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Associação de mães de meninas com disforia manifesta sua incredulidade com a "irresponsabilidade política" de se aprovar uma lei do tipo sem ouvir especialistas
Associação de mães de meninas com disforia manifesta sua incredulidade com a “irresponsabilidade política” de se aprovar uma lei do tipo sem ouvir especialistas| Foto: Reprodução/Associação Amanda

Se não ocorrer um imprevisto, no próximo 22 de dezembro será aprovado no Congresso dos Deputados da Espanha a chamada "lei trans". Uma lei que nasce cercada por polêmicas e com uma forte contestação por parte de coletivos sanitários, grupos feministas e famílias de crianças com disforia de gênero. Todos coincidem em suas críticas: tal como no caso da lei do "não é não" (ley del "solo sí es sí"), esse projeto está tramitando em urgência e sem se importar com os especialistas. Embora nesse caso não é que não tenham se importado os os especialistas... É que sequer os consultaram.

Há três semanas, os dois partidos majoritários do Governo, principais impulsionadores da lei, combinaram de impedir o comparecimento de especialistas na Comissão Parlamentar de Igualdade, que é onde se debatiam as últimas emendas da lei. Esta decisão esgotou a paciência de uma grande quantidade de coletivos que estão há meses pedindo prudência na para não dar o sinal verde a uma lei meio crua e que pode ter efeitos muito nocivos, especialmente nos menores.

A associação Amanda (Agrupamento de Mães de Adolescentes e Meninas com Disforia Acelerada) manifestava sua incredulidade com a "irresponsabilidade política que pressupõe se negar a escutar vozes experientes da psiquiatria, da psicologia, da endocrinologia e da medicina em geral, o âmbito jurídico, docente e social que estão mostrando sua séria preocupação perante um projeto de lei que se afasta das necessidades reais da infância, adolescência e juventude, e que evita o fenômeno crescente da disforia de gênero de inicio rápido e as destransições". ["Destransições" é como se tem chamado o processo, seja social ou médico, de reverter a mudança de sexo. (N. t)]

Quem estiver acompanhando de perto a tramitação da lei trans pode ter a sensação de assistir a um filme dos irmãos Marx, com uns correndo sem escrúpulos com o objetivo de aprovar a lei de qualquer jeito até o fim do ano, e outros clamando por prudência aos ventos. A questão é que nesse segundo grupo cada vez há mais gente. Nos últimos dias, emitiram comunicados contra a lei trans, entre outros, o Conselho Geral de Colégios Oficiais de Médicos, a Associação Espanhola de Bioética, a Associação Espanhola de Psiquiatria da Infância e Adolescência (AEPNYA), a Sociedade Espanhola de Medicina Psicossomática e a Academia Espanhola de Sexologia e Medicina Sexual.

É especialmente duro o comunicado desta última organização. "As teorias desconstrucionistas das realidades biológicas que deram impulso a esta lei, claramente subjetivas e acientíficas, foram renomeando a transexualidade como transgenerismo, para acabar reduzindo-a ao trans, uma categoria onde já não está clara nenhuma fronteira além do desejo individual pela identidade.” O texto acrescenta que "prescindir de uma avaliação profissional especializada que reforce as garantias de um processo pessoal e legal é uma decisão inconveniente e que atenta contra o próprio bem-estar das pessoas trans".

Por outro lado, diferentes associações jurídicas estão mostrando sua preocupação com deparar-se, como acaba de ocorrer com a lei do não é não, com uns efeitos indesejados da lei em curto e longo prazo. Também aponta a AEPNYA: "Uma lei tão importante (…) deveria tramitar da forma mais reflexiva e colaborativa possível. E com uma análise clara dos riscos".

Mudança de sexo sem autorização desde os 14 anos

Mas nem os comunicados oficiais dos organismos científicos, nem as dúvidas públicas ou privadas dos juristas, nem os contundentes testemunhos das famílias puderam mudar uma vírgula na lei. A última bala do partido socialista – que conta em suas fileiras com muita oposição ao projeto – foi uma emenda para limitar a autodeterminação de gênero nos menores. Propunham que os juízes tivessem que autorizar as mudanças de sexo no registro dos menores de 16 anos. Mas nem mesmo essa emenda foi adiante. Só os menores de 14 anos precisarão da autorização do juiz. O resto fica como está.

Ou pior… porque no último momento, o que se aprovou mesmo foi uma emenda do Junts per Catalunya [Juntos pela Catalunha, partido catalão] que proíbe a concessão de qualquer auxílio ou subvenção a qualquer pessoa física ou jurídica que cometa, incite ou recomende a LGTBIfobia, incluindo a promoção ou realização de terapias de conversão. Por baixo do nobre desejo de não discriminar nem estigmatizar a colectividade trans, muitas associações feministas e agrupações sanitárias viram nessa emenda um tremendo veto a qualquer discussão sensata sobre a teoria queer ou as "maravilhas" da terapia afirmativa. No fundo dessa emenda – argumentam alguns – está latente a ideia de que tudo o que não seja terapia afirmativa (transição social e cirúrgica, processos de hormonização etc.) será considerado terapia de conversão. ["Terapia de conversão" era como se chamavam as tentativas da psicologia de "curar" a homossexualidade. (N. t.)]

Em muitos países com leis trans avançadas, está ocorrendo um debate sobre a terapia afirmativa e as próprias alegações da teoria queer, depois de comprovar as consequências na saúde física e mental dos adolescentes. Como explica a AEPNYA: "Países como a Finlândia ou o Reino Unido deram marcha-ré tanto nos modelos de assistência das crianças autoidentificadas como trans mais invasivos e rápidos, como nos modelos mais avaliativos, psicológicos e reflexivos, vinculados aos serviços de saúde mental. Com os distintos modelos de assistência geraram-se dados, informação muito útil que nos deve servir para não repetir erros e para começar a percorrer o caminho que outros realizaram, tendo em conta o que sabemos agora e que eles não sabiam quando começaram". Noutras palavras: aprender com a experiência, ou essa inteligente atitude de "aprender com os erros dos outros".

Mas o governo espanhol não parece ter nenhuma intenção de entrar em debates, nem análises. Pois debater, analisar, estudar, escutar e formar consensos leva tempo. E a lei tem que sair: ainda que seja às pressas e na doida. Uma estratégia suicida e sem nenhum controle de riscos que – como sói ocorrer quase sempre – afetará mais os mais fracos: os menores.

© ACEPRENSA. Publicado com permissão. Original em espanhol.

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