O lançamento de um filme francês na Netflix está sendo acompanhando de muita polêmica nas redes sociais por conta de uma suposta visão sexualizada de crianças pré-adolescentes. A obra é Lindinhas, filme de estreia da diretora Maïmouna Doucouré vencedora do prêmio do júri popular no Sundance Festival de 2020, e que estreou dia 9 de setembro na plataforma de streaming.
Lindinhas, cujo nome original é Mignonnes, conta a história de uma menina de 11 anos, Amy, interpretada por Fathia Youssouf. Filha de uma família de senegaleses seguidores do islamismo, ela se apaixona por um grupo de dança da escola que frequenta e faz de tudo para ser aceita pelas outras meninas. No processo, ela enfrenta as tradições de família e vai descobrindo a própria feminilidade. E é aí que a história começa a ficar controversa.
O trailer oficial começa com Amy usando um véu cobrindo-lhe a cabeça entrando na lavanderia do prédio para onde se mudou com a família. Lá ela encontra Angélica (Médina El Aidi-Azouni), sua colega de classe, dançando com uma calça justa e um top curto, em clara oposição às vestes tradicionais da protagonista. A dança é sensual, como em todas as outras partes do filme, e vai mudando com o passar do tempo até a versão conhecida nos Estados Unidos como “twerking” – para os brasileiros que assistiam à TV aberta nos anos 1990, algo parecido com o que grupos como É O Tchan faziam em suas danças “na boquinha da garrafa.”
Amy enfrenta bullying por parte das outras meninas, mas finalmente garante seu lugar no grupo. E é justamente ela a responsável pela intensificação da sensualidade na dança das “Lindinhas”, como são conhecidas as meninas. Quando uma das integrantes é expulsa do grupo, Amy - que tinha assistido a muitos vídeos de dançarinas adultas no celular furtado de um vizinho – surpreende as meninas com uma arma secreta: uma dança com movimentos bastante inesperados para uma criança de sua idade, e que nem mesmo as já ousadas “Lindinhas” haviam feito.
Para alguns internautas, a abordagem escolhida pela cineasta para tratar de temas como a hipersexualização de crianças pode não ter sido a mais feliz. A ativista dos direitos das mulheres Lucia Hill respondeu a uma postagem no Twitter que pede que o filme não seja julgado pelo cartaz. “Eles poderiam ter abordado essa questão da sexualização de crianças sem sexualizar crianças no processo [de criação do filme]. Jovens garotas imitam o que elas veem de forma inocente, sem uma compreensão real. Elas recebem muitas informações confusas, e que deveriam ser discutidas, na minha opinião. Mas eu não posso deixar passar o fato de que adultos fizeram com que meninas de 11 anos posassem daquele jeito e usaram essa imagem para promover o material. Isto é muito errado.”
Nos Estados Unidos, a gigante do streaming cedeu às críticas e mudou as imagens oficiais de divulgação do filme. O cartaz original de Lindinhas exibido nos cinemas franceses mostra as protagonistas em uma rua com uma atitude até infantil, apesar das peças de roupas íntimas sobrepostas. A imagem escolhida pela Netflix traz o grupo com roupas curtas e em poses provocativas.
Sobre as polêmicas envolvendo o filme, a Netflix enviou uma nota à Gazeta do Povo: "Pedimos desculpas pela arte inadequada que usamos para o filme Lindinhas. Não estava certo, nem representava este filme francês que ganhou um prêmio no Festival de Sundance. Estamos trabalhando para atualizar as imagens e a descrição do filme". Não houve nenhuma outra menção às polêmicas sobre o filme.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou por meio da assessoria de comunicação que “as obras audiovisuais veiculadas pelo serviço por acesso condicionado e vídeo por demanda estão dispensadas da inscrição de processo de autoclassificação no departamento de promoção de políticas de justiça.” Sobre a classificação etária do filme para maiores de 14 anos, medida tomada pela própria Netflix, o ministério informou que quaisquer mudanças só poderão ocorrer após o lançamento de Lindinhas, em 9 de setembro.
Ato político
Em uma fala ao público durante a cerimônia de premiação no Sundance Festival, a diretora Maïmouna Doucouré explicou que a escolha das atrizes demorou um ano, e que 700 crianças passaram pelo processo de seleção. Ela disse que teve a ideia de fazer o filme quando assistiu a uma apresentação parecida no bairro em que cresceu, em Paris. O momento em que as crianças subiram ao palco em trajes curtos e transparentes para apresentar uma dança “intensamente sexualizada”, nas palavras da diretora, foi classificado por ela como “fascinante e perturbador.”
“No público havia muitas mães, algumas senegalesas, outras de outras culturas africanas. Algumas usavam o véu, comum em suas culturas. E eu percebi naquele momento que era um choque cultural. Foi quando decidi fazer o filme, sobre aquela situação, tentando entender se aquelas crianças pequenas tinham consciência do que estavam fazendo, se entendiam que pareciam estar disponíveis sexualmente”, contou.
Doucouré afirma que o filme é em parte autobiográfico, e que seus pais ainda não haviam assistido à obra quando foi premiada no festival. Ela disse que quando tinha a mesma idade das meninas tinha como maior sonho “ser um menino” por conta das muitas injustiças que via ao seu redor. Para ela, o filme trata das dificuldades de uma menina em se tornar mulher e é mais do que uma peça cinematográfica.
“Para mudar os sentimentos da sociedade por meio do cinema eu tinha que mexer com as pessoas e ao mesmo tempo criar uma reflexão sobre o que está acontecendo com a nossa sociedade. Falamos muito disso com as meninas. Elas são como meus bebês. Nós ficamos muito próximas, e conversamos muito sobre o que nos levou a fazer esse filme. É claro que elas não dançam daquele jeito, mas elas entenderam o ato político que é esse filme”, declarou.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e apoiadores reagem a relatório da PF que indiciou 37. Assista ao Entrelinhas
Deputados da base governista pressionam Lira a arquivar anistia após indiciamento de Bolsonaro
Otan diz que uso de míssil experimental russo não vai dissuadir apoio à Ucrânia