Lord Acton: o icônico parlamentar, professor e ostensivo defensor católico das liberdades individuais que parece ter sido esquecido no século XXI| Foto: Twitter/Acton Institute
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Poucos liberais brasileiros, talvez até mesmo os mais militantes e aguerridos, conhecem, para além do nome John Emerich Edward Dalberg-Acton (1834-1902), o Lord Acton. Icônico parlamentar, excelente professor e ostensivo defensor católico das liberdades individuais – principalmente as de crença e fé –, Acton parece ter sido esquecido por muitos no século XXI. É verdade que o pensador teve posições políticas polêmicas, bem como, às vezes, pareceu ter um excesso de prudência ao contrapor ideias tipicamente antiliberais, como a escravidão e a ampla inclusão formal das mulheres na sociedade civil. Foi filho de seu tempo, e seu tempo não foi nada fácil no campo político, vide o que viria logo que o século virasse. Frente às crescentes demandas estatais e sob um fedor de conflito bélico cada dia mais real, Acton teve a virtude de manter o brio da opinião própria e a independência política tão difícil naquela Inglaterra polarizada, mesmo ante um militante Partido Whig, agremiação que compunha com refinado brilho intelectual.

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Filho de Ferdinand Richard Edward Acton (1801-1837), aristocrata inglês, e de Marie Louise Pelline von Dalberg (1813-1860), de família nobre e fortemente católica da Bavária, Acton herdou a perspicácia e inteligência do pai, além da fé crítica e progressista da mãe. Apesar de ter nascido em Nápoles (Itália), em 1834, Lord Acton teve sua cidadania britânica afirmada devido à sua ascendência paterna, mas foi na terra de Edmund Burke (1729-1797), a Irlanda, que se notabilizou nas críticas políticas e posições sociais pouco convencionais entre seus pares católicos.

Em 1840, sua mãe casara-se pela segunda vez, agora com Lord Granville (1815-1891), então ministro das Relações Exteriores do Governo Britânico; foi a partir dos círculos de amizade de seu padrasto que Acton teve seu primeiro contato com as ideias e sumidades do Partido Whig, bem como com os princípios gerais do pensamento liberal ainda em construção naqueles dias. Teria sido dessa forma, na mesa de jantar da família, que, ainda criança, as ideias de Edmund Burke foram vaporizadas em seus ouvidos. Mais tarde ele admiraria e criticaria (ao mesmo tempo) o irlandês, comumente considerado o pai do conservadorismo político moderno. Para Acton, Burke teria sido paradoxal em muitas das ideias que defendia, e, apesar de ser genial na retórica política, ao condenar os impulsos revolucionário dos franceses enquanto, cada vez mais, apoiava os revolucionários americanos, se tornou criticável e confuso segundo o historiador. No entanto, apesar das críticas públicas a Burke, quando ficou sabendo que o irlandês não terminou sua obra sobre a história da Inglaterra, porque David Hume (1711-1776) escrevera um livro com o mesmo tema, teria dito que lamentava profundamente que a história inglesa tivesse sido escrita por Hume, e não por Burke, revelando assim, mais uma vez, uma admiração tácita ao pai do conservadorismo.

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Ainda criança, Acton foi educado sob uma rígida, ainda que liberal, fé católica, estudando na Oscott College, que seguia a linhagem pedagógica do memorável cardeal Nicholas Patrick Stephen Wiseman (1802-1865) – o primeiro cardeal católico romano a residir na Inglaterra após a reforma protestante anglicana. Já na fase adulta, o jovem Acton foi impedido de estudar na Universidade de Cambridge, pois era publicamente um católico romano, tendo, assim, que se mudar para Alemanha a fim de estudar na Universidade Ludwig Maximilian. Lá ele viveu com a sua mais cara influência intelectual, o alemão Johann Joseph Ignaz von Döllinger (1799-1890), filósofo, teólogo e historiador eclesiástico católico. Mais tarde, Lord Acton diria que foi Döllinger que instituiu nele o amor pelos estudos críticos da história moderna, bem como o apreço pela crítica política em prol da liberdade individual – muito comum na Áustria e Alemanha daqueles dias. Foi justamente nessa época que ele começou a obter o maior número de livros possível, a fim de compor uma biblioteca pessoal; sua missão era, dizia aos seus amigos próximos, escrever um livro sobre a “História da liberdade” – como veremos mais adiante, uma perspectiva que ele de fato cumpriu.

Após os anos de estudo, Acton viajou pelo mundo, passando pelos Estados Unidos – país que, posteriormente, parecia não nutrir lá tanto apreço como Edmund Burke, por exemplo, nutrira antes – e por outros países da Europa, como França e sua terra natal, Itália. Em 1856, ele teve sua primeira e efetiva participação a serviço do governo inglês. Sob a tutela de seu padrasto, participou da comitiva que foi a Moscou com missões diplomáticas tratar com o próprio Alexandre II (1845-1894). Após retornar para a Inglaterra, em 1859, estabeleceu-se na pacata Aldenham; nesse mesmo ano, pelo Partido Whig, foi eleito para a Câmara dos Comuns pelo eleitorado de Carlow. Ao mesmo tempo em que assumia suas funções públicas, recebeu a incumbência extremamente honrosa de substituir o cardeal John Henry Newman (1801-1890) na editoria da revista católica The Rambler, à época, uma das mais prestigiadas do mundo católico. As ideias do cardeal firmaram profundas estacas no pensamento de Acton. Ao analisar a Revolução Francesa, por exemplo, não raro fazia referência às ideias do religioso sobre o tema. Seu conjunto de palestras sobre a Revolução Francesa, ministradas em Cambridge de 1895 a 1899, acaba de ser lançado no Brasil pela LVM Editora, no Clube do Livro Ludovico, sob o título Revolução Francesa em 22 lições.

Tal posição social de editor-chefe de uma das mais respeitadas publicações católicas no mundo deu enorme prestígio ao historiador, já que o próprio cardeal católico, Newman, gozava de enorme popularidade na Inglaterra dado à sua conversão meteórica do anglicanismo para o catolicismo romano, bem como sua combativa e polêmica apologética das crenças católicas. Acton, dessa maneira, passou a ser visto como um homem combativo e convicto de sua fé católica, atuando – direta e indiretamente – no seio do governo inglês. Era tudo o que os liberais da época queriam: um erudito, respeitado, liberal e católico para servir de escudo e espada contra os Tory.

Em 1864, entretanto, teve que abandonar o posto de editor-chefe da revista. Acton era um profundo crítico do dogma da infalibilidade papal, e de outras doutrinas centralistas da Igreja Católica. Segundo seus biógrafos, as críticas da revista se acentuaram ante as doutrinas mais polêmicas da Igreja, gestando no seio eclesiástico inglês um amargor e um medo de represálias do Vaticano. Assim, no final de 1864, ele sai do cargo, mas mantém suas posições e ainda acentua suas críticas, principalmente, nas publicações North British Review e The Chronicle. Apesar da postura constantemente ácida com relação a muitas doutrinas católicas, ele constantemente dizia aos seus amigos próximos que preferia a morte do que perder a comunhão com Roma. Muitos, até hoje, consideram essa postura uma espécie de charme eleitoreiro do historiador, que tinha em seu catolicismo uma das suas armas liberais na Inglaterra; outros, por sua vez, consideram ser sincero o sentimento de Acton, sentimento esse principalmente plantado pela tradição familiar sob a qual foi criado.

Indo para outras brigas públicas do biografado, uma das principais, e ainda hoje pouco exploradas, contendas assumidas por Acton foi o seu apoio explícito ao Sul na Guerra Civil Americana. Apesar de apoiar o modelo federativo descentralizado, o qual, muitas vezes, disse ser o único que pode de fato assegurar a liberdade individual, os sulistas americanos eram naturalmente pintados na Inglaterra como escravagistas e conservadores inflexíveis. Em muitas cartas trocadas com Robert E. Lee (1807-1870), ele diz explicitamente lamentar a queda do Sul ante as tropas de Abraham Lincoln (1809-1865). Sua posição nesse combate, na verdade, foi tabu entre os protestantes Tory da Grã-Bretanha, pois a posição pró-Sul na Guerra Civil Americana era, em larga escala, endossada publicamente pelos católicos –, muitos clérigos, inclusive, faziam-no publicamente.

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Em 1865, casou-se com sua prima, Condessa Marie Anna Ludomilla Euphrosyne Arco-Valley, com quem teve sete filhos. E, em 1869, pelas mãos da rainha Victória (1819-1901), recebeu uma distinção real pelos seus feitos, passando a ser o Barão Acton; e, por influência de seu amigo, o primeiro-ministro William Ewart Gladstone (1809-1898), recebeu o direito de usar o título de “Lord”. Sua vida pública mais louvável, porém, se deu mesmo na academia, principalmente em Cambridge, mas também é constantemente lembrado pela sua passagem na política, durante seis anos, de 1859 a 1865. Sua fama mundial se espalhou apadrinhado por Gladstone, que o considerava um conselheiro político de primeira ordem.

O historiador vivia, basicamente, das rendas advindas das terras herdadas de seu pai, mas tinha adendos salariais devido a seus trabalhos editoriais e catedráticos. E, além de historiador e editor, Acton foi o responsável direto pela preparação textual da famosa edição Cambridge Modern History, o que lhe rendeu mais prestígios póstumos do que em vida. Além disso, o historiador se notabilizou ao compor os magníficos volumes da história da liberdade: The History of Freedom in Antiquity (1877) e The History of Freedom in Christianity (1877), que anteriormente foram palestras e ensaios publicados esparsamente em periódicos. Apesar do intelecto grandioso, é fato notório que não saiu escrevendo livros como seus pares intelectuais costumavam fazer, o que deixou aos montes foram ensaios e palestras, estas, por vezes, anotadas por seus alunos e raramente escritas integralmente em algum lugar pelo próprio autor, fazendo com que os editores de Cambridge encontrassem dessas palestras, muitas vezes, apenas anotações e esquemas. Apesar das poucas obras concluídas, quem assistiu a suas aulas e conviveu com ele, seja na vida pessoal, como Gladstone, ou na academia, identificou em Acton um dos mais brilhantes intelectos de seu tempo. Não raro era apresentado como um dos mais célebres pensadores ingleses do final do século XIX; sua fama fez com que seus raros escritos e frases se tornassem manuais básicos no Partido Whig e epígrafes memoráveis de defensores da liberdade individual das décadas seguintes no mundo todo. Que real liberal nunca leu ou ouviu a máxima “O poder tende a corromper, o poder absoluto tende a corromper absolutamente”?

Desde 1901, a saúde de Lord Acton piorou muito, em decorrência de um derrame sofrido na primeira metade desse ano, no entanto ele só veio a falecer em 19 de junho de 1902, devido às sequelas do referido acidente vascular. Seu corpo encontra-se enterrado perto do Lago Tegernsee, nos Alpes Bávaros, sul da Alemanha.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]