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"Descancelamento"

Kevin Spacey: é possível retomar a carreira após ser massacrado pelo #MeToo?

Kevin Spacey em uma cena da série 'House Of Cards', da qual também era produtor.
Kevin Spacey em uma cena da série "House Of Cards", da qual também era produtor. (Foto: David Giesbrecht / Netflix)

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“Descancelamento” talvez seja a próxima palavra da vez na cultura popular. Pelo menos é o que sugerem as recentes vitórias judiciais de Johnny Depp e Kevin Spacey e o retorno ao trabalho de outras celebridades acusadas de “conduta inapropriada”. Mas, apesar de terem se reerguido após o linchamento moral, figuras como Dustin Hoffman, Morgan Freeman, Louis C.K. e Aziz Ansari tiveram suas carreiras e reputações manchadas para sempre – e não há sucesso de bilheteria capaz de compensar esse tipo de prejuízo.

Surgido em 2017, o movimento #MeToo (#EuTambém) estimula mulheres do mundo todo a denunciar abusos e agressões sexuais. E, por conta de sua força junto à mídia, personalidades do cinema, do esporte e da política também passaram a ter seus supostos crimes expostos. Segundo o jornal ‘The New York Times’, 200 homens conhecidos do grande público foram denunciados somente no primeiro ano da campanha. Já o site ‘Vox’ reuniu em uma lista 260 famosos colocados sob suspeita até 2019, quando parou de contar.

Graças à popularização do #MeToo, monstros como Harvey Weinstein (um dos produtores mais poderosos de Hollywood, acusado de violentar duas atrizes e assediar outras 80) e Bill Cosby (gigante da comédia suspeito de violar 50 menores de idade e condenado por drogar e estuprar uma jogadora de basquete) foram presos e tiveram a devida punição dentro da lei.

Outros casos, no entanto, foram encerrados nos tribunais por falta de provas, ou nem chegaram a ser julgados por se tratarem de denúncias sem muito fundamento. Para esses homens, a condenação veio por meio do tribunal da opinião pública, na forma da desmoralização de suas imagens e a consequente perda de contratos profissionais (na prática, do direito de trabalhar).

Foi o início da chamada “cultura do cancelamento”, que extrapolou a questão da violência contra a mulher e hoje inclui até posicionamentos políticos – celebridades conservadoras, por exemplo, estão sempre na mira dos patrulheiros de plantão.

Enquanto a reação de “cancelar” alguém diante de uma atitude ou comentário considerado inapropriado foi se tornando um hábito contemporâneo, o movimento #MeToo viu seu poder de fogo diminuir. É o ciclo natural de qualquer campanha do gênero, mas também indica que a sociedade pode estar reavaliando os casos revelados nesses últimos seis anos. Isso explica, em parte, a redenção de algumas celebridades acusadas.

Estratégias para o “descancelamento” 

Seja como for, há diferentes estratégias utilizadas nos processos de limpeza da imagem. A principal delas é o pedido imediato de desculpas – de preferência, acompanhado de um relato pontual dos fatos.

“A melhor maneira de sobreviver a uma crise é contar a verdade. E você deve contar rápido”, afirmou, em entrevista ao jornal ‘The Washington Post’, o especialista em gerenciamento de crises Thom Fladung, sócio da empresa norte-americana de relações públicas Hennes Communications.

Fladung também ensina que não se deve esperar que as pessoas superem sua indignação instantaneamente. “Você não tem o direito de dizer quando é hora de seguir em frente.”

Os comediantes Louis C.K. (denunciado por se masturbar na frente de cinco colegas de trabalho) e Aziz Ansari (exposto após pressionar uma mulher a fazer sexo durante um encontro) parecem ter seguido à risca essa cartilha. Eles se desculparam rapidamente e confirmaram as versões das acusadoras – no caso de Ansari, a alegada vítima chegou a admitir que houve um ruído de comunicação entre os dois.

Ambos se recolheram voluntariamente e, cerca de um ano depois, voltaram a se apresentar (C.K. até ganhou um Grammy em 2022, na categoria Melhor Álbum de Comédia). Aqui, é importante destacar a natureza independente do circuito de stand-up comedy, que não depende de um grande estúdio de cinema ou conglomerado de mídia para existir – atores de Hollywood não têm a mesma facilidade.

Há também quem não falou muito e deu tempo ao tempo antes de voltar ao trabalho, como Dustin Hoffman, Morgan Freeman, Shia LaBeouf e James Franco. Ou aqueles que se reinventaram – Russel Simmons, produtor musical e fundador da gravadora Def Jam, pioneira do hip-hop, transferiu-se para a Ásia e hoje é um promissor investidor de startups de tecnologia.

E ainda existem os casos resolvidos por meio de acordos extrajudiciais. De acordo com a imprensa dos EUA, Bill Murray pagou US$ 100 mil (R$ 472 mil na cotação atual) para se livrar de uma denúncia de comportamento inadequado em um set de filmagem.

Por fim, temos exemplos de quem realmente foi absolvido pela Justiça. As histórias mais famosas, e recentes, são as de Johnny Depp (acusado de violência doméstica pela ex-mulher, a atriz Amber Head, ele virou o jogo e acabou ganhando um processo contra ela por difamação) e Kevin Spacey (declarado inocente, nesta semana, de crimes sexuais na Inglaterra). Nos últimos anos, Depp perdeu papéis em pelo menos dois blockbusters milionários (das franquias ‘Piratas do Caribe’ e ‘Animais Fantásticos’) e Spacey foi ejetado da popular série ‘House of Cards’, da qual também era produtor, entre outros boicotes sofridos.

Para os ativistas e parte da opinião pública, o machismo prevaleceu e os acusados não tiveram a punição merecida. Outros vão dizer que, para os homens, a cultura do “descancelamento” não tem nada de nova – é tão antiga quanto à própria humanidade. Mas, por mais que tenham retomado suas carreiras, em algumas situações até com êxito, todas as celebridades citadas acima perderam um ativo valioso, talvez o mais importante: a credibilidade.

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