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Mais do que um combatente pela liberdade, sul-africano foi uma encarnação do perdão

Mural criado na casa em que Mandela viveu nos anos 1940, na região de Alexandria, em Johannesburgo | Dylan Martinez/Reuters
Mural criado na casa em que Mandela viveu nos anos 1940, na região de Alexandria, em Johannesburgo (Foto: Dylan Martinez/Reuters)

Vejo Nelson Mandela mais como uma encarnação do perdão do que como o combatente pela liberdade pelo qual muitos o reconhecem. Podemos comprovar isso com o fato de que houve muitos combatentes pela liberdade na África, antes e depois de Mandela, que perseguiram aqueles vistos como inimigos após chegarem ao poder, mas, como presidente da África do Sul, ele organizou a famosa Comissão da Verdade e Reconciliação, em que a verdade sobre os eventos do regime do Apartheid foi revelada, e o perdão necessário foi aplicado.

O homem que foi encarcerado por 27 anos porque era contra um sistema político que favorecia a supremacia de uma raça sobre outra, a supremacia da pele branca sobre a pele negra, com a subsequente segregação. Esse seu legado de amor e perdão pode ser mais apreciado quando consideramos o fato de que o governo que o encarcerou, junto com seus colegas, estava sendo controlado, na época, por pessoas cujos pais não eram sul-africanos nativos. É o caso de um príncipe transformado em escravo pelo escravo que se fez príncipe.

Mandela foi para a cadeia como um jovem e foi solto já velho. Ele passou os melhores anos de sua vida como prisioneiro. Quando saiu, suas palavras estavam todas voltadas ao perdão. Como presidente, suas políticas visaram combater a pobreza e a desigualdade. Isso lhe garantiu o título de Tata, que significa "pai". Esse é o motivo pelo qual a África do Sul é um país tão pacífico hoje. Ninguém lá tem vinganças pessoais em mente por causa de maldades políticas cometidas no passado.

Métodos

Todos nós sabemos que ele foi preso por causa dos métodos violentos que adotou na busca pela liberdade de seu povo, sendo o líder de uma ala militar do Partido do Congresso Nacional Africano, mas isso foi em meio a todo o derramamento de sangue e crimes cometidos contra a população negra pelo governo do Apartheid.

Quando Mandela ganhou o Prêmio Nobel da Paz, muitos, especialmente europeus e americanos, criticaram os motivos de sua premiação, considerando que ele havia adotado a violência até ter sido feito prisioneiro. Mas permanecia o fato de que ele tentou acabar com o Apartheid através de meios pacíficos e negociações, seguindo o exemplo de Mahatma Gandhi (1869-1948), mas viu que o governo do Apartheid não estava interessado em paz ou em aceitar a igualdade dos negros. Sua visão política contra a violência causou o divórcio de sua segunda mulher, Winnie, que se recusou a desmanchar o grupo pró-violência que ela havia formado enquanto Mandela estava na prisão. Só para constar: é preciso deixar claro que nenhum país africano conseguiu sua independência sem violência e que todas as pessoas que lideraram a luta pela independência dos países africanos foram para a cadeia. A maioria delas morreu lutando, como o sul-africano Steve Biko (1946-1977), que morreu sob custódia da polícia do Apartheid.

Ideais

O que distancia Nelson Mandela dos outros africanos que lideraram as lutas pela emancipação de seus povos é que Mandela passou mais anos na prisão do que os outros e, quando se tornou presidente, tentou viver sob os ideais pelos quais lutou; liberdade, igualdade e honestidade.

Desde que a África existe como um continente independente, apenas dois presidentes não foram acusados ou incriminados por corrupção por qualquer grupo ou indivíduo dentro ou fora de seus países: o falecido Julius Nyerere (1922-1999), da Tanzânia, e Nelson Mandela, da África do Sul. Está registrado que esses dois homens renunciaram ao poder voluntariamente, recusando todos os esforços feitos por seus países para mantê-los no poder por anos a fio.

Comparado com outros líderes no continente africano, que herdaram economias flutuantes e empobreceram seus paí­ses via corrupção e negligência, o legado de Mandela pode ser visto como um caminho correto. Ele simplesmente não era corrupto, uma qualidade rara na arena política africana.

Mandela rejeitou a liberdade condicional dada a ele pelo governo do Apartheid, quando poderia tê-la aceitado facilmente e esquecido sua luta. Mas ele a rejeitou, acreditando que a vida sem liberdade é escravidão. Que seja dito também que o pai da esposa de Mandela foi, por um tempo, ministro no regime que encarcerou seu genro.

Consciência africana

Mandela é a voz da consciência para o continente africano. Ele não assume a posição mais popular sobre os problemas que têm a ver com a liberdade, a igualdade e a honestidade.

O legado de Nelson Mandela não estaria completo colocando-o lado a lado com os líderes da luta pela Independência Africana, como Nnamdi Azikiwe, da Nigéria, Kwame Nkrumah, de Gana, Leopold Sedar Senghor, do Senegal, Patrice Lumumba, do Congo, Kenneth Kaunda, da Zâmbia, Julius Nyerere, da Tanzânia, e Robert Mugabe, do Zimbábue.

O que todas essas pessoas têm em comum é que todas foram presas pela liberdade de seus povos e mais tarde se tornaram presidentes e primeiros-ministros de seus países. Mas seus povos mais tarde acabaram por rejeitá-los. O que não aconteceu com Mandela.

O governo de Nnamdi Azikiwe foi saqueado durante um golpe militar liderado por Chukwuma Nzeogwu, que acusava o governo de corrupção. Kwame Nkrumah foi derrubado por um golpe militar, morrendo, mais tarde, no exílio. Ele também foi acusado de corrupção. Patrice Lumumba foi derrubado por Mobutu Sese Seko, acusado de corrupção. Kenneth Kaunda foi rejeitado por seu povo em eleições e, mais tarde, preso por seu sucessor, por causa da corrupção também. Robert Mugabe há muito tem sido rejeitado pelo povo do Zimbábue, mas ainda se prende ao poder via Forças Armadas. Eu o vejo terminando igual a Mobutu ou Muamar Kadafi, da Líbia.

Julius Nyerere, que teve uma causa de beatificação iniciada pela Igreja Católica, e Nelson Mandela compartilhavam algo em comum: eles permaneceram queridos pelo seus povos após deixarem o poder.

Tradução de Adriano Scandolara.

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