
Não é raro que juízes, desembargadores e ministros do Supremo recebam salários acima da média do funcionalismo público. Por meio de auxílios, abonos, compensações, gratificações, licenças-prêmios e outros adicionais, eles turbinam os próprios vencimentos e podem ganhar mais do que o previsto no teto constitucional.
No entanto, nem todos os benefícios que os magistrados concedem a si mesmos “colam” entre seus pares de toga. A seguir, selecionamos dez tentativas de emplacar mordomias que acabaram sendo questionadas ou anuladas (de forma definitiva ou temporariamente) pela própria Justiça.
1. Vale-peru
A presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) autorizou em 2024 o pagamento de um auxílio-alimentação natalino para juízes (no valor de R$ 10 mil) e servidores (R$ 8 mil). Questionado pela imprensa sobre a medida, o TJ-MT afirmou que a gratificação era legal e atendia às “necessidades nutricionais” dos profissionais. Mas o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) suspendeu a mordomia, e os beneficiados foram obrigados a devolver o dinheiro do chamado “vale-peru”.
2. Auxílio-pijama
Em fevereiro deste ano, magistrados e procuradores aposentados reivindicaram um adicional por “excesso de serviço” pago a juízes da ativa. O benefício, conhecido como licença compensatória, é pago fora do teto remuneratório e se destina àqueles que acumulam funções administrativas ou cumprem metas de produtividade. Ainda em tramitação no Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), a gratificação foi rapidamente apelidada de “auxílio-pijama”.
3. Pagamentos bilionários
Em setembro de 2022, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) aprovou o pagamento de verbas retroativas a 2006 para juízes e desembargadores do estado. A Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis) negou que o recebimento dos benefícios criaria “supersalários”, até que o presidente da Corte mineira divulgou um cálculo estimado dos gastos: R$ 5 bilhões. O CNJ acabou suspendendo os penduricalhos, acatando uma argumentação do Ministério Público — segundo o MP, a medida traria “um impacto negativo relevante na já crítica situação financeira do estado”.
4. Afastados, mas beneficiados
Em 2024, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) questionou a suspensão dos auxílios para alimentação e moradia de juízes afastados cautelarmente durante processos administrativos disciplinares — incluindo aqueles investigados por supostamente vender sentenças. Houve divergência no plenário do CNJ sobre o tema, porém o Conselho decidiu manter a supressão das verbas. “Não se pode falar em indenizar o gasto para trabalhar a quem está afastado do trabalho”, justificou a conselheira responsável pela relatoria do caso.
5. Cadê meu iPhone?
No último dia 12, o CNJ suspendeu uma licitação para a compra de 50 celulares para os desembargadores do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA). Mas não era qualquer modelo de aparelho. Cada magistrado receberia um iPhone 16 Pro Max, o bambambã da Apple no momento. O gasto total seria de R$ 573,3 mil, com um custo de cerca de R$ 11,4 mil por unidade. Detalhe: o TJ-MA conta com 35 desembargadores, o que levantou dúvidas sobre o destino dos outros 15 smartphones.
6. O super ex-juiz
O Supremo Tribunal Federal (STF) anulou, em fevereiro, a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que havia concedido a um ex-juiz federal valores retroativos de auxílio-alimentação. O magistrado baseou seu pedido no argumento de que existe uma “simetria constitucional” que garante aos membros do Judiciário os mesmos direitos e vantagens do Ministério Público. Contudo, segundo o STF, o Poder Judiciário não pode aumentar vencimentos de servidores apenas com base no princípio da isonomia. O pagamento determinado era da ordem de R$ 26.327,77 — com correção monetária, é claro.
7. Meu escritório é em casa
Núcleo de Produtividade Remota. Este é o nome de uma unidade criada em 2019 pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) para agilizar o julgamento de processos judiciais no estado. Seus juízes trabalham de casa e recebiam um adicional salarial de 15%. O problema é que a concessão do benefício não foi sequer comunicada ao CNJ, responsável por autorizar esse tipo de gratificação. Segundo o TJCE, o penduricalho não tinha qualquer relação com a adoção do modelo de home office — e, sim, com o fato de os juízes acumularem funções. Mas não teve jeito: em março de 2020, o Conselho cortou a mordomia.
8. Também queremos!
No final de janeiro, um grupo formado por 53 juízes federais acionou o CNJ para receber benefícios e indenizações pagos fora do teto a magistrados estaduais, além de promotores e procuradores do Ministério Público. As reivindicações, baseadas em previsões de simetria entre carreiras aprovadas na Reforma do Judiciário (2004), incluem licença-prêmio, bônus por exercício em “unidades de difícil provimento” e aumento do auxílio-alimentação, entre outros penduricalhos. O pedido está em análise no gabinete corregedor do Conselho.
9. O bom plantão
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) aprovou, em 2022, uma resolução que criava plantões para juízes e desembargadores. Os magistrados teriam direito a receber entre R$ 1.068 e R$ 1.428 por jornada extra, dependendo da função. Chamados de “verbas indenizatórias”, esses valores seriam isentos de tributação — e permitiriam aos servidores ganhar quase 30% a mais por mês. Mas o CNJ suspendeu a regra, alegando que “nenhum serviço, público ou privado, se sustenta sem prejuízo com afastamentos regulares desta magnitude”.
10. Dois por todos, e todos por dois
Em 2014, dois servidores do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte ganharam judicialmente o direito a uma gratificação por realizarem um trabalho técnico específico. Acontece que o TJ-RN resolveu por bem estender o benefício a todos os funcionários em situação similar — mesmo sem terem entrado na Justiça para pleitear a verba. O STF interveio e acabou com a festa, alegando que, além conceder um penduricalho fora da lei, o Tribunal promoveu a isonomia entre servidores de categorias distintas.