"Vocês não têm nada para comemorar", gritou Jinder Mahal ao microfone no Dunkin' Donuts Center. O atual campeão da World Wrestling Entertainment (WWE) vestia turbante preto e terno cinza e tinha o cinturão gigante apoiado sobre o ombro. Ele fez uma grande careta e continuou: "Mas, para o meu povo, hoje é o Dia da Independência da maior nação do mundo, a grande nação da Índia!"
Milhares de fãs pularam das cadeiras, fizeram sinal de negativo e urraram em reprovação. O "SmackDown Live", um dos eventos semanais de WWE transmitidos ao vivo pela televisão, tinha apenas começado, e Jinder Mahal (nome verdadeiro de Yuvraj Singh Dhesi) usava uma celebração de sua cultura para incendiar o público. O ringue de luta estava decorado com um tapete luxuoso; um grupo de dançarinos de bhangra desceu pela rampa de entrada; e uma mulher com roupa típica roxa cantou o hino nacional indiano.
Dhesi, primeiro campeão de WWE de origem indiana, faz o papel de vilão na luta livre, então, sua função é irritar a plateia. Como parte de seu personagem, ele cutuca a multidão com declarações de confronto cultural, dizendo que os norte-americanos são ignorantes demais para perceber a grandeza dos imigrantes – e, portanto, dele mesmo.
A retórica acalorada muitas vezes parece com a que vemos em uma mesa redonda na TV a cabo e não com algo que se passa num ringue de luta. Esse ato aconteceu em 20 de agosto, no SummerSlam, um dos mais importantes palcos da WWE, numa das maiores atrações de pay-per-view da empresa de esportes de entretenimento, onde Jinder Mahal derrotou o astro em ascensão Shinsuke Nakamura.
Os artistas da WWE sempre se valeram do patriotismo e de narrativas no estilo "nós contra eles". Na década de 1980, uma equipe de luta livre contava com Iron Sheik e Nikolai Volkoff tremulando as bandeiras do Irã e da URSS. Na década seguinte, o Sergeant Slaughter, antigo patriota, passou a simpatizar com o Iraque. Nos últimos tempos, Miroslav Barnyashev, atleta búlgaro que compete usando o nome Rusev, enfrentou John Cena numa "luta das bandeiras"; a dos Estados Unidos venceu.
Um dos pilares da campanha eleitoral do presidente Donald Trump era reduzir a imigração ilegal, e seu discurso polêmico muitas vezes ligou imigração ao crime, motivando protestos no país inteiro.
Tanto Dhesi quanto os executivos da WWE negam que seu enredo tenha motivação política ou tenha sido criado para enviar mensagens sutis, mesmo que a empresa venha fazendo um grande investimento para se tornar um produto global. A WWE busca crescer na Índia, país onde o esporte de entretenimento já é popular, com um público potencial de 1,3 bilhão de pessoas. Sua programação agora está disponível em 180 países e em 650 milhões de casas, segundo um porta-voz.
Na véspera do "SmackDown Live", Dhesi, sem incorporar o personagem, circulava pelos bastidores do Centro MassMutual em Springfield, Massachusetts. Sem camisa e usando malha de spandex roxa e preta com uma flor de lótus (um símbolo sagrado na Índia) estampada, utilizava fitas elásticas para "bombar" – fazer exercícios de solo para dar uma cara ainda mais malhada aos seus músculos protuberantes. Embora estivesse relaxado, amigável e excessivamente educado, ele também se mostrava concentrado.
"No começo, eu dizia a Vince McMahon: 'Ei, vou pegar as chaves do reino'", Dhesi declarou horas antes no hotel, referindo-se ao presidente da WWE. "Um dia, este lugar será meu."
A jornada começou em Calgary, Alberta, província do Canadá. Os pais de Dhesi imigraram para os Estados Unidos vindos do Punjab, estado no norte da Índia, e depois se estabeleceram no país vizinho. Dhesi, agora com 31 anos, não foi o primeiro da família a se dedicar à luta. O tio, Gama Singh, atuou na década de 1980 na Stampede Wrestling de Calgary. Dhesi cresceu idolatrando os personagens de Terry Bollea (Hulk Hogan) e Dwayne Johnson (The Rock). Após estudar Administração na Universidade de Calgary, começou a treinar, com a aprovação dos pais.
Dhesi entrou para a WWE em 2011 e passou três anos aprimorando seus talentos ou, para dizer de uma maneira menos educada, servindo como perdedor profissional. No mundo da luta livre, ele era um artista cuja existência se devia basicamente a deixar os outros parecerem melhores.
"Eu estava focado na derrota", conta Dhesi. "Havia ficado complacente, o que é o beijo da morte na WWE."
Ele foi liberado em 2014, mas decidiu se dedicar à luta livre.
"Tinha gente com a minha idade entrando na WWE vindo do futebol americano e de outros esportes, então percebi que, se voltasse a me concentrar, se recuperasse meu ímpeto, não haveria motivos para não voltar à WWE", afirma Dhesi.
A primeira medida foi entrar em forma. Deixou de tomar bebidas alcoólicas, que culpa por sua falta de motivação, parou de comer porcarias e adotou um treinamento radical. No verão de 2016, recebeu um telefonema inesperado da WWE. Será que gostaria de voltar?
Quando regressou, Jinder Mahal continuava beijando a lona, mas, em abril, sua história sofreu uma renovação criativa. Naquela época, o artifício de Dhesi era promover a paz, mas McMahon efetuou uma mudança. Ele pediu para Jinder Mahal falar sobre suas raízes de imigrante e sobre o declínio dos EUA. Dhesi, que só foi visitar a Índia quando tinha dez anos, a princípio não se sentiu à vontade, mas executou devidamente os desejos do chefe. Em Iowa, ele atacou o então campeão Randy Orton.
"Randy, você é igual a essas pessoas!", Dhesi falou aos berros com um olhar penetrante. "Você me desrespeita só porque pareço diferente! Você me desrespeita por causa da sua arrogância e da sua falta de tolerância!"
Ele usava turbante. Depois, falou punjabi, a língua dos pais. A multidão não aprovou.
"A reação foi ótima, ouvi a plateia naquele dia", conta Dhesi. "Virei um astro apenas com aquela promoção." Com mais olhos atentos em seu físico gigante, especulou-se que ele usava esteroides. Dhesi foi aprovado em todos os exames antidoping exigidos pela WWE.
Poucas semanas depois, em maio, Dhesi ganhou o campeonato no evento de pay-per-view "Backlash". Embora não fosse difícil perceber que o personagem se inclinava à retórica quente da imigração, "nós não somos diferentes de um ótimo livro, uma ótima peça, um ótimo filme, uma ópera e, de forma mais aplicável, de um balé", diz Stephanie McMahon, diretora de marca da WWE que às vezes também luta.
"Nós contamos histórias de protagonistas contra antagonistas com resolução de conflito. A única diferença é que nossos conflitos são resolvidos dentro de um ringue de seis por seis metros."
Em Providence, Mohan Srinivasan, que imigrou da Índia para os EUA em 1987, foi ao "SmackDown" com o filho de 20 anos, Siddarth Mohan, aluno da Universidade de Connecticut. Fãs de carteirinha de luta livre, os dois viram com orgulho o crescimento de Dhesi.
"A Índia está recebendo uma exposição nessa empresa como nunca se viu antes", afirmou Mohan.
No pano de fundo da ascensão de Jinder Mahal está a investida da WWE na Índia, onde o estrelato de Dhesi cresce rapidamente. Segundo Michelle Wilson, diretora de receita e marketing da empresa, a WWE espera voltar ao país neste ano para pelo menos mais um evento. Ela afirmou que 60 milhões de telespectadores indianos assistem à programação da WWE toda semana. A empresa lançou um novo programa semanal, "WWE Sunday Dhamaal", que resume as melhores lutas em híndi. Em abril, a companhia realizou testes em Dubai, e mais de 25 por cento dos participantes eram da Índia.
Quer tenha essa intenção ou não, o personagem de Dhesi evoca a dinâmica turbulenta da imigração nos Estados Unidos.
"Estou muito contente que tenham dado o título para ele", disse Robert Everson, 27 anos, após o evento em Springfield.
"Jinder Mahal é um verdadeiro grito de alerta. Não somente para os fãs, mas para os EUA como um todo, pois quando ele fala como os norte-americanos estão reagindo ao mundo, é verdade."
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â Ideias (@ideias_gp) August 7, 2017
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