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O enviado de Biden para a Conferência do Clima, John Kerry, trocou sorrisos e apertos de mão com o ditador venezuelano Nicolás Maduro nesta terça-feira (08), nos bastidores da COP27, a conferência anual da ONU que ora ocorre no Egito, como mostrou um breve vídeo do encontro. Isso lembra a reunião da ONU do ano passado, na qual Kerry abraçou outro regime envolvido em abusos generalizados contra os direitos humanos.
O clipe da Associated Press mostra Maduro e Kerry dando apertos de mão, e depois tendo uma breve conversa na qual dão risadas e sorriem. Kerry aparece balançando o dedo para Maduro e depois esfregando os dedos no que parece ser um gesto brincalhão de quem diz: "Que vergonha!"
O Departamento de Estado foi rápido em subestimar o incidente na tarde de terça-feira. O porta-voz Ned Price disse aos repórteres que a conversa não estava planejada e que as duas figuras não discutiram nada de substancial. Ainda assim, ela indica a direção para a qual o governo pode se dirigir nessa seara.
A conversa de 20 segundos se dá em meio a um empenho mais amplo do governo Biden para dar uma trégua ao regime de Maduro, suspendendo as sanções impostas por Trump por causa de preocupações com os direitos humanos e outras coisas. Muitos observadores dizem que isso pode levar a uma reversão do banimento de todas as importações de petróleo do país latino-americano.
Mês passado, o Wall Street Journal relatou que o governo está de olho numa significativa reversão das sanções sobre o regime, pavimentando o caminho para a Chevron retomar as operações na Venezuela. Como parte de um possível acordo, Caracas retomaria "de boa fé" o diálogo com a oposição venezuelana democrática. Segundo o artigo, o acordo poderia incluir a disponibilização de milhões de dólares em fundos atualmente indisponíveis ao governo venezuelano.
Os EUA de Biden continuam a reconhecer o líder oposicionista exilado, Juan Guaidó, como o presidente legítimo da Venezuela. Durante uma reunião com um grupo oposicionista no mês passado, a vice-secretária de Estado Wendy Sherman expressou seu apoio ao "retorno das negociações com o regime de Maduro", em declarações dadas na Cidade do México.
A alta no preço da gasolina, bem como o influxo de imigrantes venezuelanos na fronteira sul dos EUA, porém, podem ser as razões de o governo estar aliviando sua conduta relativa a Maduro. Esse abrandamento, por parte da Casa Branca, da posição da era Trump, também acompanhou negociações relativas a reféns norte-americanos mantidos pelo governo venezuelano. No começo de outubro, Biden anunciou o retorno de sete indivíduos detidos pelo regime de maneira indevida.
O Presidente Biden vem forjando a aparência de sua política externa nos termos de uma competição fundamental entre democracia e autoritarismo neste século. Esta virada na Venezuela coloca em xeque a sinceridade dessa abordagem. Ademais, Maduro mantém relações estreitas com adversários dos EUA, tais como o Irã e a Rússia.
Em 2016, Kerry, então Secretário de Estado, se reuniu com Maduro na Colômbia, no contexto da crescente instabilidade venezuelana. Maduro, que estava há três anos na presidência após uma eleição com acusações de fraudes, se gabou da reunião, alegando que o enviado dos EUA disse que poderia visitar a Venezuela:
"E espero que John Kerry venha logo à Venezuela também. Eu disse: "Quando você vem à Venezuela nos visitar?’. E ele: "Já que as coisas estão andando direito, irei à Venezuela’. Eu disse: "Você será bem-vindo na Venezuela, John Kerry". Então todos devemos saber que o progresso é possível.
Esta não é a primeira vez que Kerry, no sua atual função, ficou sob escrutínio por ser amigável com ditadores brutais na Conferência do Clima da ONU. Na reunião do ano passado, em Glasgow, Kerry esboçou o modelo de um acordo com sua contraparte chinesa, informando os repórteres de que as atrocidades de Pequim contra os uigures "não são da minha conta". Essas conversas com os chineses ruíram depois de Pequim se retirar delas em retaliação à recente viagem de Nancy Pelosi a Taiwan. Kerry manteve a esperança de que a China voltasse à mesa de negociações, mesmo após o enviado chinês Xie Zhenhua parar de responder aos seus emails.
A afabilidade de Kerry com Maduro também deve causar uma grande dor de cabeça ao governo, sobretudo durante as eleições de meio mandato, nas quais se espera que os Democratas percam a sua maioria em ao menos uma das casas legislativas. No Twitter, Senador Rick Scott, líder da campanha dos Republicanos ao Senado, chamou a interação de "nojenta", acrescentando que "sinaliza uma absoluta despreocupação com os males cometidos pelo regime" de Maduro.
No entanto, nenhum resultado político deve complicar demais a vida de Kerry, já que, segundo relatos, ele tem em vista uma saída depois das eleições, em parte para evitar ser chamado a depor pelos deputados Republicanos numa investigação. (O gabinete de Kerry negou que ele tenha planos de se afastar.)