Há pouco mais de um mês, a extrema direita francesa parecia estar muito perto do poder. Mas o fervor populista que varreu a Grã-Bretanha e os EUA nunca alcançou a França da mesma maneira, e a Frente Nacional caiu em desordem quando Emmanuel Macron venceu Marine Le Pen na eleição presidencial. Agora o partido encara a realidade: eles terão representação mínima no Parlamento.
Enquanto Le Pen esperava que o seu partido servisse como a oposição principal à maioria de Macron, a Frente Nacional terá apenas oito das 577 vagas parlamentares, de acordo com o segundo turno do último domingo (18). O resultado foi surpreendente depois do partido ter tido um terço dos votos no primeiro turno das eleições presidenciais.
Houve, porém, um lado bom: uma cadeira para a própria Le Pen, uma vitória simbólica, ainda que pequena, que alguns afirmam que vai manter a líder de extrema direita ativa no governo.
No seu discurso de vitória, Le Pen, eleita pela comunista industrial do norte Hénin-Beaumont, insistiu na ideia que seu partido obteve um espaço importante. “De frente a um bloco que representa os interesses da oligarquia, somos a única força de resistência”, afirmou.
Marca pessoal
Le Pen é uma presença na vida política da França há décadas, ainda que nunca tenha ocupado nenhum cargo importante no governo nacional. Ainda que seu pai Jean-Marie Le Pen, que sempre negou o Holocausto, e sua sobrinha Marion Maréchal-Le Pen tenham servido o Parlamento francês, ela nunca foi parlamentar.
Para analistas políticos, a vitória dela fortalece a sua marca pessoal e suas chances de permanecer como líder do partido. O número de parlamentares da Frente Nacional cresceu de dois para oito — uma expansão, ainda que muito menor do que a esperada pelo partido.
“A vitória de Marine Le Pen é muito importante para a imagem pessoal dela”, afirmou Jean-Yves Camus, especialista na extrema direita. “Se sua liderança for contestada, ela pode dizer que foi eleita”, completou.
Resquícios das eleições presidenciais
A Frente Nacional encarou as eleições presidenciais com confiança, com pesquisas apontando Le Pen no segundo lugar entre um grande número de candidatos. Ela jurou tirar uma imagem ruim do partido, associado há bastante tempo com o anti-semitismo e a xenofobia.
Porém, durante a campanha, ela negou a cumplicidade francesa com a matança de judeus na Segunda Guerra Mundial e nomeou como chefe interino do partido um homem que já afirmou duvidar do uso de “Zyklon B” em câmaras de gás nazistas. Ela também teve uma performance desastrosa em um debate pré-eleitoral crítico e se provou incapaz de capturar qualquer entusiasmo que tenha contribuído para a eleição do presidente Trump nos EUA e para a escolha pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia.
Sua derrota para Macron criou uma crise na Frente Nacional, com membros do partido – e até membros da família Le Pen – apontando dedos um para os outros em público.
Depois do fracasso, houveram aqueles – mesmo entre os apoiadores do partido – que afirmaram que a Frente Nacional necessitava de uma transformação completa, incluindo um novo nome e um líder que não fosse da família Le Pen.
Sem mudanças tão cedo
Mas a ascensão de Le Pen ao Parlamento sugere que uma transformação desse tipo não deve acontecer tão cedo, diz Camus. "Isso dá ao partido uma voz nova na Assembléia Nacional", explica Camus, se referindo à câmara mais baixa do Parlamento. Ele disse também que a líder do partido “estava jogando um longo jogo para a vitória”.
Le Pen já tinha tentado entrar no parlamento, sem sucesso, quatro vezes
Em entrevistas para o Washington Post durante a campanha presidencial no começo do ano, tanto Jean-Marie Le Pen, 89 anos, e Marion Maréchal-Le Pen, 27 anos, enfatizaram que, independente do resultado das eleições, uma maioria dos eleitores franceses concordam com a agenda do partido. "Nós ganhamos a batalha das ideias", disse Marion Maréchal-Le Pen em abril.
Resultados inesperados
Mas os resultados das eleições mostram algo diferente
Marine Le Pen, em seu discurso de vitória, sugere que a Frente Nacional representa uma maioria silenciosa de eleitores e até uma presença parlamentar significativa.
"É escandaloso que o nosso partido – que recebeu 7,6 milhões de votos no primeiro turno da eleição presidencial e 3 milhões no segundo turno – não tenha obtido um grupo na assembleia", disse ela no domingo.
Um "grupo" no Parlamento francês requer pelo menos 15 membros. Esses grupos formam a agenda parlamentar e têm direito a alguns recursos, espaço extra de escritório e parcelas maiores dos fundos públicos. Inicialmente, pesquisas de campo afirmavam que Le Pen poderia chegar a até 50 membros nas eleições legislativas.
No fim, ela recebeu um sexto desse número
Mas se as perspectivas políticas da Frente Nacional permanecem incertas, o partido terá ao menos algum tipo de futuro, apontou Camus, especialmente com Le Pen no Parlamento. "É um partido que vai durar algum tempo ainda", afirma.