A Leopoldina virou trem
E Dom Pedro é uma estação também
(Stanislaw Ponte Preta em “Samba do Crioulo Doido”)
Paulo Polzonoff é o mártir do Festival de Besteiras que Assolam o País (FEBEAPÁ). Quando Marcinha anunciou o lançamento do livro "Como derrotar o turbotecnomachonazifascismo ou sei lá o nome que se queira dar ao mal que devemos superar" (Record, 2020), Polzonoff já tinha participado do curso onde ela teve essa brilhante concepção. Se bobear, Polzonoff foi o primeiro, na história da humanidade, a escrever esse termo com letras tipográficas, e fez isso nesta Gazeta. O que só prova que ele roubou o protagonismo feminino e é um turbotecnomacho abominável, é claro.
Pois muito bem. Marcinha agora lançou o bendito livro pela Record, a “mesma editora dos idiotas” (como ela definiu no curso), e todo lançamento envolve aquela coisa de ir pra livraria, ficar conversando, tirar foto e autografar livro. Com a pandemia, os lançamentos viraram lives em que o autor conversa com alguém. Marcinha resolveu extrapolar e fazer logo quatro lançamentos, cada qual com uma pessoa diferente: no dia 3 de novembro com Jean Wyllys, dia 5 com Rita von Hunty, dia 10 com Maria Dantas e dia 17 com Rubens Casara.
Jean Wyllys é um homem gay “cis” (contrário de transexual) pardo que não foi preso e tem ensino superior, portanto — para a militância — é branco. Rita é uma drag queen do YouTube que a esquerda resolveu emplacar porque nos EUA tem uma drag transexual esquerdista com formação em humanas que faz sucesso no YouTube. (O ator que faz Rita, Guilherme Pereira, é de artes e não tem formação em humanas, mas fala até de economia.) Maria Dantas é uma brasileira deputada na Espanha que fica escrevendo textões raivosos em catalão no Facebook. Não sei sua orientação sexual, mas, como esse povo a exibe feito medalha caso não seja hétero, e ela não exibiu medalha nenhuma, então deve ser hétero e cis. E é branca. E Rubens Casara é um juiz criminal branco no Rio, hétero, casado com Marcinha.
Nenhum convidade (sic) de Marcinha é negre, muito menos negre trans não-binárie de gênero fluido, de maneira que podemos ver esse lançamento como uma comprovação e um reforço do racismo estrutural. Acho que Marcinha deveria pedir desculpas públicas em prantos, ajoelhada no milho, pela branquitude acachapante pela e falta de representatividade negra
Percalços pra ver a live
Vi a live com o homem cis branco Jean Wyllys. Houve percalços, porém. Ingenuamente, supus que a live aconteceria no YouTube, a plataforma mais usual para vídeos. Na-na-ni-na-não. A live aconteceu na rede social favorita daqueles que querem se libertar dos opressivos padrões de beleza: o Instagram, a rede social de fotos.
Segundo a divulgação, a live ocorreria em @marciatiburi, e eu, ingênua, apenas digitei “Marcia Tiburi” no buscador do Instagram, que logo apareceu com a foto dela. Como a live não começava, fiquei assistindo a um Tim Cast sobre progressistas dos EUA que abortam por moda até achar que estava demorando demais. Et voilà: eis que eu estava no @marcia_tiburi_, pois o @marciatiburi supostamente foi raqueado e os ráqueres queriam uma alta quantia para devolver a conta. É um ataque dos tecnoturbomachos.
Em virtude disso, a live seria no Instagram da livraria Leonardo Da Vinci, outrora maravilhosa, situada no Centro do Rio de Janeiro e recheada de bons livros importados. Quebrou na última crise, foi vendida para um homem branco cis hétero de São Paulo que entope a vitrine de bobagem racialista. Já fui lá procurando livros da J. Vrin e da Calouste, encontrei Djamila Ribeiro.
Em virtude dos percalços, acabei vendo ao vivo a metade final da live e no dia seguinte vi o começo, pois ficou no Instagram da Da Vinci.
A live com Jean Wyllys
Começa a live com ela explicando que teve um ataque no @marciatiburi. As providências tomadas foram falar com os amigos. Não se menciona polícia, muito embora os turbotecnossequestradores tenham exigido uma alta quantia. Entra Jean Wyllys, que pergunta se pode cantar para ela. Jean solta a voz e canta. Como as especialistas em gênero já decidiram que todo homem (mesmo se gay) é estuprador de mulheres em potencial, e que cantar é assediar, a coisa toda é muito preocupante.
Ademais, Jean praticou mensplênin porque, do alto de sua masculinidade tóxica, falou mais, muito mais que Marcinha. Falou dos tútsi, dos hutu, pulou para o Camboja e depois passou a falar de Trump e Bolsonaro, sem concluir nada, dando apenas a impressão de que o genocídio de Ruanda, Pol Pot e os presidentes das duas maiores democracias da América são horríveis. Em virtude do seu raciocínio errático, pus essa epígrafe de um samba feito por um homem branco cis hétero, o que explica a masculinidade tóxica, o racismo estrutural e a cisnormatividade do título da canção.
Jean chegou a perguntar se ela não acha que, talvez, o título do livro espante um eventual leitor não convertido. Ela rodou, rodou, rodou, e disse que Bolsonaro e Trump estão aquém de salvação, mas que existem pessoas que podem ser salvas; que os fascistas reclamaram muito do título, mas que ela se presta a tentar dialogar com jovens pobres que a interpelam no Instagram.
Como ela sabe quem é pobre no Instagram? Fico imaginando Marcinha em Paris abrindo os perfis dos críticos e dizendo “Afe, churrasco na laje. Coitado, é pobre, vou responder.” Os jovens pobres não foram bem educados, por isso merecem resposta. Senti falta de Jean perguntar a ela pela vez em que saiu correndo de Kim Kataguiri dizendo que ele era perigoso.
Jean critica as bolhas formadas pelas redes sociais a serviço do neoliberalismo. Aliás, William Bonner é um neoliberal também. (O nome de Bonner apareceu porque ele fora acusado de transfóbico ao errar o gênero de alguma palavra, e Jean manda a turba identitária ser mais calma, pois o homem é um neoliberal, mas não um transfóbico.) Marcinha concorda que há bolhas, e diz que a bolha deles dois (ou seja, dos não-fascistas) tem que crescer. Lá pelas tantas, solta: “Eu escrevi esse livro para pessoas inteligentes”, ou seja, as que compõem a bolha dela.
No mais, Jean falou de Hermes e Exu para tratar de sua própria personalidade, disse que nós somos pós-humanos porque temos óculos e ponte de safena. Falou mal (à Bin Laden) das sociedades judaico-cristãs, que não são tão ruins assim porque a arte as melhora.
Marcinha diz que os fascistas falam mal do título do livro dela sem o terem lido. Jean compara-a Hannah Arendt, cujo sobrenome ele deve achar que se escreve com H, porque só fala Rana Ráren, mas ele supostamente leu uma porção de livros dela. Ambos — Jean e Marcinha — reclamam do fato de a imprensa não chamar Bolsonaro de extrema-direita.
E é isso: o mundo é horrível porque todo mundo é fascista e tem rede social (daí o turbotecno). Como já disse o nosso mártir Polzonoff: “existe um bem muito claro — a esquerda que protege as minorias, respeita a ecologia e exala um amor puro — e um mal igualmente claro — a direita, ou melhor, a extrema-direita cheia de ódio, que só quer o poder para exterminar as minorias, derrubar a Amazônia e odiar obsessivamente”. Marcinha continua na mesma, só inventou um termo novo.
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