Em agosto, Donald Trump, enfrentando um verdadeiro motim dos executivos de seus dois conselhos consultivos, dissolveu-os abruptamente. Ambos eram basicamente protocolares, mas, de repente, se revelaram uma oportunidade para que os empresários se revoltassem contra as declarações equivocadas do presidente, dadas após as consequências trágicas da marcha de supremacistas brancos em Charlottesville. E a classe, que raramente serve de diretriz e padrão moral, passou a ser elogiada pelos princípios e por reagir contra o dirigente do país.
Obviamente, o caso levanta uma questão: e as pessoas que realmente deveriam servir de guias morais, ou seja, os 25 membros do Comitê Executivo Evangélico?
A comissão, criada por Trump quando ainda disputava as eleições, em 2016, é meramente simbólica, embora também tenha sido criada para dar cobertura ao candidato, conhecido por não ser religioso, e lhe permitir acesso a milhões de votos evangélicos. Em troca, seus membros teriam um acesso inédito à Casa Branca – um ativista disse inclusive que o presidente os mantinha na "discagem rápida".
Trump também cumpriu várias promessas feitas à comunidade, como a nomeação de um juiz antiaborto para a Suprema Corte e ações contra o Planned Parenthood.
Só que tal acesso tem um preço: esses líderes podem até achar que estão fazendo a coisa certa por seus rebanhos, mas, ao tomarem tal decisão, veem-se forçados a silenciar a respeito das transgressões presidenciais.
Até agora, só um membro do conselho, A.R. Bernard, um pastor do Brooklyn, pediu demissão, citando "um conflito drástico entre os meus valores e os da administração". E embora tenha se desligado em quinze de agosto, o pregador confessou que já havia decidido sair meses atrás.
Agora, compare essa atitude com a de outro integrante, o presidente da Liberty University, Jerry Falwell Jr., que não só permaneceu no cargo como elogiou a declaração "corajosa e verdadeira" de Trump sobre Charlottesville.
Para ser justo, alguns outros participantes do comitê se manifestaram contra os supremacistas que marcharam na Virgínia. Johnnie Moore, executivo de relações-públicas que trabalha com grupos evangélicos, dispôs-se até a críticas, dizendo: "O presidente pode, sem dúvida, ser acusado de insensibilidade". Porém, praticamente todo o resto do grupo deixou bem claro que aprova os comentários de Trump e seu desempenho no cargo e que pretende apoiá-lo.
Representatividade
É importante entender que esses líderes, apesar de suas megaigrejas e do acesso ao presidente, não representam todos os cristãos do país. A minha organização, o Conselho Nacional de Igrejas, é composta de trinta milhões de fiéis em mais de cem mil congregações locais de várias denominações – ortodoxas, anglicanas, protestantes e igrejas históricas da paz –, que não hesitaram em protestar contra os supremacistas e os neonazistas.
Desde pelo menos o início dos anos 1960, quando um dos meus antecessores, J. Irwin Miller, colocou o Conselho no centro do movimento pelos direitos civis, nossas igrejas membros se comprometem a defender a justiça e a tolerância, usando sua posição nas comunidades para apoiar a luta contra o racismo e a opressão.
Alguns integrantes do Conselho Evangélico alegam que, por mais crassos que sejam os erros do presidente, é melhor permanecerem em uma posição em que possam influenciá-lo. Acontece que, na verdade, estão superestimando a própria capacidade de moldar as opiniões de Trump e desvalorizando o impacto que a manifestação contra seus comentários poderia ter.
Erro de cálculo
Porém, como já disse, a maioria se mantém calada. E esse silêncio diz muito. Os pastores parecem não temer o fato de que sua associação a um presidente que defende estátuas daqueles que lutaram a favor da escravidão, supremacistas e neonazistas, lhes trará problemas com suas congregações, universidades, seminários, o público da TV e ONGs. E pode ser um erro de cálculo, como provam as dezenas de alunos que se formaram pela Liberty University e estão devolvendo seus diplomas, enojados com o apoio irrestrito de Falwell a Trump.
Nos próximos meses e anos, os cristãos norte-americanos continuarão a ser testados repetidamente, seja pelo presidente, seja pela sociedade, cada vez mais dividida por linhas raciais e religiosas. Charlottesville é só o começo. Tenho orgulho de saber que, durante a marcha e os protestos ocorridos naquele fim de semana, as denominações que constituem o Conselho Nacional de Igrejas estiveram presentes e se comportaram de forma digna, disciplinada e pacífica, recusando-se a recuar diante dos nacionalistas brancos que urravam ofensas, com porretes em punho e incitando a violência que causou a morte de uma ativista inocente.
Nós nos recusamos a aprovar um presidente que passa a mão na cabeça daqueles que semeiam o ódio e a injustiça entre o povo norte-americano. Nossas congregações continuarão a adorar um Deus que ama a todos, independentemente da raça ou do credo. Precisamos que nossos irmãos evangélicos se unam a nós.
*Jim Winkler é presidente e secretário geral do Conselho Nacional de Igrejas dos Estados Unidos