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Liberalismo vive tempos difíceis com autoritarismo de esquerda e direita

Detalhe da capa do livro Right-Wing Collectivism: The Other Threat to Liberty, de  Jeffrey A. Tucker |
Detalhe da capa do livro Right-Wing Collectivism: The Other Threat to Liberty, de  Jeffrey A. Tucker (Foto: )

Existem duas ameaças gerais à liberdade, uma vinda da esquerda e outra da direita. Ambas são autoritárias. Ambas rejeitam os princípios do liberalismo que tornam a sociedade pacífica e próspera. Ambas imaginam que a sociedade não consegue funcionar por conta própria porque existem conflitos refratários que requerem luta. Ambas são ideologias de violência. 

Leia a posição da Gazeta do Povo: Os limites da ação do Estado

Fato estranho é que nas últimas décadas apenas a versão da esquerda recebeu grande atenção pública. Hoje as coisas são diferentes. Há uma nova força em ação na política americana, europeia e latino-americana. Ela é conhecida por muitos nomes. Direita alternativa. Iluminismo das trevas. Fascismo. Meu novo livro a descreve como “coletivismo de direita”. Essa força pode ser descrita com mais precisão como hegelianismo de direita. 

Trata-se de um “revival” de uma tradição de pensamento coletivista do entreguerras que à primeira vista pode parecer um híbrido, mas teve grande aceitação entre as duas guerras mundiais. 

É anticomunista, mas não pelas razões de praxe: essa força é totalmente contra a liberdade conforme ela é entendida pela tradição liberal. Ela se opõe ao livre comércio, à liberdade de associação, à livre migração e ao capitalismo entendido como um mercado livre regido pelo laissez-faire. Ela defende a nação e o Estado como princípios organizadores da ordem social – e como tendências na direção favorável ao governo comandado por uma pessoa apenas -, mas se posiciona em oposição ao esquerdismo conforme este é entendido tradicionalmente. 

Escravos de filósofos superados 

A maioria das pessoas da geração atual não possui uma visão acurada da abrangência histórica do lado intelectual da posição coletivista de direita. Temos conhecimento de certos líderes fascistas de meados do século 20, mas não da orientação ideológica que conduziu a eles nem das ideias que eles deixaram sobre a mesa para serem retomadas gerações mais tardes. Isso desapareceu da história. 

Enquanto isso, a ideologia social-democrática tem cada vez menos perspectivas, e outra coisa está chegando para ocupar o vazio deixado por ela. Todo o mundo que genuinamente ama e anseia pela liberdade entende como é importante saber farejar o oposto da liberdade, quando este oposto assume uma forma que ainda não conhecemos. Precisamos aprender a reconhecer a linguagem, os pensadores, os temas e as metas de um ethos político que é corretamente identificado como fascista. 

Por que “direita”? É uma pergunta justa, porque a história da esquerda e direita é tremendamente complicada, e as definições mudam constantemente. Se, quando fala em esquerda, você alude a qualquer coisa que tenda ao despotismo, e, quando fala em direita, se refere a qualquer coisa que tenda à liberdade, meu uso do termo “direita” aqui não fará sentido para você. 

Mas isso nos deixa com um problema. Não faz muito sentido descrever tanto Karl Marx quanto Carl Schmitt como sendo “de esquerda”, quando todo o aparato ideológico de Schmitt foi construído em oposição aberta a Marx. E isso não explica por que algumas das tiranias mais bem sucedidas do século 20 surgiram em oposição ao comunismo e acabaram revelando-se tão perigosas quanto aquilo ao qual se opunham. 

Objetivos despóticos 

Esses movimentos se apropriaram de determinados temas de direita para buscar objetivos despóticos. Eles falam em família, religião, nação e até mesmo propriedade, mas não no interesse da liberdade burguesa, e sim como um discurso político que visa conquistar a adesão de um setor demográfico específico de classe média. Podem criticar a tomada da mídia e da academia pela esquerda, mas seu interesse não é permitir liberdade pessoal e econômica máxima, e sim restringir as duas coisas a serviço da nação, do Estado, do sangue, solo, trono e altar. 

Essas pessoas frequentemente são motivadas pela percepção de que o esquerdismo está em ascensão e precisa ser combatido; de fato, essa é a origem dos movimentos fascistas dos últimos cem anos. Mas o que elas desejam, em vez disso, é algo que não é liberdade: é uma nova forma de controle social e econômico abrangente. 

Obsessões demográficas 

Uma característica singular do coletivismo de direita é sua obsessão com fatores demográficos. Isso se enquadra bem com a ideologia maior, que enfoca não a questão das classes sociais, mas questões identitárias profundas que frequentemente acabam reduzidas a raça e etnicidade. Ludwig von Mises escreveu que o nazismo “visava abolir o laissez-faire não apenas na produção de bens materiais, mas igualmente na produção de homens”. 

Isso se aplica à maioria das formas de fascismo: o fascismo persegue alvos concretos, lançando mão de uma série de meios para isso, desde controles de migração até eugenia, passando pelo planejamento familiar e o controle da reprodução. A anarquia na produção de pessoas não é tolerada. Isso faz sentido, de uma forma estranha. Se seu objetivo é realmente controlar a ordem social, é preciso começar por controlar a demografia populacional. 

Nossa geração tem pouca experiência concreta em lidar com movimentos reacionários e seus efeitos. Mas, ao ignorar esses movimentos, nós nos expomos a riscos. Esse pensamento direitista tem raízes profundas que remetem ao início do século 19, quando os seguidores de Hegel se dividiram em alas da direita e da esquerda, dependendo de acreditarem que o Estado prussiano e a igreja representavam o ápice da evolução cultural, ou não. Os direitistas seguiram uma direção, e a esquerda seguiu outra. 

Ambos impulsionaram uma reação contra a revolta liberal, algo que alterou fundamentalmente a estrutura social e demográfica da sociedade ocidental. Nas experiências de muitas nações, a esquerda e a direita propuseram maneiras diferentes de lidar com algo que enxergavam como um desastre que estava sendo armado. Em outras palavras, essas eram as pessoas que queriam desenterrar o corpo de Adam Smith e enforcar sua efígie. 

Aquilo ao qual dei o nome de coletivismo de direita realmente representa uma tradição de pensamento semicoerente: a linguagem, os temas, os ressentimentos, as respostas e as visões se conservam mais ou menos iguais por cerca de 200 anos, intensificando-se a cada década que passa. 

Nem esquerda nem direita 

Os verdadeiros defensores do enobrecimento humano através da liberdade precisam de uma consciência maior de quem somos, do que conquistamos no passado e do que será preciso para traçarmos argumentos persuasivos contra tanto a esquerda quanto a direita. 

Vivemos tempos difíceis para a filosofia liberal. Podemos superá-los apenas conquistando uma compreensão melhor de nossas lutas passadas e nossos desafios futuros.

* Jeffrey Tucker é director de conteúdo da Foundation for Economic Education. e fundador do site Liberty.me

Artigo originalmente publicado em Foundation for Economic Education 

Tradução Clara Allain 

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