm consequências para a vida toda. Adolescentes não pensam em infertilidade e na amamentação. Para isso servem os adultos. Mas os adultos decepcionaram Keira Bell. E os adultos parecem cada vez mais ausentes de discussões sobre temas perigosos como a ideologia de gênero, que o Papa Francisco descreveu como uma bomba nuclear jogada sobre a Humanidade. Bell é uma das vítimas.
Aos 24 anos, ela hoje é capaz de refletir:
“Quanto mais a transição avançava, mais eu percebia que não era homem, e jamais seria. Hoje em dia nos dizem que, quando alguém sofre de disforia de gênero, isso reflete a identidade ‘real’ da pessoa, que o desejo para mudar de gênero se impõe. Mas não foi o meu caso. À medida que amadureci, percebi que a disforia de gênero era sintoma da minha tristeza em geral, não a causa”.
Nos dias que se seguiram à Páscoa, o governador do Arkansas, Asa Hutchinson, vetou uma lei que proibiria experimentos desse tipo em menores de idade. Por sorte, os deputados do estado derrubaram o veto. Mas o que passou pela cabeça dele? Não é certo pedir coragem para se proteger crianças de violência. Ainda assim, a ideologia impede os adultos de verem a situação com clareza.
Devemos mais a nossas crianças. Os adultos fracassaram com Keira Bell. A coragem dela deveria nos fazer protegermos outros menores de idade do inferno pelo qual ela teve de passar. A puberdade é difícil sem a falsa compaixão da ideologia de gênero. Os adultos precisam crescer e impedir o contágio e ao mesmo tempo serem solidárias com pessoas que realmente sofrem de disforia de gênero. Não é preconceito proteger menores de idade de danos permanentes.
Kathryn Jean Lopez é membro do National Review Institute e editora da National Review.
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