O empresário que deu uma “carona” para Lula em seu jatinho particular até a COP-27, no Egito, já foi preso em desdobramentos da Lava Jato, comprometeu-se a devolver R$ 200 milhões aos cofres públicos e é amigo de longa data do petista e de Alckmin. José Seripieri Filho, conhecido como Júnior, firmou um acordo de delação premiada em 2020, confessando o crime de caixa dois na campanha do tucano José Serra ao Senado, durante as eleições de 2014. Neste ano, Seripieri doou mais de R$ 1 milhão à campanha de Lula e foi anfitrião de um jantar da pré-campanha do petista com empresários, em junho. Ele também foi um dos convidados do casamento de Lula e Janja, no mês de maio. Conheça oito fatos sobre o empresário, que goza de grande circulação e influência no meio político brasileiro:
1. Tornou-se bilionário com planos de saúde
Em 1997, José Seripieri Filho fundou a Qualicorp, uma das maiores empresas de planos de saúde do Brasil, pioneira na oferta de planos coletivos por adesão. Com o negócio, ele se tornou um dos primeiros bilionários brasileiros no segmento. Em 2020, a companhia já contava com 2,5 milhões de beneficiários na base de segurados, tendo acordo com mais de 500 entidades de classe que representavam 32 mil empresas. Um ano antes, ele concluiu a venda de sua participação no negócio para a Rede D’Or, que passou a ser a acionista majoritária.
Júnior começou a carreira como vendedor bem-sucedido de planos de saúde, com grande habilidade para vendas no sistema porta a porta. Atualmente, o empresário comanda a QSaúde, que adquiriu em 2020 da Qualicorp por R$ 75 milhões. A empresa faz uso de inteligência de dados, de modo a reduzir ineficiências no sistema de saúde e comercializar planos a preços menores.
Um importante salto da Qualicorp, que garantiu a Júnior o ingresso no grupo dos milionários, ocorreu com a entrada na bolsa, em 2009. Quase dez anos depois, ele comandou uma operação com a empresa que foi criticada por investidores e chegou a ser alvo de investigação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável pela regulação do mercado de capitais. Na época, o empresário recebeu R$ 150 milhões da empresa, em um acordo em que se comprometia a não criar concorrentes em um período de seis anos.
No dia seguinte, as ações da Qualicorp caíram 30%. Acionistas minoritários e a XP alegaram que o acerto beneficiaria o empresário em detrimento da companhia. Júnior sugeriu, então, reinvestir os R$ 150 milhões na Qualicorp. Em outubro de 2019, os seis conselheiros que tinham aprovado o acordo se ofereceram para pagar R$ 1,2 bilhão a encerrar o caso, mas a CVM rejeitou a proposta.
2. Confessou crime de caixa dois eleitoral
Em julho de 2020, Seripieri ficou três dias preso, durante a Operação Paralelo 23, que investigava pagamentos à campanha de José Serra ao Senado, na eleição de 2014. Ele se tornou réu por corrupção, caixa dois e lavagem de dinheiro na Justiça Eleitoral de São Paulo. Serra também responde a esse processo.
Em novembro de 2020, ele firmou um acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR), confessando o crime de caixa dois e concordando em pagar R$ 200 milhões de ressarcimento aos cofres públicos. No fim daquele ano, o acordo foi homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso. Os detalhes do acordo e do depoimento do empresário ainda permanecem sob sigilo.
O conjunto de inquéritos envolvendo grandes nomes da política paulista e os caixas de campanha de seus partidos ficou conhecido como Lava Jato Eleitoral. O nome passou a ser usado pela Polícia Federal porque as investigações derivaram de delações e inquéritos da operação iniciada no Paraná.
De acordo com a defesa de Júnior, em 2014, o conselho de administração da Qualicorp só havia aprovado doações para candidatos à Presidência. Diante do pedido de contribuição eleitoral feito por Serra, ele procurou um sócio em negócios imobiliários, Elon Gomes de Almeida, para fazer repasses, em um valor total de R$ 5 milhões, sem contrapartidas do tucano. O empresário alega que só depois soube que os pagamentos foram feitos por meio de contratos fictícios de outras empresas ligadas ao sócio. Como Serra não ocupava cargo público na época, a defesa alega que não cabem as acusações de corrupção passiva e lavagem de dinheiro listadas na denúncia.
3. Mantém relação com políticos e ministros
Próximo de figuras expressivas do cenário político nacional, como Lula, Serra e Geraldo Alckmin, suas festas são conhecidas por reunir autoridades, incluindo o ministro do STF, Alexandre de Moraes, na época em que era ministro da Justiça. Segundo afirmou à PGR, sua relação com boa parte dessas autoridades era institucional ou de amizade, sem envolver ilegalidades. Investigadores envolvidos na delação, no entanto, afirmaram na época que a cereja do bolo das revelações do empresário era sua relação com políticos do Congresso, inclusive para a aprovação de benesses. Nesse ponto, apareceriam nomes como Renan Calheiros e Romero Jucá, segundo ele, diretamente envolvidos nas manobras políticas.
Em junho deste ano, o empresário aparece na lista de participantes de uma mesa de discussão sobre regulação no Brasil no Fórum Jurídico de Lisboa, em Portugal. O evento foi organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), fundado pelo ministro do STF Gilmar Mendes. Dois meses antes, ele esteve em terras lusitanas pela mesma organização, discutindo o setor de saúde.
4. Indício de propina a auditores da Receita Federal
De acordo com o portal de notícias políticas O Bastidor, mesmo após o acordo de delação com a PGR, Júnior segue sendo investigado pela PF. O motivo seria a omissão de informações relevantes pelo empresário. Investigações da Polícia e da Receita Federal dão indícios de operações de lavagem de dinheiro em conjunto com o escritório da família Claro, conhecida por intermediar negociatas políticas.
A publicação mostra que delações dos sócios do escritório Claro, extratos bancários, planilhas de doleiros e depoimentos “revelam fortes evidências” do pagamento de R$ 2,5 milhões em propina a três auditores da Receita por dirigentes da Qualicorp, em 2014. O intuito seria impedir multas à empresa. A investigação aponta dinheiro saindo das contas da companhia de Seripieri, passando por contas da Claro e girando em empresas de fachada de doleiros, antes de ser entregue em espécie aos auditores.
5. É amigo de Lula
Júnior e Lula se conhecem há mais de uma década. Quando o petista deixou a presidência, passou a frequentar a casa de veraneio do empresário em Angra dos Reis, chegando a ser convidado para o Réveillon de 2015. De acordo com a revista Veja, ele também costumava usar helicóptero e jatinho de Seripieri emprestado para deslocamentos. O empresário também esteve entre os seletos convidados do casamento de Lula e Janja em maio, sentando-se à mesma mesa que Gilberto e Flora Gil, Marta Suplicy e o marido dela, Márcio Toledo, de acordo com a Folha de S. Paulo.
No ano passado, interlocutores de Lula e Seripieri revelaram que o petista demonstrou uma mágoa em relação ao empresário, que se distanciou dele depois de prosperar em seu governo. Durante a pré-campanha, Júnior foi anfitrião de um jantar entre Lula e empresários. Ele também fez expressivas doações à campanha presidencial petista.
6. Tem relação com Alckmin
Um ano antes de convidar Lula para o Réveillon, o empresário recebeu o casal Geraldo e Lu Alckmin para a passagem de ano em sua casa. Naquele mesmo ano, Seripieri havia doado R$ 2 milhões ao comitê do PSDB (e outros R$ 4 milhões ao PT, para a campanha de Dilma, que acabou eleita). Na eleição anterior, ele também havia feito doações à campanha presidencial de José Serra.
Em 2015, a proximidade com Alckmin voltou a aparecer, quando um helicóptero da Seripatri Participações, de propriedade do empresário, caiu no interior paulista. Entre os mortos no acidente estava Thomaz Rodrigues Alckmin, filho do então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
7. Fez doações à campanha de Lula
De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Seripieri está entre os maiores doadores privados da campanha eleitoral deste ano, com um total de R$ 1,86 milhão. A maior parte do montante foi para o PT e para a candidatura de Lula. Ele doou R$ 660 mil à direção nacional do PT, em 27 de setembro de 2022, e outros R$ 500 mil à campanha de Lula, um mês depois.
8. Jatinho é registrado nos EUA
Além de José Seripieri Filho, no jatinho em que Lula pegou uma carona para a COP-27 também estavam a mulher do petista, Rosângela Silva, a Janja, e o ex-prefeito de São Paulo Fenando Haddad (PT). O regulamento da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) só permite remuneração por voos em aviões de empresas de táxi-aéreo. Por se tratar de um jato privado, Júnior não poderia, portanto, cobrar dos passageiros.
A aeronave de modelo Gulfstream G600, fabricada em 2021, tem capacidade para transportar 16 pessoas. Com o prefixo N600DJ, o avião foi adquirido e registrado nos Estados Unidos em nome da empresa TVPX, que administra patrimônios privados, ou seja, não está sujeito à tributação brasileira. A aeronave consome 1.740 litros de combustível por hora.
Mesmo eleito, Lula não tem o direito de viajar em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). Analistas defendem que seu partido poderia ter solicitado uma aeronave ao presidente Jair Bolsonaro e, em caso de negativa, optado por um voo de carreira.
Para um presidente, é preciso ser e parecer honesto
O advogado civilista Afonso Oliveira defende que a carona de Lula no avião de um empresário preso por corrupção fere dois princípios da administração pública: impessoalidade e moralidade. “Um velho adágio romano diz que 'para a mulher de César, não basta ser honesta, tem que parecer honesta'. O que Lula faz é uma afronta ao estado republicano. Seja fretamento ou carona, o presidente eleito deveria se resguardar de atitudes como essa”, diz, citando o artigo 317 do Código Penal, que tipifica o crime de corrupção passiva. “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem."
“Portanto, independe de ter sido diplomado ou tomado posse. A vantagem nesse caso seria a carona e a suspeição dessa carona diz respeito ao agente que providenciou, alguém que esteve envolvido nas entranhas da corrupção dentro da operação Lava Jato, comprovadamente, já que houve uma delação premiada, devolvendo R$ 200 milhões aos cofres públicos”, analisa o jurista.
Para Oliveira, o que está sendo tratado como “mera e simples carona” pelos correligionários de Lula, vai além de simplesmente ferir um princípio ético e merece uma apuração séria por parte das instituições. “Qual a vantagem dessa carona? Quanto custará aos cofres públicos futuramente, caso Lula seja de fato empossado, esse tipo de relacionamento com figuras reconhecidamente condenadas ou pelo menos envolvidas em corrupção, como é o caso do senhor José Seripieri [Filho]?”, questiona. “Imagine se mudássemos o nome para Bolsonaro ou qualquer outro personagem ativo do governo atual, quais seriam as críticas e denúncias que estariam sendo feitas, as interpelações junto ao STF pelos políticos de esquerda? Para Lula, tudo é permitido?”, completa.
O deputado federal Sanderson (PL-RS) entrou com uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) para pedir investigações sobre a carona ao Egito. “Eu encarei como deboche. Um presidente que acabou de sair da cadeia por corrupção e um empresário que também foi preso e só está nas ruas porque fez delação premiada, ou seja, com um acordo com o Estado. Essa relação precisa ser investigada em toda a sua extensão. Encaminhei ontem mesmo à tarde ao procurador-geral um ofício de procuração pedindo para fazer investigação", afirmou, em entrevista à Jovem Pan.
Deixe sua opinião