O Supremo Tribunal Federal (STF) lançou em 19 de março um novo livro que tem como alvo a “desinformação”.
A obra, produzida em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), reúne artigos acadêmicos sobre o tema, inclusive de ministros da corte. E, como era previsível, não há críticas à atuação do STF. Pelo contrário: a Suprema Corte aparece como uma incansável defensora da democracia contra as fake news e o discurso de ódio.
“Desinformação, o Mal do Século - Volume 2” é uma coletânea de artigos sobre o assunto. Um deles afirma que a extrema-direita defende uma ideia irreal de que a liberdade de expressão deve ser absoluta. Outro alerta para “campanhas de desinformação, fomentadas pela extrema-direita”.
Mas as estrelas principais são os cinco ministros do STF que aparecem como autores ou coautores de artigos. A começar pelo líder do tribunal.
As ideias de Barroso
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ficou a cargo do prefácio do livro. No texto, o ministro critica o “negacionismo” e cita como exemplo a "crise climática que acelera tragédias e afeta o futuro desta e das próximas gerações".
Mais adiante, em um artigo que assina em parceria com Patrícia Perrone Campos Mello (secretária de Altos Estudos do Supremo Tribunal Federal), Barroso faz apelos emocionados pela “evolução ética” da humanidade.
“O vertiginoso progresso científico que assistimos, cumulativamente, ao longo dos séculos, não tem sido acompanhado de uma correspondente evolução ética – e mesmo espiritual – da condição humana”, afirmam Barroso e Patrícia que emendam: “O bem, a justiça real e a solidariedade são frequentemente negligenciados num mundo de pobreza extrema em muitos lugares, desigualdades injustas, guerras e uma ordem doméstica e internacional em que alguns ganham todas e outros perdem sempre.”
O artigo, que tem como tema principal o uso da Inteligência Artificial, também alerta para a “discriminação algorítmica”, que é o fenômeno no qual robôs se comportam como machistas e racistas. A solução? Regular o uso desse tipo de tecnologia. “É preciso que a regulação da IA impeça que as pessoas sejam desequiparadas com base em categorias suspeitas, que exacerbem vulnerabilidades, como gênero, raça, orientação sexual, religião, idade e outras características”, defendem Barroso e Patrícia.
Fachin cita Marilena Chauí
O ministro Luiz Edson Fachin assina um trecho em coautoria com a pesquisadora Christine Peter da Silva, que é sua assessora e professora de Direito em uma universidade particular de Brasília.
O trecho, que cita elogiosamente a professora socialista Marilena Chauí, também emula o estilo nebuloso dela.
É preciso fôlego para ler alguns trechos: “Para que a democracia brasileira se consolide, em substância, como expressão máxima da coletividade do povo brasileiro, é preciso suplantar velhos modelos mais solipsistas, para deixar nascerem e fortalecerem-se modelos em que a vida social e coletiva, embalada por valores comunitários, permitam que intersubjetividades solidarizadas por objetivos verdadeiramente comuns, dentre os quais, liberdade, responsabilidade e igualdade, constituam-se como elementos centrais informadores também das universidades”, dizem os autores, enfileirando vírgulas e mais vírgulas em defesa do Estado democrático de direito.
Toffoli se orgulha do inquérito das fake news
Já o artigo de José Antonio Dias Toffoli não tem coautores. O ministro é plenamente responsável por trechos como este, em que ele afirma que combater a “desinformação” é uma forma de preservar o livre pensamento: “Por isso, combater a desinformação é garantir o direito à informação, ao conhecimento, ao pensamento livre, dos quais depende o exercício pleno da liberdade de expressão”.
Sem explicar bem por que, Toffoli também relembra que abriu, de ofício, um inquérito para investigar “fake news” que atingiam o STF. O caso, em 2019, abriu as portas para que a corte convocasse para si quaisquer investigações que resvalaram no ataque às “instituições”.
“Era uma medida inédita. Uma investigação iniciada ex officio”, Toffoli admite no artigo, antes de prosseguir: “No início, a medida foi alvo de críticas e incompreensões. Mas, com o aprofundamento das investigações, o inquérito passou a ter amplo apoio das entidades, da sociedade civil e da opinião pública. Hoje, ele é citado, inclusive por vozes abalizadas da comunidade internacional, como uma resposta necessária e eficaz de autodefesa institucional”.
Sem autocrítica, Toffoli encerra o texto com uma exclamação juvenil: “É a democracia defendendo a própria democracia!”.
Dino contra o racismo da IA
Assim com Barroso, Flávio Dino está preocupado com o racismo dos robôs.
No artigo que assina ao lado da pesquisadora Estela Aranha, ele afirma que a Inteligência Artificial pode ser preconceituosa: “Os vieses replicam e amplificam preconceitos existentes na sociedade, em especial as desigualdades estruturais: racial, de gênero e de classe”.
Já o ministro Luiz Fux produziu um texto mais neutro, com desfecho inócuo: “Prezar pela integridade de conteúdos propagados nos tempos hodiernos — fazendo com que o ambiente virtual, assim como todos os outros, seja um locus voltado para o bem comum — é uma imposição de ordem cívica, porquanto notórios os nefastos impactos que a desinformação imprime na consciência social e política das nações”, diz ele.
Talvez prevendo o baixo interesse comercial pela obra, o STF oferece o livro de forma gratuita em seu formato digital. O link é este.
Além dos autores, o compêndio publicado pelo STF envolveu nove organizadores — a maior parte deles vinculados à Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília — e quatro revisores.