O presidente francês, Emmanuel Macron: incentivo para que cientistas, engenheiros e empreendedores preocupados com mudanças climáticas vejam a França como uma “segunda pátria| Foto: ETIENNE LAURENT/ AFP

Primeiro, quando o governo Trump propôs derrubar os orçamentos federais para a ciência e após, em 1º de junho, quando o presidente retirou os Estados Unidos do acordo de Paris sobre o clima, Macron foi às redes sociais oferecer (em um inglês perfeito) receber de braços abertos – e com os bolsos cheios de verbas para pesquisa – cientistas americanos preocupados com as políticas do clima e o aquecimento global. 

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Macron encorajou cientistas climáticos, engenheiros e empreendedores preocupados a verem a França como uma “segunda pátria” e irem trabalhar lá porque “todos nós partilhamos da mesma responsabilidade: tornar o nosso planeta grande de novo”. 

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Agora, dois anos após o acordo de Paris sobre o clima ter sido adotado, o governo francês está liberando a lista dos 18 “laureados” – 13 dos quais trabalham nos Estados Unidos – que venceram uma competição intitulada “Torne o nosso planeta grande de novo”, que dava bolsas de pesquisa com a duração de cinco anos. Dentre os vencedores estão incluídos professores e pesquisadores das universidades americanas de Cornell, Columbia, Stanford e outras instituições. 

“Para mim, a chance de trabalhar com certas questões científicas muito interessantes com meus colegas franceses, não ser tão dependente das coisas malucas que acontecem no Congresso e com a atual administração [americana], é honestamente muito atrativo”, disse Louis Derry, professor especialista em ciências atmosféricas e da Terra, em uma entrevista. “Mas pode ser também vergonhoso tentar explicar o que está acontecendo agora em meu país de origem.” 

Derry lamentou a “desvalorização da ciência por parte desta administração”. Ele disse ainda que o plano de tributação que o Congresso está considerando teria um efeito “catastrófico” em alunos de pós-graduação. “Eu não acho que o país se beneficiaria com isso”, disse. 

A oferta do governo francês atraiu 1822 candidatos, dos quais quase dois terços vieram dos Estados Unidos. O ministério de pesquisa da França reduziu este número para 450 candidatos de “alto nível” para efetuarem projetos a longo prazo. Uma segunda rodada de bolsas será dada em uma parceria com a Alemanha. 

Corinne Le Quéré, professora de ciência e política de mudanças climáticas e diretora do Centro Tyndall para a Pesquisa em Mudanças Climáticas na Universidade de East Anglia, na Grã-Bretanha, ajudou o governo francês a selecionar esta primeira rodada de ganhadores da bolsa. 

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Carreiras

Cerca de metade dos candidatos já trabalhavam há mais de 12 anos após terem completado seus doutorados, disse Le Quéré. Em média, a idade deles era de 45 anos e “a maioria no meio de suas carreiras”. 

“Eu me empolguei com a promessa de um contrato de 5 anos!”, disse Alessandra Giannini, professora veterana do Instituto da Terra na Universidade de Columbia que estuda os efeitos que o aquecimento dos oceanos causa no Sahel (faixa de terra que atravessa o norte do continente africano). 

Ela viu o vídeo de Macron e, cansada das bolsas de curto prazo e preocupada com as crescentes pressões orçamentárias nos Estados Unidos, candidatou-se. “Eu sou uma cientista em meio de carreira quase que totalmente patrocinada através de bolsas federais de pesquisa. Meu contrato com a universidade é renovado anualmente, mas condicionado aos recursos disponíveis”, escreveu. 

O pronunciamento de Macron na segunda-feira foi transmitido pela “Estação F”, sendo de certa forma um símbolo de sua visão para a França. A antiga estação de trem em uma região esquecida de Paris fora convertida em uma das maiores startups do mundo, um lugar onde aqueles que possuem grandes ideias podem arregaçar as mangas e trabalhar. Embora o projeto tenha sido lançado antes de Macron chegar ao poder, ele logo se tornou uma representação de sua presidência pró-capitalista. 

“A França tem chegado ao topo no ranking da Europa em termos de captação de recursos feita por startups – algo que não teríamos imaginado alguns anos atrás”, disse Rozanne Varza, diretora da Estação F. “O governo atual é também muito atencioso e quer nos ajudar mais do que nunca. Nós chegamos a ver empreendedores saindo do Vale do Silício e vindo até nós ou retornando para a França para criarem suas startups aqui.” 

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Bolsas

Muitos dos cientistas climáticos dos Estados Unidos já haviam passado algum tempo na França ou são originalmente europeus. Sobretudo, muitos já têm algum nível de facilidade com a língua francesa. Alguns ainda dividirão seu tempo para manterem suas posições acadêmicas nos Estados Unidos. 

Derry, um ex-geólogo de exploração mineral e petrolífera, está em Cornell desde 1994 e dividirá seu tempo entre a universidade americana e o Instituto de Física da Terra de Paris, que é parte do Centro Nacional para a Pesquisa Científica da França. Ele estudou em solo francês no início dos anos 90 e retornou por períodos de seis meses depois disso. 

O pesquisador estudou a emissão e absorção de dióxido de carbono nos Himalaias e outras áreas onde as placas tectônicas da Terra colidiram para a formação de cadeias de montanhas. 

Ele está engajado em uma zona de pesquisa “crítica”, que integra estudos sobre uma variedade de mudanças biológicas, químicas e geológicas que vão desde a superfície da Terra até a copa das árvores. Ele planeja focar seus esforços em como a água se move através de uma bacia hidrográfica; uma pesquisa similar está em andamento na França. 

Derry é diretor do escritório da Fundação Nacional para a Ciência, localizada nos Estados Unidos, responsável por nove observatórios em zonas críticas. No entanto, não está claro como eles serão financiados depois da metade de 2018

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“Esta é uma grande preocupação para todos nós, já que a infraestrutura, tanto humana quanto de equipamentos, não pode simplesmente ser desligada e religada depois”, disse. Pessoas que trabalham nos projetos da fundação “já estão, obviamente, procurando outro lugar para trabalhar”. 

Camille Parmesan, uma bióloga que é professora na Universidade de Plymouth, na Grã-Bretanha, e na Universidade de Austin, no Texas, também ganhou a bolsa e vai levar sua pesquisa para um centro de ecologia em Moulis, na França. 

Ela está explorando os efeitos das mudanças climáticas em plantas e animais silvestres. Isso inclui um detalhado trabalho de campo com espécies e comunidades específicas de borboletas assim como análises dos efeitos globais em um grupo de plantas e animais. Ela também é coautora de avaliações sobre os efeitos das mudanças climáticas em pestes de insetos na agricultura e em doenças na saúde humana. 

“Plantas e animais têm se movimentado em direção aos pólos e às montanhas – e florescendo ou se reproduzindo mais cedo durante a primavera – conforme eles tentam monitorar um clima inconstante”, ela disse por e-mail. “Esta pesquisa forneceu suporte biológico independente sobre as tendências de aquecimento mostradas nos dados climáticos e ajudou a moldar a determinação internacional de 2°C como um limite máximo para mudanças climáticas ‘perigosas’”. 

Em Moulis, Parmesan planeja estudar “como esses movimentos de animais para fora dos trópicos e para a Europa podem estar trazendo doenças tropicais para países e sistemas médicos que historicamente nunca as tiveram”. 

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Outro ganhador da bolsa francesa foi Núria Teixidó Ullod, cientista visitante na Estação Marinha Hopkins da Universidade de Stanford e cientista na Estação Zoológica Anton Dohrn em Nápoles. Sua pesquisa é financiada pelo Programa Europeu de Pesquisa. 

“O projeto de pesquisa que eu realizarei na França busca investigar como o clima e a acidificação afetam a biodiversidade marinha, bem como o potencial das espécies em adaptarem-se a essas mudanças em seu ambiente”, escreveu. 

“Esse projeto também ajudará a investigar soluções climáticas naturais para estratégias de mitigação”, disse. “Esse projeto é único porque eu trabalharei em sistemas marinhos naturais que representam um vislumbre do que os oceanos podem se tornar em um futuro próximo”. 

A pesquisa de Giannini conclusivamente demonstrou que a seca persistente que afetou o Sahel nos anos 1970 e 1980 poderia estar associada ao aumento das temperaturas da superfície do mar em todo o mundo. Isso significa que não havia necessidade de culpar as pressões da população local sobre o meio ambiente para explicar a seca. 

Recentemente, ela examinou qual parte das mudanças de temperatura da superfície podem ser atribuídas à queima de combustíveis fósseis. “No caso do Sahel, parece mais e mais ser o caso de que uma combinação de gases de efeito estufa e aerossóis específicos da segunda metade do século XX tiveram um papel importante na seca”, ela escreveu. 

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Giannini planeja realizar 15 ou 20 anos adicionais de pesquisa – “Eu amo o meu trabalho!”, contou. No entanto, ela disse que nos últimos 15 a 20 anos, tornou-se mais difícil obter financiamento federal, “o que significa a existência de muito mais propostas para submeter e reenviar, o que, em última instância, fragmenta o trabalho em partes pequenas demais para encontrar uma coesão e tempo para pensar nas questões mais importantes.” 

Agora, com pressões orçamentárias e a priorização dos gastos com defesa no lugar dos discricionários e “os brutais cortes de tributação para os ricos que estão sendo disseminados no Congresso”, ela disse que não foi difícil ver “sangue e lágrimas vindo em nossa direção”. 

“O que mais apareceu nas motivações mencionadas por muitos foi que atualmente é muito difícil conduzir pesquisas científicas inovadoras nos Estados Unidos com os planejados cortes do governo e as políticas do clima em geral, principalmente a politização da pesquisa climática”, contou Le Quéré sobre os candidatos à bolsa. Ela disse ainda que a França poderia fornecer “um ambiente muito mais fértil para a condução de pesquisas inovadoras e consequentemente assumir uma posição de liderança científica internacional.” 

Preocupação

Christine McEntee, diretora executiva da União Geofísica Americana, disse: “embora nós precisemos de cientistas de todo o mundo e em diferentes locais trabalhando em colaboração para solucionar os desafios mais críticos de nosso mundo – incluindo as mudanças climáticas – a notícia de que alguns cientistas americanos estão escolhendo mudarem-se para a França para realizarem suas pesquisas é preocupante.” 

“Nós precisamos que todos os países, incluindo os Estados Unidos, financiem bons programas federais de pesquisa climática, protejam os direitos dos cientistas de expressarem livremente suas descobertas e apoiar ações urgentes sobre as mudanças climáticas”, disse McEntee. 

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Giannini disse que planeja utilizar a bolsa francesa para analisar diferentes modelos de temperaturas oceânicas que possam explicar as secas ocorridas no Sahel e o potencial de um clima mais úmido no futuro. 

Quando perguntada se ela esperava reduzir as mudanças climáticas, ela disse “Bom, nós já estamos lá”. 

Giannini disse, no entanto, que “nós devemos fazer tudo o que for possível para controlar o aquecimento. De outra forma, eu estou convencida de que as calotas polares vão derreter e não haverá caminho de volta”. 

Ela possui família em Veneza e disse que “nada me é tão motivador quanto contemplar perder Veneza para o aumento do nível do mar cada vez que visito meus sobrinhos.”

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