Aos 18 anos, a investigadora de polícia Elizabeth Lemos Leal foi morar com o irmão mais velho nos Estados Unidos, onde trabalhava como ajudante de garçonete e faxineira. “Gostava do que fazia”, lembra. Mas a solidão que sentia no Brasil por causa da distância da família a acompanhou até a América.
“Acreditei então que, se namorasse alguém, teria companhia e a tristeza iria embora”. Em poucos meses, estava grávida de um rapaz praticamente desconhecido. "Só queria resolver aquele 'amontoado de células' que estava dentro de mim", conta. Em um país onde a interrupção da gravidez é permitida, não foi difícil “resolver” a questão: Elizabeth pagou 300 dólares pelo seu primeiro aborto.
A segunda gravidez veio aos 21 anos, enquanto conciliava os estudos de medicina veterinária e direito. Dessa vez, o namorado a acompanhou até clínica clandestina em Joinville, em Santa Catarina, para que Elizabeth, novamente, “liquidasse um ‘amontoado de células’”, como ela mesma descreve. Dessa vez, a mãe dele pagou a operação.
Dois anos depois, ainda na faculdade, a jovem paranaense viveria um novo relacionamento - e mais um aborto. Este, diferente de todos os outros: o namorado implorou pela vida do filho. “Dessa vez fiz tudo sozinha: achei um médico, fui e matei”, lembra Elizabeth. A terceira gestação foi interrompida em Curitiba, onde a investigadora vive até hoje. “Lembro de, em seguida, ir para a casa de uma amiga”. O namoro com o rapaz disposto a assumir o bebê, com quem ela lembra ter vivido “uma relação feliz”, acabou.
Seguiram-se anos de depressão, instabilidade emocional e tentativas de suicídio (a primeira foi aos 20 anos, pouco depois do primeiro aborto - foi interrompida por uma ligação telefônica do próprio psicólogo). Hoje, com 47 anos e dois filhos, Elizabeth divide sua história com o público. O livro “É vida… Sim!” nasceu do desejo de falar, em primeira pessoa, sobre os conflitos morais e as consequências psicológicas da prática do aborto.
“Não há ninguém que dê o próprio testemunho sobre o assunto. Temos ótimos livros, como o do Francisco Razzo [colunista da Gazeta do Povo], outros sobre bioética e, claro, outros com a visão feminista, dos ‘direitos reprodutivos’, mas ninguém fala em primeira pessoa. Meu objetivo é tirar o foco destas disciplinas envolvidas e chegar às pessoas que não sabem como se sente uma pessoa que fez o aborto”, diz a autora, em entrevista à Gazeta do Povo.
Segundo ela, a decisão de escrever veio em meio ao processo seletivo para o mestrado em Teologia que atualmente cursa na Faculdade Batista do Paraná. Além do testemunho pessoal e da reflexão teológica, Elizabeth faz um apanhado dos principais argumentos pró-vida na medicina e no direito. “O processo de formação da vida não é estanque, mas continuo. Não há outro momento depois da concepção em que se possa marcar seu início. Vejo que o que move muitas mulheres que praticam o aborto é um desconhecimento sobre o que está dentro delas”.
Para a autora, muitas das crises que a levaram passar anos em clínicas psiquiátricas têm a ver com o trauma das três gestações interrompidas. “Apesar de ter um histórico familiar disfuncional, eu sempre fui estudiosa. Sempre pratiquei esportes, estudei música e piano. Fui uma criança e adolescente normal. Depois dos abortos, no começo da vida adulta, eu não conseguia me relacionar, não conseguia estudar, tinha depressão após depressão. Existe um arrependimento que não vai embora”, conta.
Mais do que o debate médico e filosófico acerca do aborto, “É vida… Sim!” busca levar ao público mais um relato de uma realidade oculta que nenhuma jovem deveria experimentar e que Elizabeth Leal transmite com todas as letras: “a ‘segurança’ que o aborto legal promete não existe”.