Tom Corcoran: modernização para revitalizar paróquias| Foto: Divulgação/Rebuild Parish
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As missas na Igreja da Natividade, nos arredores de Baltimore, não parecem missas.
Quando a celebração começa, as únicas luzes acesas são as dos refletores direcionados para o altar, idênticos aos usados em grandes shows ou apresentações de teatro. Uma banda afinada e bem equipada toca músicas cristãs no estilo pop-rock — guitarra e bateria inclusas. O repertório inclui músicas de artistas evangélicos, como Zach Williams. Sim, parece um show. E é de propósito.

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O principal responsável pela mudança é Tom Corcoran, assistente do pároco. Ele, que preside uma organização criada para revitalizar paróquias e é autor do livro sobre o assunto, virá ao Brasil neste mês para participar do Evangelizar Summit, congresso católico que será realizado nos dias 22 e 23 de outubro em São Paulo.

Corcoran conversou com a Gazeta do Povo sobre sua estratégia para revitalizar paróquias que sofrem com a falta de fiéis. As mudanças, diz ele, não se limitam à música contemporânea. Mas não quer alarmar os mais tradicionalistas. "A mensagem do evangelho nunca muda. A verdade da nossa fé e a ortodoxia não mudam. Mas a forma como como trazemos as pessoas para a vida da Igreja e comunicamos o evangelho deve mudar com os tempos."

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Gazeta do Povo — Como começou esse projeto de revitalização de paróquias?
Tom Corcoran —
Ele surgiu da nossa própria experiência. Comecei a trabalhar em uma igreja em 1997 e, depois de alguns anos, percebi que não tínhamos realmente um plano ou uma estratégia de como fazer as coisas. Estávamos trabalhando muito duro, ficávamos esgotados. E então decidimos aprender sobre a melhor forma de tocar uma igreja. Nós estudamos igrejas evangélicas, que foram um modelo para nós. Conforme aprendíamos e incorporávamos esses elementos, montamos o nosso próprio modelo. E vimos que funcionou.

Nós sabíamos que outras igrejas poderiam se beneficiar disso. Existem outros líderes de igrejas na mesma posição que nós, e outras comunidades paroquiais que estão lutando e não estão indo tão bem quanto poderiam. Ou então elas estão indo bem, mas definitivamente poderiam estar indo muito melhor. Tudo surgiu da nossa própria experiência de aprender como fazer melhor o nosso próprio trabalho, e de pensar que tínhamos algo a ensinar aos outros.

Nos Estados Unidos, o declínio de algumas paróquias parece ter a ver com mudanças demográficas. Por exemplo: um bairro que era da comunidade italiana e passa a ter maioria chinesa. Essa é a principal razão para algumas igrejas terem fechado as portas?
A demografia é uma razão pela qual algumas paróquias estão com dificuldades atualmente. Mas não é a única razão. Muitas paróquias não atualizaram seus métodos, não servem às pessoas com intencionalidade. Há uma comunidade em Baltimore chamada Rodgers Forge. Eles estão fechando uma paróquia lá. Não há razão, demograficamente, para fechar. Há uma infinidade de famílias naquela área. As pessoas são de classe média e média alta. Então, não é uma questão financeira.

Eles estão fechando porque, sinceramente, não foram bem administrados, com intencionalidade, e não se atualizaram para ministrar para pessoas do século 21. Então, há alguns que são fruto de mudanças demográficas, e esse é um problema. Mas também há igrejas que estão em dificuldades, ou até mesmo fechando as portas, e que não deveriam estar nessa situação. Eu acredito que, com um modelo melhor de ministério, eles teriam tido sucesso.

Você pode dar alguns exemplos mais concretos da estratégia que vocês desenvolveram para recuperar paróquias?
Temos um modelo que estamos compartilhando com as paróquias e que vem da nossa própria igreja, a Igreja da Natividade. Quando olhamos para trás, vemos que não tínhamos realmente uma estrutura. Isso que temos feito também vem do estudo de outras igrejas que cresceram de forma saudável. Dizemos que há quatro estratégias que são essenciais ou uma espécie de fundamento para o que fazemos.

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Primeiro, a igreja deve criar uma experiência excelente de fim de semana. É a missa de fim de semana e quaisquer programas em torno dela, porque essa é a experiência que a maioria das pessoas tem na igreja.

Segundo, as igrejas crescem mais ao alcançar a comunidade. Elas reencontram as pessoas que não estão indo à igreja, porque nos Estados Unidos esse é um número crescente de pessoas, e descobrem como alcançar essas pessoas em sua comunidade, como falar com elas e criar um ambiente acolhedor.

Terceiro, elas crescem mais profundamente tendo um caminho claro de discipulado, para as pessoas se aprofundarem em sua fé e fortalecerem seu relacionamento com Cristo.

E, quarto, elas criam camadas de liderança, porque certamente você precisa de um pastor, mas também há uma espécie de equipe de gestão. E também líderes voluntários, que são colocados para para ajudar a paróquia a ter sucesso. Então, essas são nossas quatro âncoras: uma ótima experiência de fim de semana, um caminho claro de discipulado, crescer ao alcançar pessoas na comunidade e criar camadas de liderança.

O que a "experiência do fim de semana" inclui? A música, por exemplo, deve ser mais moderna?
Nós não ditamos necessariamente que tipo de música uma paróquia deve tocar. Nossa expressão é mais moderna. Eu diria que a música precisa ser tocada com habilidade e capacidade, e esse nem sempre é o caso em muitas paróquias. Precisa ser algo que inspire. Eu acho que uma música que é muito sombria não vai inspirar as pessoas a seguir a Cristo e se integrar à comunidade. Então, não prescrevemos um tipo específico de música. Mas temos algumas orientações: toque com habilidade, alcance sua comunidade, certifique-se de que seja algo inspirador.

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Além disso, a hospitalidade é algo importante. Temos voluntários que ajudam a cumprimentar as pessoas na porta da igreja. Temos alguém para ajudar no nosso estacionamento. Temos café depois da missa. O objetivo dos ministros de hospitalidade é fazer as pessoas se sentirem bem-vindas desde o minuto em que pisam em nosso campus. E também é preciso ser intencional na homilia e na comunicação. Tentamos ajudar as paróquias a planejar suas homilias e sua comunicação de forma que todos na igreja ouçam uma mensagem unificada. Em resumo: música, ministros e mensagem. 

Alguns tradicionalistas podem dizer que não é preciso atualizar os métodos ou a missa porque a Igreja nunca precisou abrir mão da tradição para sobreviver. Como você responderia?
Em primeiro lugar, eu diria que os santos trouxeram atualizações ao longo dos séculos. São Bento, no século 7, trouxe uma atualização. Ele deu início ao monasticismo em reação à queda de Roma. O monasticismo era necessário para servir à Igreja. Santo Inácio de Loyola fundou os jesuítas para formar missionários e servir à Igreja em novo tempo, com novos métodos. Foi uma resposta à Reforma Protestante, para enviar missionários em um tempo onde se descobriram novas terras com Colombo.

Nós temos que servir à nossa geração. Atos 13 diz que o Rei Davi serviu a Deus em sua geração. Cada geração tem seus próprios tempos e desafios e precisa responder apropriadamente. De certa forma, isso se encaixa com o que temos feito, que é usar a tecnologia para promover o evangelho. A mensagem do evangelho nunca muda. A verdade da nossa fé e a ortodoxia não mudam. Mas a forma como como trazemos as pessoas para a vida da Igreja e comunicamos o evangelho deve mudar com os tempos.

Quais foram os resultados obtidos com esse novo método na sua paróquia?
Nós tivemos um grande crescimento. Quando começamos, tínhamos cerca de 1.500 pessoas Agora, quando você inclui online, que é um fator novo, temos cerca de 4.500 pessoas envolvidas em um fim de semana comum. Nós temos muitos pequenos grupos, que se encontram pessoalmente. Não havia nenhum grupo do tipo quando começamos. Mais de 2.000 pessoas participam de um pequeno grupo.

As contribuições financeiras estão aumentando incrivelmente. Não é algo que acontece de um dia para o outro, mas hoje temos um orçamento anual de aproximadamente US$ 7 milhões, provavelmente algo impensável para a maioria das paróquias. O nosso orçamento era inferior a US$ 1 milhão na época em que começamos. Essas são as principais métricas para que apontaríamos em nossa própria igreja. E agora estamos tentando obter esse tipo de resultado em outras igrejas com as quais trabalhamos e que têm crescido.

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Alguém pode dizer que você obteve sucesso porque já começou com uma grande paróquia. Há alguma esperança para paróquias pequenas que têm sofrido com uma diminuição no número de fiéis?
A escala do que será sua paróquia depende de onde ela está localizada. É aí que a demografia importa. Se você estiver em uma área rural, os números serão diferentes de um lugar suburbano onde há muitas comunidades. Mas, sim, eu acredito que os nossos princípios são aplicáveis ​​em qualquer lugar.

Por exemplo: qualquer paróquia pode ter pessoas para cumprimentar quem chega e criar um ambiente onde as pessoas se sintam bem-vindas. Se você puder criar esse ambiente, mais pessoas serão atraídas para sua igreja. Qualquer padre pode gastar um pouco mais de tempo para ser mais intencional sobre sua homilia. Isso não requer dinheiro. Só exige um pouco de foco.

De um ponto de vista puramente organizacional, as igrejas evangélicas têm mais flexibilidade para tentar se ajustar e se adaptar? E é por isso que elas têm mais sucesso em atrair novos fiéis?
Na verdade, não. De fato, elas geralmente se saem melhor porque se preocupam com hospitalidade ou por oferecerem mais em sua experiência de fim de semana. Isso porque, no mundo católico, existe o pensamento de que se você abrir as portas e as pessoas virão por obrigação ou por causa dos sacramentos. Eu acho que os evangélicos colocam mais energia nisso. Mas eu não acho que isso nos impeça como católicos de fazer o mesmo. Às vezes alguém pode pensar, “Por que você não fala mais sobre a eucaristia?” Bem, a eucaristia não é um problema. A maioria das paróquias católicas já faz a eucaristia bem. Nós temos essa tradição que nos foi passada, e nós a continuamos.

A razão pela qual as igrejas estão fechando é por não fazerem essas coisas que são feitas nas igrejas protestantes e que poderíamos fazer. É apresentar a Bíblia de uma forma que se relacione com as pessoas. A Bíblia não é um livro protestante. Eu acredito que é um livro católico.

Os protestantes estão se saindo melhor em acolher as pessoas. Jesus acolheu as pessoas. Ele queria alcançar os perdidos. Ele tinha um foco. Quando ele foi para Jericó, todas essas pessoas o seguiam, mas ele cuidou de Zaqueu, que estava perdido. Então, no mundo católico, muitas vezes há um mapa mental que ignora essas coisas. Mas não é por causa da nossa fé católica, é por causa de uma mentalidade que não consegue pensar de forma criativa, seja qual for a razão. Não acho que nossa fé nos imobiliza, de forma alguma.

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Um fenômeno comum no Brasil e nos Estados Unidos é que as mulheres são maioria absoluta entre as pessoas que frequentam as igrejas católicas. Você vê também um aumento na porcentagem de homens nas paróquias com as quais você trabalha?
Eu não tenho muitas estatísticas sobre isso, mas eu diria que essa é a nossa constatação também. Por exemplo: os pequenos grupos que são muito importantes para nós. Sabemos que precisamos fazer um esforço concentrado para colocar homens em pequenos grupos, e que sem essa intencionalidade haverá mais mulheres que homens.

Então, há cerca de um ano, colocamos algumas coisas em prática. Criamos pequenos grupos específicos para pais. E as mães perguntaram: “Por que você não fez pequenos grupos de mães?” Porque as mulheres já participam de pequenos grupos. Tem de haver intencionalidade para fazer coisas pequenas, como criar um pequeno grupo para os pais na manhã de domingo, quando eles deixam os seus filhos na igreja para sua educação religiosa. É preciso pensar sempre um pouco mais nos homens. Na maioria das vezes descobrimos que, em um casal, se o homem está feliz em ir à igreja, a mãe ou a esposa também virá com prazer. Ela está tentando arrastá-lo para a igreja, não o contrário.

Boa parte das igrejas evangélicas têm uma programação especial para as crianças durante o culto. Isso é raro na Igreja Católica. Você vê isso como um obstáculo também para famílias que querem ir à igreja juntas todo domingo?
Eu penso que este é mais um problema cultural. Porque há coisas que as paróquias podem fazer e estão fazendo. Por exemplo: nós temos algo chamado Liturgia Infantil da Palavra. Colocamos um nome legal nisso: o chamamos de “Viajantes do Tempo”. As crianças na idade da escola primária podem sair da missa, e elas vão para uma programação que tem uma mensagem específica para elas.

Muitas igrejas católicas fazem algo do tipo, mas elas não fazem muito bem e elas provavelmente são muito protocolares. Nós temos sido mais criativos nisso e tentado envolver as crianças. Elas ouvem uma mensagem de uma forma que se conecta a elas.

No mundo católico, as pessoas debatem se as crianças mais novas devem estar na missa ou não. Minha mãe nunca me fez ir à missa até eu ter sete anos. Então, eu sempre pensei que as crianças abaixo dessa idade devem estar em uma programação própria. Que elas ouçam a palavra de Deus de uma forma que faça sentido para elas. Não há nada que diga que uma criança de cinco anos tem que estar na missa. É mais algo cultural do que uma legalidade da Igreja.

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Há um movimento recente de pessoas buscando expressões mais formais e tradicionais do Cristianismo, como as missas de rito latino ou mesmo a Igreja Ortodoxa. Como você vê essa tendência?
Minha opinião é que devemos deixar mil flores desabrocharem, e que há diferentes abordagens que podem funcionar. Sim, há algumas pessoas que são muito atraídas pela expressão tradicional de adoração. Espero que elas sejam sempre ortodoxas e acreditem na doutrina e nos ensinamentos católicos básicos.

Mas eu também acho que deve haver expressões de adoração que sejam mais conectadas aos nossos tempos modernos, usando a tecnologia. Nós temos telas em nossa igreja e usamos música de louvor contemporânea; e isso precisa ser bem feito e bem pensado. Mas, para mim, também há lugar para a adoração tradicional. Eu acho que quando alguém na igreja começa a dizer “Meu jeito é o único jeito”, essa é uma perspectiva muito estreita.

Se Deus está abençoando algo, eu sou totalmente a favor. Meu foco é tentar levar as pessoas a Jesus. Se uma igreja mais tradicional está levando as pessoas a Jesus, então eu estou contente com isso. Mas já temos muitas dessas igrejas. Eu diria que precisamos de mais igrejas que estejam usando tecnologia e música de louvor contemporânea. Não acho que tenhamos o suficiente. Na verdade, não conheço nenhuma outra paróquia além da minha com esse perfil. Se você assistir à nossa igreja online, você vai ver como fazemos uso de iluminação, de câmeras e da tecnologia, e como usamos isso para trazer essa experiência. 

No Brasil, provavelmente há mais pessoas deixando a Igreja Católica para se tornar evangélicos do que católicos se tornando descrentes. Você acha que o Brasil também tem algo a se beneficiar da sua abordagem?
Com um entendimento superficial do Brasil, me parece que está acontecendo o mesmo que aconteceu nos Estados Unidos cerca de 25 anos atrás. Muitos estavam deixando a Igreja Católica e indo para igrejas evangélicas. Eu penso que podemos aprender uns com os outros. Como mencionamos em nosso livro, somos irmãos separados. Eu realmente creio que os evangélicos podem aprender com os católicos, e acredito que os católicos podem aprender com os evangélicos.

Podemos trazer algo de novo: essa compreensão do mundo evangélico, e isso vai ajudar nossas igrejas a crescer e parar essa hemorragia. Elas descobrirão que podem ter de volta alguns dos elementos que deixaram quando saíram da Igreja Católica. Eles podem ter tanto a eucaristia e os sacramentos quanto a comunidade, a conexão e o foco na Palavra de Deus que elas encontram nas igrejas evangélicas.

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Na sua paróquia, os novos fiéis são pessoas de origem católica que haviam deixado a Igreja ou pessoas vindas de outras tradições religiosas?
Nossa paróquia está em uma área bem católica dos Estados Unidos. Então, na maioria das vezes, essas pessoas são católicos que haviam deixado de frequentar a igreja. Há pessoas que frequentaram outras igrejas por um tempo e agora estão voltando para a Igreja Católica. Mas às vezes temos pessoas que nunca foram a nenhuma igreja e agora estão vindo. Ou pessoas que tinham saído por um tempo e parado de ir a qualquer igreja. 

Nos Estados Unidos, algumas denominações têm uma liturgia tradicional mas uma teologia progressista. Outras têm uma liturgia mais moderna mas uma teologia ortodoxa. É possível dizer que a sua mensagem é a de que tudo o que for essencial não deve ser modificado, mas todo o resto deve ser adaptado para os nossos tempos?Os católicos têm uma liturgia, ao contrário do que acontece nas igrejas evangélicas — embora eu ache que no fim das contas elas desenvolvem sua própria liturgia. Eu não acho que você pode escapar disso. Mas há, sim, rubricas para a missa. Ao mesmo tempo, eu estava no Quênia em agosto passado, e lá a celebração da missa é totalmente diferente que em Roma ou Paris.

Muitas vezes as pessoas pensam que a Igreja Católica é esse monólito totalmente inflexível. Eu acho que há muito mais flexibilidade na Igreja Católica do que muitas vezes pensamos. O Concílio Vaticano II trouxe uma abertura para a missa ser celebrada de muitas maneiras diferentes, de acordo com o contexto cultural. A missa é a mesma, em sua essência. Mas há, sim, muita margem de manobra sobre como uma comunidade comunica isso. E eu penso que essa é uma coisa boa.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]