A renovação no poder está completa. Liderando um partido que sequer existia há um ano e meio atrás, e sendo ele próprio um candidato que jamais havia passado pelas urnas antes de 2017, Emmanuel Macron conquistou nova vitória neste domingo: eleito presidente em abril com mais de 66% dos votos, Macron agora também viu seu partido obter a maioria absoluta na Assembleia francesa – o maior domínio governista em seis décadas.
Em eleições legislativas marcadas por altos índices de abstenção, que fizeram a oposição questionar a legitimidade da vitória, a coalizão presidencial entre o República Em Marcha (REM) e o Movimento Democrático (Modem) obteve uma aparente carta verde para levar adiante as promessas de Macron. O número de assentos para os aliados do presidente ficou em 350, de um total de 577 possíveis, dando amplos poderes a Macron para estabelecer as suas políticas nos próximos cinco anos.
A dimensão da vitória
Desde a fundação da chamada Quinta República Francesa por Charles de Gaulle, em 1958, um partido governista não obtinha uma maioria tão decisiva no Parlamento: Macron controlará mais de 60% da representação legislativa. A única vez em que números superiores foram atingidos foi em 1993, quando a coalizão conservadora liderada por Jacques Chirac obteve cerca de 84% das vagas, com uma plataforma de oposição ao governo do socialista François Mitterrand.
Na época, Chirac chegou a exigir a renúncia de Mitterrand, alegando que as urnas deixavam clara a rejeição ao seu governo, mas as duas partes acabaram chegando a um meio-termo: pelos dois anos seguintes, a França viveu o chamado governo de “coabitação”, com o presidente tendo de conviver com um Primeiro Ministro indicado pela oposição. Em 1995, finalmente, o próprio Chirac venceu as eleições presidenciais, mas ele mesmo não pôde tirar proveito da maioria parlamentar por muito tempo – nas eleições legislativas antecipadas de 1997, os socialistas recuperaram a maioria no Congresso.
O real poder do presidente
A situação com que Macron se depara, portanto, não tem precedentes na história recente da França: trata-se da mais significativa vitória parlamentar obtida pelos aliados de um presidente em exercício. Analistas apontam que o poder do presidente pode ser ainda maior do que os números indicam: apostando na imagem de ser um “partido novo” e formado por outsiders, o REM concorreu com diversos candidatos sem grande rodagem e, pela falta de peso político próprio, teoricamente mais inclinados a seguir o presidente sem contestações. Sua plataforma centrista também ajudou a atrair votos de dissidentes tanto do Partido Socialista, à esquerda, quanto dos Republicanos, à direita.
Grande parte dos representantes eleitos pela coalizão governista são nomes geralmente desconhecidos do grande público francês e, como o próprio Macron (no cargo há menos de quarenta dias), ainda têm suas posturas políticas consideradas uma incógnita. Foram as eleições em que mais nomes novos garantiram lugar na Assembleia: nada menos que 75% dos deputados serão renovados. A julgar pelos discursos do presidente e de seus correligionários, a França deve esperar uma série de reformas pró-mercado, favoráveis à flexibilização das leis trabalhistas e, ainda, dispostas a reformar a União Europeia sem, no entanto, jamais abandoná-la.
Na prática, a maioria absoluta garante a Macron a capacidade de governar praticamente sem depender da oposição – e o sucesso de seu governo ficará pendente da efetividade e receptividade de suas políticas, sobretudo aquelas vistas com relutância por modificarem o Estado de bem-estar social. O precedente histórico existe e serve de alerta: no curto período em que Chirac governou com a maioria absoluta nos anos 90, suas tentativas de implantar medidas de austeridade econômica e flexibilização nas relações de trabalho enfrentaram pesada oposição, levando à dissolução do Parlamento e à convocação das eleições legislativas antecipadas de 1997, quando Chirac perdeu a maioria.
Frente Nacional medíocre
“Ele deve saber que suas ideias não são aquelas da maioria no país e que os franceses não vão apoiar um projeto que enfraqueça nossa nação”, declarou Marine Le Pen, líder da ultradireitista Frente Nacional, após a divulgação dos primeiros resultados no domingo. Le Pen, que chegou ao segundo turno das eleições presidenciais e obteve a votação mais alta da história de seu partido, concorreu no pleito de ontem e foi eleita ao Congresso francês pela primeira vez – ela já ocupava um posto no Parlamento Europeu.
A oposição sustenta seu argumento a partir da alta abstenção: com um comparecimento de apenas 42,6% do eleitorado, estas foram as eleições legislativas com menor participação entre todas as celebradas na Quinta República. No limite, isso significa que os cerca de 8,9 milhões de votos recebidos pela coligação presidencial representam menos de 20% do total de 47,5 milhões de eleitores habilitados na França.
De todo modo, o resultado frustrou a FN que, após receber uma votação recorde no pleito presidencial, fez apenas 8 parlamentares – contra uma expectativa de cerca de 15. A maior coalizão oposicionista será a liderada pelos Republicanos, único partido tradicional que conseguiu manter certo peso: com 137 assentos, os conservadores veem uma redução de quase cem representantes em relação aos números de 2012. Na extrema-esquerda, o movimento França Insubmissa, liderado pelo ex-presidenciável Jean-Luc Mélenchon, e o Partido Comunista Francês, elegeram 27 nomes em conjunto.
O Partido Socialista em ruínas
Mas ninguém sofreu mais nesse ciclo eleitoral francês do que o Partido Socialista: em 2012, o PS havia saído das urnas tendo feito o presidente, François Hollande, e também o maior número de assentos (280 ou 48,5%) no Parlamento. Cinco anos depois, a esquerda tradicional francesa está sem rumo: Hollande sequer tentou a reeleição e seu nome para a presidência, Benoît Hamon, ficou num decepcionante quinto lugar – o pior resultado de um situacionista na história recente. Nas eleições legislativas, o PS continua ferido de morte: tem perdas estimadas em quase 90% da sua representação e elegeu apenas 29 nomes. Somado ao restante da esquerda tradicionalmente aliada ao PS, o número continua sendo o menor da história: ao todo, 44 representantes.
Vivendo uma debandada geral de seus quadros – o próprio Macron passou de protegido de Hollande a líder do principal movimento a esvaziar o PS em questão de dois anos –, os socialistas ainda ponderam as razões de seu fracasso. Jean-Christophe Cambadélis, líder do PS, foi derrotado em seu próprio distrito eleitoral, ficando de fora da nova Assembleia, e anunciou sua renúncia ao comando da sigla. Em seu discurso de adeus, Cambadélis falou da necessidade da esquerda de “mudar tudo: sua forma e substância, suas ideias e sua organização”.
A pesada derrota do PS já era anunciada há dias: as eleições parlamentares francesas funcionam num sistema de dois turnos e, após a primeira rodada de votações no dia 11 de junho, os esquerdistas haviam classificado menos de setenta nomes. “O PS está claramente morto”, declarou então o ex-deputado socialista Jean-Marie Le Guen. Entre as derrotas mais notáveis na corrida ao Parlamento está a de Benoît Hamon, que apenas dois meses atrás era a aposta do partido para presidir o país.
Perspectivas para o futuro
A preocupação dos socialistas é acentuada pelo fato de que nem na histórica derrota de 1993 seus resultados haviam sido tão fracos – à época, o PS elegeu 57 nomes. “O partido está em risco de extinção. [Em 1993] havia um líder, François Mitterrand; uma organização; uma estratégia, a união da esquerda; uma ideologia, a ruptura com o capitalismo. Nada disso existe mais”, disse Gilles Finchelstein, diretor da fundação socialista Jean-Jaurès, ao jornal Le Figaro.
O partido culpa Hollande por ter se afastado das ideias de esquerda e ter permitido o crescimento da oposição dentro das próprias fileiras do PS, mas o problema vai além: sem saber se renovar, os socialistas viram boa parte do voto jovem se afastar das suas posições políticas e acabar conquistado pela FN de Le Pen e pelo REM de Macron. Já o eleitorado mais à esquerda, sentindo-se traído pela incapacidade recente dos socialistas de levar adiante seu projeto histórico, passou a apoiar nomes mais extremos como Mélenchon e sua França Insubmissa.
Mitterrand e Hollande agora são passado e a máquina política do PS parece ter atingido um ponto de exaustão do qual não sabe se vai sair. Hoje, o futuro da França não está em nenhuma ponta do espectro político, e sim nas mãos do jovem Macron e de sua novíssima sigla cuja ideologia ainda não foi totalmente esclarecida aos franceses. O que exatamente é este futuro ainda está por ser visto – mas, neste domingo, o presidente garantiu todas as condições políticas para moldá-lo da maneira que desejar.