A tragédia de Suzano mal tinha acontecido e o debate sobre desarmamento já corria solto nas redes sociais. A discussão sobre o armamento da população tem a ver com a segurança pública precária do Brasil e também com a politização do assunto, seja em terras brasileiras ou americanas, onde tiroteios em massa em escolas são mais comuns.
Boa parte desse debate, que é necessário, é mais constituído por frases de efeito e argumentos simplórios do que por uma análise séria — como merece o tema.
A Gazeta do Povo já publicou vários textos com bons argumentos tanto contra como a favor da liberação das armas. Em comum, eles fogem dos lugares-comuns repetidos sobre a questão e trazem dados e outras informações relevantes para refletir.
1) Reuni dados de 50 estudos sobre crimes e armas. O resultado é surpreendente
Professor na Especialização em Direito e Economia da Unicamp, Thomas Conti traduziu mais de cinquenta estudos internacionais sobre o tema publicados nos últimos cinco anos e os organizou junto com estudos brasileiros sobre a relação entre armas, crimes e violência. Suas pesquisas mostram que não há evidências que aumentar o número de armas reduz os crimes.
"Não temos evidências sequer que as armas de fogo aumentem a segurança do indivíduo que a carrega. Um estudo mostrou que em 14.000 crimes de contato ocorridos nos EUA entre 2007 e 2011, o uso de armas de fogo para autodefesa só ocorreu em 1% dos casos. A proporção de vítimas feridas foi igual entre quem usou e quem não usou armas de fogo em autodefesa. Não é tão difícil entender os motivos que levam isso a ocorrer: em qualquer situação de combate com armas de fogo, há uma vantagem imensa do lado que inicia a agressão."
2) Armas de fogo: o mundo real versus o mundo acadêmico do economicismo
Benedito Barbosa, mais conhecido apenas como Bene Barbosa, é um conhecido defensor do uso de armas para a proteção pessoal e também como expressão da liberdade individual (ele fala sobre isto neste podcast Ideias sobre o decreto sobre posse de armas assinado no início do ano pelo presidente Jair Bolsonaro). Barbosa escreveu para a Gazeta do Povo um artigo refutando os resultados da pesquisa de Conti. Para ele, "é inaceitável apoiar as restrições ou até a proibição total em uma suposta ineficiência das armas na legítima defesa, afirmando que a maioria das reações armadas acabam mal para a vítima e não para o agressor."
"(…) grande parte do uso defensivo com armas não acaba nem mesmo em disparos, como revela o estudo de Dr. Gary Kleck, criminologista da Universidade Estadual da Flórida, que aponta que armas são usadas em legítima defesa aproximadamente 2,5 milhões de vezes por ano nos Estados Unidos."
Outro ponto de Barbosa é que — mesmo que as armas de fogo não fossem instrumentos eficazes para defesa — a sociedade não poderia abrir mão delas porque “alguns seres iluminados podem decidir o que é melhor ou pior tratando todo cidadão como incapaz de fazer suas escolhas e, claro, arcar com elas.”
3) Eu pensava que desarmamento era a solução. Minha pesquisa mostrou outra coisa
Se a pesquisa de Thomas Conti, que analisou mais de 50 estudos, chegou à conclusão de que se armar não aumenta a segurança, a estatística americana Leah Libresco, que trabalha para o respeitado site de jornalismo de dados FiveThirtyEight, encontrou um resultado totalmente oposto. Ela, junto com os colegas do site, passou três meses analisando todas as 33 mil vidas que são tiradas por armas de fogo todos os anos nos Estados Unidos.
"Eu pesquisei as leis rígidas de desarmamento do Reino Unido e da Austrália e concluí que elas não indicavam muito como poderiam ser as políticas na América. Nenhum dos países apresentou diminuição de tiroteios ou outros crimes relacionados a armas de fogo que poderiam ser atribuídos às suas proibições ou recolhimentos de armas. Tiroteios eram muito raros na Austrália para ter evidências de que a sua falta pudesse ser atribuída ao programa de recolhimento de armas. E tanto na Austrália quanto no Reino Unido as restrições tiveram efeitos ambíguos em outros crimes e mortes por armas de fogo. "
Um detalhe: Libresco deixa claro que durante a pesquisa era contra as armas, e mesmo depois dela continuou não querendo armas em casa.
4) Com 10% das armas dos EUA, Brasil tem taxa de homicídios com armas de fogo 5 vezes maior
Leah Libresco chegou à conclusão de que leis rígidas de desarmamento não indicavam o caminho para países como os EUA. E para o Brasil, onde muitos clamam que a lei de desarmamento reduziu as mortes, mesmo com mais de 60 mil homicídios por ano? Em uma matéria especial para a Gazeta do Povo, Carlos Orsi faz uma análise estatística comparando os dois países e traz o desagradável dado: mesmo com menos de 10% da taxa de armas per-capita dos EUA, o Brasil possui uma taxa de homicídio quase cinco vezes maior.
Como Orsi frisa na reportagem, “como os dados muitas vezes não são confiáveis e a taxa de criminalidade depende ainda de inúmeros outros fatores (economia, educação, por exemplo), é sempre possível selecionar uma comparação que fará o seu argumento preferido soar melhor.”
Leia a reportagem e veja os problemas com os dados de um lado e de outro.
5) As recentes notícias policiais são uma prova em defesa dos cidadãos armados
Amy Swearer e Payteon Smith, do Daily Signal, que a Gazeta do Povo traduz com exclusividade no Brasil, mostram vários casos que ocorreram neste começo de ano nos EUA para mostrar que as armas auxiliam a defesa pessoal. Inclusive evitaram o que poderia entrar para as estatísticas de chacinas:
“7 de janeiro: um segurança em Huntsville, Alabama, evitou uma chacina em potencial atirando num cliente de uma casa noturna que, furioso por ter sido retirado do local, voltou atirando com um rifle semiautomático.”
6) E o que a Gazeta do Povo pensa sobre o desarmamento?
Em editorial publicado logo após Bolsonaro assinar o decreto que alterou as regras sobre porte de armas, a Gazeta do Povo lembra que nem sempre as pesquisas são uma boa maneira de pautar o debate:
“Tanto defensores do desarmamento quanto da liberação das armas têm dados para usar a favor de sua posição – há todo tipo de combinação possível entre países violentos ou pacíficos, com leis restritivas ou liberais"
E defende que, numa sociedade tomada pelo crime como a brasileira, é importante possibilitar ao cidadão algum tipo de defesa:
"O ideal é uma sociedade desarmada com um poder público eficiente no combate ao crime, mas, no cenário brasileiro, alguma possibilidade de acesso às armas para autodefesa precisa existir. O desarmamento total que alguns militantes defendem, no contexto brasileiro, pode significar colocar a sociedade à mercê da bandidagem."