Comparando o sofrimento dos animais ao Holocausto, manifesto quer que primatas sejam considerados “pessoas” dignas de direitos humanos.| Foto: Pixabay

Vivemos em tempos profundamente anti-humanistas. Os movimentos culturais progressistas que abordam vários temas, da bioética ao ambientalismo, pretendem nos tirar do pedestal do valor único do ser humano no que diz respeito tanto à cultura quanto às políticas públicas.

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Muitos acadêmicos, biólogos e filósofos evolucionistas entraram para a cruzada anti-humanista. Recentemente, um “manifesto” publicado no periódico científico Human Evolution dizia que chimpanzés e bonobos (as duas espécies que constituem o gênero Pan) deveriam ser considerados juridicamente como pessoas emancipadas do controle humano, e que eles deveriam ter “direitos” fundamentais juridicamente garantidos.

Como os cientistas e filósofos justificam a conclusão de que “primatas também são pessoas”? Eles fazem isso antropormofizando explicitamente o comportamento natural dos animais — abordagem iniciada pela primatologista Jane Goodall, que atribuía pensamentos e motivações aos animais sobre os quais ela escrevia em seus artigos científicos. (Por acaso, o manifesto contou com o apoio, em parte, do Instituto Jane Goodall). Os autores do manifesto dizem, por exemplo, que chimpanzés e bonobos têm uma “cultura” e um “idioma” e que, portanto, deveriam ser vistos como seres moralmente equivalentes aos humanos caçadores-coletores primitivos.

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Sem dúvida os chimpanzés e os bonobos são animais incríveis, e é claro que devemos tratá-los com respeito. Eles são, por exemplo, seres extremamente sociais e, portanto, é cruel isolá-los em jaulas. Mas nós não os prendemos em jaulas porque é nosso dever tratar todos os animais da melhor forma possível, uma vez que entendemos melhor a natureza e a necessidade deles, não porque chimpanzés e bonobos têm direitos naturais.

Mas não diga isso aos autores do manifesto, que revoltantemente igualam o tratamento dado aos chimpanzés aos males do Holocausto:

Pode-se fazer um paralelo entre a devastação cultural/pessoal dos Pan cativos com os que foram escravizados ou presos em campos de concentração. Os paralelos estão nas condições de transporte, na taxa de mortalidade, nas tatuagens e na retirada de qualquer sinal de individualidade, herança cultural, costumes e identidade. Além disso, a divisão das famílias, o fim da privacidade, da dignidade e da escolha resultam na ruína da cultura e do estilo de vida tradicionais deles.

Os autores ignoram completamente um argumento relevante: conceitos como “dignidade”, “herança cultura”, “costumes”, “identidade” e “estilo de vida tradicional” são construções notadamente humanas. Mais importante, associar o tratamento dado aos animais ao Holocausto é odioso porque dilui a maldade do acontecimento histórico horrível no caldo de um mal menor. O fato de uma comparação assim tão relativista entre a prisão e/ou o abuso dos chimpanzés e um genocídio ser publicada num periódico científico por acadêmicos supostamente racionais vai além de qualquer compreensão.

Os autores do manifesto querem reclassificar os chimpanzés e os bonobos como seres “pré-humanos”, o que supostamente lhes conferiria o status de “pessoa”, tornando-os iguais a nós:

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Portanto, os Pan não podem mais ser considerados “propriedade”, já que eles definem sua propriedade e são seres hominídeos [humanos ou ancestrais dos humanos] que deveriam viver em liberdade, tendo personalidade e identidade como membros de uma comunidade com uma cultura e identidade de grupo únicas. Eles devem poder viver suas vidas em paz e com propósito, tendo seus interesses e objetivos, sem medo, traumas, torturas e o risco de morte na prisão. Eles devem viver por meio da ação pessoal e proteção cultural, tendo um cotidiano livre dentro de comunidades que contam com o apoio da sociedade. Assim como há “direitos naturais dos seres humanos”, deve haver direitos naturais de Homo/hominídeos.

Por favor! Chimpanzés não são civilizados como os seres humanos. Eles não “definem suas propriedades”, não “têm objetivos” nem lutam para “alcançar seu potencial pessoal” como fazemos ao exercermos nosso livre arbítrio. Eles vivem por instinto e de acordo com suas habilidades biológicas, sobre as quais não têm nenhum controle e contra as quais eles não têm nenhuma capacidade de se rebelar.

Ainda assim, os autores clamam pela emancipação dos chimpanzés!

Dar aos Pan autonomia e autodeterminação garantirá a liberdade de ação deles e também a capacidade de eles expressarem todo o seu potencial sem medo de dano pessoal de qualquer tipo, o que é essencial para a continuidade de sua existência cultural. Tais direitos de liberdade e independência até agora só foram dados às sociedades humanas e aqui pedimos que eles sejam também aplicados aos Pan (...). Uma liga internacional pela emancipação, preservação e reabilitação cultural dos Pan é aqui criada por meio deste manifesto.

E isso é absurdo:

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Para fins históricos, um “álbum negro” será reunido com todas as atrocidades pelas quais os chimpanzés passaram em laboratórios. Os dados serão reunidos por meio da utilização da Lei de Liberdade da Informação.

Esse “álbum negro” acabará em julgamentos contra “a violação dos direitos dos Pans” em Haia? Os autores não respondem a essa pergunta.

Por que o manifesto Pan é digno de preocupação? A emancipação dos chimpanzés nunca se tornará realidade, certo?

Não há garantias. Estudos e manifestos como este não são publicados em periódicos acadêmicos e profissionais como uma forma de diversão para intelectuais. Eles são feitos para servirem como uma base de especialistas para uma transformação cultural radical e até revolucionária por meio da implementação de políticas públicas — talvez legislativa, mas é mais provável que seja pela via administrativa ou judicial, nas quais a opinião pública tem menos peso.

Eis um exemplo do que pode acontecer. O Projeto de Direitos Não-humanos recentemente entrou com uma ação em Nova York para que o status de pessoa fosse conferido a chimpanzés. O pedido foi negado, mas no seu voto no caso, o juiz Eugene M. Fahey, da Corte de Apelações de Nova York (a corte mais alta do estado) usou as máximas filosóficas de Tom Regan, professor de filosofia e líder intelectual do movimento pró-direitos dos animais, para argumentar que os chimpanzés deveriam ter o “direito” à liberdade pessoal:

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Um animal não-humano inteligente, que pensa e faz planos e goza da vida como os seres humanos, tem o direito à proteção da lei contra as crueldades arbitrárias e as prisões impostas a ele? (...) Tratar um chimpanzé como se ele não tivesse o direito à liberdade garantido pelo habeas corpus é considerar o chimpanzé como um ser sem qualquer valor independente, como apenas um recurso para o uso humano, uma coisa cujo valor consiste exclusivamente na sua utilidade aos outros. Mas deveríamos começar a considerar o chimpanzé como um indivíduo com um valor inerente, com o direito de ser tratado com respeito.

Contrariamente à Excelência, podemos – devemos – proteger essas criaturas magníficas da violência sem equivocadamente conferirmos a esses animais o status de seres equivalentes aos humanos, com direito a habeas corpus e de entrar com ações na Justiça. Na verdade, já estamos fazendo isso. Em 2011, por exemplo, os Institutos Nacionais de Saúde restringiram o financiamento para pesquisas médicas que utilizassem chimpanzés, mencionando princípios de bem-estar animal – e não diretos animais.

Para além de tais questões práticas, essas medidas gerariam resultados surreais: seríamos obrigados a respeitar os direitos dos chimpanzés – talvez à custa dos nossos direitos, já que eles seriam tratados como iguais sempre que houvesse um conflito entre as nossas espécies. Mas eles não teriam as mesmas obrigações em relação a nós, entre eles ou para com outros animais, já que não-humanos são, por natureza, inerentemente incapazes de assumir responsabilidades morais.

Mas a maior ameaça imposta pelo rompimento da “barreira da espécie” (como isso é chamado no léxico dos direitos dos animais) resultaria na desvalorização dos direitos humanos. A cessão de direitos para além da esfera humana enfraqueceria o conceito assim como a inflação desvaloriza a moeda. Como escreveu o filósofo Mortimer Adler há muitos anos no livro The Difference of Man and the Difference It Makes [A diferença do homem e a diferença que isso faz], o fim da barreira da espécie exigiria que baseássemos os direitos em capacidades mensuráveis subjetivas (reais ou antropomorfizadas), e não no valor moral único e objetivo conferido aos seres humanos. Portanto, tornaríamos os direitos humanos universais algo impossível de ser filosoficamente sustentado:

Aqueles que se opõem à discriminação injuriosa sob o argumento moral de que todos os seres humanos, por serem iguais em seu humanismo, deveriam ser tratados com igualdade em todos os sentidos que tratam de seu humanismo comum, não teriam base sólida para defender seu princípio normativo. (...) No plano psicológico, teríamos apenas uma escala na qual seres humanos superiores estariam separados dos inferiores por uma distância maior do que a que separa os homens inferiores dos animais não-humanos. Como, então, impedir que os grupos de homens superiores justificassem a escravidão, exploração e até genocídio dos inferiores, sob o argumento factual e moral semelhante ao agora usado para justificar nosso tratamento dos animais?

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A moralidade do século XXI dependerá de como reagimos a essa questão simples, mas profunda: a vida humana tem valor moral maior simplesmente por ser humana? Responda sim e teremos o potencial para, enfim, alcançarmos os direitos humanos universais. Considerar um chimpanzé uma pessoa, por outro lado, seria responder negativamente à pergunta, desvalorizando os detentores de direitos humanos e os transformando tão-somente num privilégio transitório e subjetivo – com a probabilidade de que os seres humanos vulneráveis que não “se adequam” seriam excluídos dessa proteção. Por fim, essa ameaça requer que rejeitemos de antemão a emancipação dos chimpanzés.

Wesley J. Smith é escritor e bolsista do Centro de Excepcionalismo Humano do Discovery Institute.

© 2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.