Westminster: região de Londres onde fica o relógio “Big Ben” de torre do Parlamento recebeu em junho de 2024 o primeiro Fórum da Liberdade de Expressão de Westminster, em que a situação do Brasil foi amplamente discutida.| Foto: EFE/EPA/ANDY RAIN
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Violações à liberdade de expressão no Brasil e no mundo foram discutidas na capital britânica. Mais de 50 intelectuais, jornalistas, advogados, parlamentares e ativistas de oito países participaram na semana passada (20-22) do primeiro Fórum da Liberdade de Expressão de Westminster, em Londres. O evento foi organizado pelo jornalista americano Michael Shellenberger, um dos autores dos Twitter Files Brasil, e a entidade que ele preside, Civilization Works.

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Os participantes trocaram informações sobre o que percebem unanimemente como uma onda de censura no mundo motivada principalmente pelo uso de expressões vagas como “discurso de ódio” e “desinformação”.

Concordaram que vem da esquerda a maior parte da pressão pela supressão de expressões políticas legais, com a desculpa de combater o “populismo”, mas também levantaram preocupação com setores da direita que têm chamado por silenciamento de vozes em temas de costumes e nos debates a respeito da guerra entre Israel e Hamas.

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Plateia internacional ficou pasma com a situação do Brasil

Nos três dias do fórum aconteceram apresentações sobre o apagão da liberdade de expressão no Brasil. Os conferencistas estrangeiros expressaram choque em especial com a situação da Debora Rodrigues dos Santos, presa há 15 meses sem denúncia pelo ministro Alexandre de Moraes por pichar com batom a frase “perdeu, mané” na estátua que representa a Justiça, na frente do prédio do Supremo Tribunal Federal, e com o caso de Cleriston Pereira da Cunha, que morreu sob custódia da Justiça em novembro, apesar dos repetidos apelos de sua defesa e do Ministério Público Federal por soltura em razão de seu estado delicado de saúde. Debora e Cleriston foram acusados no contexto dos vandalismos de 8 de janeiro de 2023.

“Que caos, que situação, eu não gostaria de estar no seu país”, disse à Gazeta do Povo um experiente administrador de um fundo filantrópico. Em muitas das palestras, o Brasil foi usado como um exemplo negativo do que pode acontecer com a América do Norte ou com a Europa se a onda da censura não for contida.

Só outro país foi comparado ao Brasil pela situação negativa: o Canadá, no qual o governo do primeiro-ministro Justin Trudeau chegou a elaborar um projeto de lei para punir expressões consideradas ofensivas com a prisão perpétua. Dois conferencistas canadenses deram detalhes da supressão de um protesto de caminhoneiros contra vacinas obrigatórias da Covid, na qual o primeiro-ministro fez uso de instrumentos de emergência e congelamento de contas bancárias, e da cronologia dos acontecimentos.

Um ano crucial de início da guinada pró-censura no Canadá seria 2019, por causa de um escândalo dentro do governo conhecido como “controvérsia Wilson-Raybould”, nome da ex-ministra da Justiça e advogada-geral do Canadá na época. Ela teria sido pressionada pelo governo Trudeau a ser leniente com a empreiteira SNC-Lavalin, acusada de dar propinas para autoridades da Líbia entre 2001 e 2011 para assegurar contratos no país.

Outros eventos convergem para 2019. É o mesmo ano em que o STF abriu o Inquérito das Fake News no Brasil, e de uma visita do empresário Mark Zuckerberg (dono da Meta) à Irlanda, que coincidiu com o início de um projeto de lei contra “discurso de ódio” local especialmente draconiano. A República da Irlanda é um paraíso fiscal para as gigantes da tecnologia, e as empresas de rede social quase todas adotaram o padrão da intolerância a “discurso de ódio” e “desinformação”, mesmo quando legais, antes de projetos de lei codificando-os serem propostos em vários países.

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O ano de 2019, propuseram alguns dos presentes, foi quando as elites intelectuais e burocráticas pró-censura conseguiram começar a implementar suas respostas à onda “populista” representada pelas eleições de Rodrigo Duterte nas Filipinas e Donald Trump nos EUA em 2016 e o referendo do Brexit no mesmo ano (quando o Reino Unido deixou a União Europeia), e de Jair Bolsonaro no Brasil em 2018.

As táticas, atores e bastidores da censura estão sendo desvendados

Para Shellenberger, o atual momento é de colher frutos de um trabalho investigativo sobre o que ele chama de “Complexo Industrial da Censura” desenvolvido no último ano a partir dos Twitter Files dos Estados Unidos.

Diferentes apresentações no fórum deram detalhes de investigações cujos relatórios finais ainda estão por vir.

Um investigador especializado na União Europeia e na Organização das Nações Unidas apontou que o Tratado das Pandemias da Organização Mundial da Saúde, por exemplo, introduziu em seus rascunhos um chamado por “combater desinformação falsa ou enganosa, inclusive pela promoção da cooperação internacional”.

Para o especialista, este chamado mostra uma falta de remorso depois que muitas informações verdadeiras e até piadas foram censuradas nas redes sociais durante a pandemia a pedido de autoridades de saúde e farmacêuticas, sob o pretexto de diminuir a “hesitação vacinal”, como revelaram os Twitter Files.

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Ele também apontou a pobreza intelectual da campanha pela censura: “Ódio é ódio”, disse Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, ao tentar justificar o uso dos termos vagos para restringir a expressão dos europeus. O palestrante opinou que os eleitores da União Europeia têm muito pouco poder sobre a Comissão, que atua como um poder executivo transnacional, sobre o qual o Parlamento Europeu, eleito com seus votos, teria uma influência limitada.

Um dos palestrantes atuou na moderação de conteúdo do Facebook. Ele afirma que nos últimos anos a moderação resvalou para a censura, com preferência pela supressão de conteúdo de direita. Um dos problemas é que a Meta, empresa-mãe da rede social, além do Instagram e WhatsApp, “depende de acadêmicos” para formular suas políticas.

O conteúdo acadêmico a respeito da expressão e seus limites é “sobrecarregado por um lado”, a esquerda, enquanto “não há o suficiente do outro lado”, disse o ex-censor do Facebook.

Inteligência americana estaria por trás da onda pró-censura

Para outro investigador que palestrou no Fórum de Westminster, a onda da censura representa uma mudança de foco de uma parceria das inteligências americana e britânica que vem desde 1948, quando voltaram para o jogo de influência (soft power) o seu poderio de guerra política. “De tanques para tweets”, como disse em 2019 o secretário-geral da OTAN, Jen Stoltenberg.

O palestrante acredita que a inteligência americana era favorável à liberdade de expressão quando estimulou a Primavera Árabe em 2010, o que ele descreve como “auge da diplomacia da livre expressão”. Ele vê uma guinada pró-censura na política externa de bastidores não exatamente na onda populista a partir de 2016, mas antes, quando a Rússia invadiu a Crimeia em 2014. A OTAN teria decidido então “acrescentar a censura ao seu arsenal de guerra” com uma doutrina de “guerra híbrida”, afirma.

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Outros presentes, embora não neguem que a inteligência americana possa estar influenciando até Alexandre de Moraes no Brasil a endurecer a censura, pensam que a onda autoritária se explica melhor por um crescimento orgânico dessa demanda desde que muitos indivíduos ganharam voz com a Internet e as redes sociais. “É preciso cuidado com a mentalidade conspiratória”, aconselhou uma participante britânica.

Mas o investigador da guerra de informação respondeu que as duas forças (inteligência e cultura) não são mutuamente excludentes, e que a comunidade de inteligência contém diversidade de opinião, com rusgas internas a respeito da sabedoria da pressão para censurar “discurso de ódio” e “desinformação”.

O palestrante exibiu um infográfico ligando a CIA e supostas empresas de fachada por ela influenciadas, inclusive atores brasileiros, que fariam uma rede de influência em torno de Alexandre de Moraes e seu núcleo de combate à desinformação no TSE. O Departamento de Estado e de Justiça dos EUA fariam parte da rede.

Para o investigador, a rede de oficiais americanos participou até da resposta ao empresário Elon Musk quando, após ler as informações reveladas pelos Twitter Files Brasil, ele perguntou em abril a Alexandre de Moraes por que motivo ele “exigia tanta censura no Brasil”.

O investigador está produzindo um relatório que será divulgado no mês que vem, quando revelará como funciona essa suposta rede de influência externa em torno de Alexandre de Moraes.

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De onde veio o Fórum e quais foram suas regras

O evento marcou um ano desde a reunião que culminou na publicação da Declaração de Westminster, de outubro passado, que acusou o Supremo Tribunal Federal (STF) de “criminalizar o discurso político”. Entre os signatários estavam Jordan Peterson, Slavoj Žižek, Ayaan Hirsi Ali, Niall Ferguson, John Cleese, Steven Pinker, Julian Assange, Edward Snowden, Glenn Greenwald, Ana Paula Henkel e Leandro Narloch.

Os signatários da declaração, contudo, não coincidem exatamente com a lista dos presentes no Fórum. O presente texto respeita a regra “Chatham House” do evento, estabelecida em 1927 pelo think tank de política internacional de mesmo nome, que abre as declarações feitas para uso, mas mantém o anonimato de seus autores.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]