Nos dias que se seguiram ao massacre do domingo, 5 de novembro, na Primeira Igreja Batista de Sutherland Springs, Texas, o cruzamento principal da cidade virou um corredor de passagem de enormes caminhões de emissoras de televisão.
Dezenas de equipes de televisões ocupavam os dois lados da rua. Os carros passavam devagar, a metade da velocidade permitida, para dar lugar aos jornalistas que atravessavam a rua, instalavam fiações, pediam pizzas e montavam barracas improvisadas. Multidões de jornalistas pisotearam os gramados de residências próximas à igreja. As prateleiras da loja de conveniência do posto de combustíveis Valero, um dos poucos estabelecimentos comerciais da cidade, começaram a se esvaziar.
A maioria das pessoas nesta cidade rural em luto, com população normal que não passa de algumas centenas de pessoas, era formada não por moradores habituais mas pessoas de fora, muitas delas da mídia. Foi como se uma segunda cidade tivesse se instalado em cima da cidade já existente, e isso no meio da tragédia inimaginável que deixara 26 mortos e 20 feridos.
Depois de qualquer massacre, membros da imprensa – incluindo o “Washington Post” – invadem a cidade onde a tragédia ocorreu para documentar os relatos das vítimas e seus entes queridos. Cada vez que isso acontece, os familiares atingidos pelo ataque são forçados a chorar seus mortos ao mesmo tempo em que falam com um repórter após outro que batem à sua porta. É uma situação que é temida, tanto pelas familias em luto quanto pelos jornalistas que se esforçam para fazer seu trabalho.
Mas, como observou Lauren McGaughy, repórter do “Dallas Morning News”, Sutherland Springs é muito diferente de uma cidade grande, como Las Vegas.
McGaughy escreveu que esta cidade pequena, “três quarteirões quadrados de casas em que cada pessoa perdeu alguém, deveria ter sido tratada com mais cuidado.”
Em comentário publicado na quinta-feira pelo “Dallas Morning News”, McGaughy se disse revoltada com a presença enorme de jornalistas em Sutherland Springs na semana passada.
“Cara Sutherland Springs, você merece um pedido de desculpas da mídia”, ela escreveu, reconhecendo ter sentido que sua própria presença na cidade era “uma intromissão”.
Era impossível estacionar na agência dos correios ou fazer uma refeição tranquila no café local, ela disse.
“Os moradores estavam fechados em suas casas, odiando o fato de que uma simples ida ao Dollar General os exporia a nós”, ela escreveu. “Foi uma invasão. Foi demais.”
“Fico pensando que tem que haver uma maneira melhor de cobrir uma tragédia como essa.”
McGaughey pediu que a mídia discuta “a melhor maneira de cobrir horrores como esse”. Ela escreveu que às vezes a cobertura pela imprensa de massacres pode incentivar mudanças muito necessárias ou encorajar outras pessoas a intervir e ajudar.
“Às vezes, para as vítimas, a possibilidade de relatar sua história pode ser uma catarse”, ela escreveu. “Como jornalistas, nosso papel de observadores e investigadores em momentos de tragédia é importante. Mas nossa empatia e humanidade, também.”
O artigo de McGaughey, que circulou nas redes sociais, parece ter encontrado eco entre jornalistas e moradores de Sutherland Springs. Muitos elogiaram sua honestidade e empatia.
“Esta repórter disse algo que muitos de nós sentimos faz tempo”, tuitou Kris Betts, repórter e âncora da KVUE, rede filiada à ABC em Austin. “Poderíamos fazer melhor.”
“Testemunhei isso em primeira mão”, tuitou Christy Millweard, também da KVUE. “Uma ‘mídia’ que não sabe nada sobre esa comunidade, que joga lixo e estaciona em cima dos gramados de casas. Não é isso que jornalistas deveriam fazer.”
De fato, nos dias seguintes ao massacre, moradores de Sutherland Springs manifestaram frustração com a invasão de pedidos da mídia.
Hank Summers, cujo tio, David Colbath, recebeu cinco tiros e precisou passar por cirurgias extensas, postou vídeos ao vivo no Facebook durante a semana, informando parentes e amigos sobre as condições dos sobreviventes do massacre.
Na terça-feira, Summers se queixou de jornalistas que apareceram numa vigília na noite anterior.
“São verdadeiros urubus, eles não deixam a gente em paz”, ele disse. “É ótimo que queiram ouvir nossos relatos, mas quando você está em um memorial é preciso agir com respeito. Eles andam por aí com suas câmeras, iluminando o rosto das pessoas.”
“Não estamos aqui para assistir a algum festival. Estamos aqui por causa de algo que esta cidade, Sutherland Springs, nunca imaginou que iria sofrer.”
Apesar disso, nos dias seguintes ele postou muitos relatos noticiosos e compartilhou um post agradecendo o “USA Today” por uma reportagem sobre o xerife do Condado de Wilson.
Uma sobrevivente do ataque, Rosanne Solis, sofreu uma ferimento grande de bala nas costas que ainda não fechara, dias após a tragédia. Ela deixou o hospital na terça-feira para recuperar-se em casa. Em questão de horas, repórteres haviam cercado seu trailer, fazendo fila diante da porta para falar com ela.
No estado fraco, traumatizado e medicado em que se encontrava, Solis deu entrevista após entrevista a uma sequência de jornalistas, até simplesmente não aguentar mais. Ela acabou deixando a cidade para recuperar-se longe da imprensa.
No dia após o tiroteio, outras famílias enlutadas procuravam calma e consolo numa igreja a um quilômetro e meio da cidade, numa estradinha rural vigiada por policiais, longe do mar de repórteres.
“Fiquei irritado inicialmente com o fiasco”, escreveu no Facebook na quinta-feira Scott Simons, cujo depósito fica perto do posto de gasolina de Sutherland Springs.
Ele contou que tinha encontrado uma repórter no posto que estava entrevistando veteranos que tinham ido à cidade para ajudar.
“Quando ela se preparava para iniciar a entrevista, um vira-lata se aproximou”, escreveu Simmons. “A jornalista começou a brincar com ele. Achei isso bacana. Sei que os jornalistas estavam ali para fazer seu trabalho. Alguns o fizeram muito bem, outros estavam ali só para agitar.”
“Nossa comunidade vai sofrer por um bom tempo”, ele escreveu. Sua igreja estava se preparando para o enterro de uma das vítimas do massacre.
Simons comentou que na manhã de quinta-feira viu quase cem alunos e funcionários diante da escola local, orando e cantando.
“Não havia mídia, apenas sentimentos de verdade. Vamos superar o que aconteceu, mas isto vai mudar nossas vidas para sempre. Continuem a orar por nossa comunidade.”
Ken Herman, colunista de cidades do “Austin American-Statesman”, escreveu na quinta-feira que “onde o mal vai, jornalistas o seguem, invadindo e muitas vezes dominando a cena, especialmente entre moradores de pequenas cidades que, de outro modo, nunca teriam contato cara a cara com profissionais do ‘New York Times’ ou emissoras de TV nacionais”.
Ele contou que encontrou uma mulher chamada Terrie Smith, dona da cozinha na loja de conveniência do outro lado da rodovia U.S. 87, de frente para a igreja.
“Sabe de uma coisa”, ela lhe disse, “damos boas-vindas a todo o mundo e fizemos novos amigos. E será um pouco triste vê-los partirem, francamente, porque são mais amigos que fizemos. Mas vamos gostar de recuperar nossa cidade pequena e tranquila.”
Com reportagem de Peter Holley, do “Washington Post”, de Sutherland Springs, Texas.
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