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Exibido no festival de Cannes, encerrado neste sábado (25), o documentário ‘Lula’ traz em seus créditos um nome familiar para os brasileiros – e não é o do premiado diretor Oliver Stone.
Estamos falando de um dos produtores do filme, Maximilien Arveláiz, ex-embaixador da Venezuela no Brasil. Tido em alta conta pelo ditador Hugo Chávez (1954-2013), ele atuou por aqui no auge da parceria política e econômica entre os dois países.
Arveláiz inclusive é citado em documentos da Operação Lava Jato, mais especificamente nos depoimentos de João Santana e Mônica Moura, marqueteiros de Lula e do PT.
De acordo com os delatores, o embaixador articulou, com Nicolás Maduro (então no posto de chanceler), a reeleição de Chávez em 2012.
Graças ao seu bom relacionamento com empreiteiras brasileiras, ele intermediou repasses para a campanha no valor de US$ 11 milhões – tudo camuflado num esquema de caixa dois.
Max, como é conhecido no mercado audiovisual, também foi a principal peça da diplomacia venezuelana antes de ingressar no cinema.
Mantinha ligações com outros políticos de esquerda da América do Sul (Rafael Correa, Fernando Lugo, Evo Morales, casal Kirchner) e lideranças dos EUA e da Europa.
Tanto que quase conseguiu o cargo de embaixador do país em Washington, já sob o regime de Nicolás Maduro.
Chegou a trabalhar como “encarregado de negócios” na capital americana, enquanto esperava para assumir o posto principal, que estava vago.
Porém, em março de 2016, foi chamado de volta a Caracas quando Barack Obama renovou um decreto com várias sanções às autoridades venezuelanas – o que enfureceu Maduro.
Seu rol de conexões, no entanto, o levou ainda mais longe: até a Rússia, onde tem como interlocutor o próprio Vladimir Putin.
Além de ser personagem de um de seus filmes, como veremos a seguir, Putin também o escolheu, durante a pandemia, para negociar a venda da vacina russa Sputnik V com a Argentina.
O lobby funcionou, e o presidente (kirchnerista) Alberto Fernandéz assinou um contrato para receber mais de 20 milhões de doses de imunizantes.
Mas como essa figura dos bastidores, habituado a prestar serviço para ditadores assassinos, conseguiu penetrar no mundo glamuroso dos festivais de cinema?
Para chegar nesse ponto, é preciso voltar às suas origens – que não estão exatamente na Venezuela – e entender sua personalidade, considerada “encantadora”.
Maximilien Arveláiz nasceu em Paris, há 50 anos, e foi criado num ambiente de classe média. Filho de pai francês e mãe venezuelana, ele primeiro estudou Direito Internacional Público na Universidade Pantheon-Assas, na capital do país.
Em seguida, transferiu-se para a Inglaterra, onde cursou Cinema, Mídia e Multimídia na South Thames College. Inspirado pelo ambiente progressista da academia, decidiu fazer um mestrado no Instituto de Ciências Políticas Latino-Americanas da Universidade de Londres.
Lá, pesquisou a trajetória de Hugo Chávez, “reconectou-se” com a terra natal de sua mãe e apresentou uma tese intitulada “Utopia Rearmada, Chávez e Venezuela”. Mas não parou por aí.
Em 2001, de volta a Paris, organizou na Universidade Sorbonne um encontro entre Chávez e um grupo de pensadores europeus, para discutir questões da América Latina.
O ditador se impressionou com a eloquência de Arveláiz. Mais do que isso: viu nele uma possível ponte entre seu regime e os círculos intelectuais europeus. E o resto, como se diz, é história.
Arveláiz comparava Chávez a Martin Luther King para americanos e europeus
“Maximilien Arveláiz é educado, poliglota, sabe se comportar. Veste-se elegantemente, usa roupas caras de grife e óculos do século passado”, diz a jornalista venezuelana Maibort Petit, que atualmente mora e trabalha em Nova York.
Repórter investigativa, Maibort é autora do livro ‘Cocaína em Miraflores’, sobre a relação entre o governo da Venezuela e o narcotráfico – e acompanha há algum tempo os passos do ex-diplomata.
“Ele tem um discurso fascinante. Fala sobre arte, conversa ao mesmo tempo com Vladimir Putin e Washington. Foi encarregado de estabelecer laços entre o chavismo e a Casa Branca, movendo-se nos setores acadêmicos e no Departamento de Estado.”
Segundo a repórter, Max foi a ponta de lança para vender academicamente a revolução bolivariana na França e em outros países. Chegou a dar aulas em universidades dos Estados Unidos e da Europa, explicando que Chávez promoveu um processo de inclusão social.
E, pasmem, até comparava o chavismo aos movimentos civis americanos liderados por Martin Luther King.
Arveláiz começou como tradutor de Hugo Chávez. Depois foi nomeado ministro conselheiro da missão venezuelana na ONU, diretor-geral de Relações Internacionais do Gabinete da Presidência e, finalmente, embaixador no Brasil.
Uma trajetória meteórica, que o tornaria milionário e continuaria após a morte do ditador, em 2013.
Porém, a expectativa frustrada de assumir a embaixada nos EUA e a vitória do republicano Donald Trump nas eleições presidenciais mostraram que o dândi francês deveria mudar de rota.
Foi o que ele fez, aproximando-se ainda mais de Oliver Stone, com quem iniciou uma parceria profissional anos antes, quando o vencedor de dois Oscars de melhor direção (por ‘Platoon’ e ‘Nascido em 4 de Julho’) entrevistou Chávez para um filme.
Desde então, de acordo om Maibort Petit, Arveláiz “passou a liderar a batalha cultural da revolução bolivariana em Hollywood”.
Os dois projetos mais conhecidos da dupla são a série documental ‘As Entrevistas de Putin’ e o longa de ficção sobre o caso do analista de sistemas Edward Snowden – que fugiu dos EUA após revelar, em 2013, as operações de vigilância realizadas pela Agência de Segurança Nacional (NSA), onde trabalhava.
Por “coincidência”, Snowden recebeu de Putin a cidadania russa e se mudou para Moscou.
Mas não pensem que Maximilien Arveláiz deixou de lado suas atividades como lobista. Além da já citada transação com a Argentina durante a pandemia, o ex-embaixador voltou a transitar por Brasília desde o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto.
Segundo notas publicadas em veículos como CNN e Veja, ele foi visto prospectando “oportunidades” para a PDVSA (a petroleira venezuelana) junto à Petrobras em 2023.
Ou seja: há muito mais por trás de ‘Lula’, apresentado um ano depois em Cannes, do que o interesse sociológico de um diretor de cinema progressista.
Com a colaboração de Lucas Ribeiro