Depois que a proliferação de regulamentações ambientais, sociais e de governança se tornou um meio de impor ideologia de esquerda às empresas, gerando prejuízos a gigantes como Disney, Paramount e Netflix, agora é o brasileiro comum quem deve sofrer no bolso as consequências da agenda ESG (do inglês Environmental, Social and Governance). Uma nova norma do Ministério de Minas e Energia (MME), que entra progressivamente em vigor em 1º de janeiro e visa a “transição energética”, deve excluir mais de oito entre dez geladeiras disponíveis no mercado nacional até 2026.
Especialistas do setor, como a Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), calculam que a medida do governo Lula vai tirar de circulação os modelos mais baratos, que hoje custam em torno de R$ 1,5 mil. “Só vão ficar no mercado a partir de 2026 geladeiras com valor acima de R$ 4 mil, e isso vai provocar um prejuízo gigante para a população das classes C, D e E”, disse o presidente da Eletros, José Jorge do Nascimento, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo na última semana.
Publicada em 8 de dezembro, a Resolução nº 2/2023 trata do “novo Programa de Metas para Refrigeradores e Congeladores, de uso doméstico, por meio de novos índices mínimos de eficiência energética”. Pela norma, fabricantes, importadores e comerciantes terão de retirar gradativamente do mercado geladeiras, frigobares e congeladores verticais e horizontais de menor eficiência, de acordo com prazos estabelecidos. A partir do primeiro dia de 2024, não será mais possível produzir ou importar equipamentos com eficiência inferior a 85,5%. O índice sobe para 90% até 2026.
De acordo com o presidente da Eletros, a medida surpreendeu o setor, que vinha negociando com o governo uma transição mais gradual, com tempo para investimentos e adaptações nas linhas de suprimentos. “Se o governo mantiver essa posição, inevitavelmente vai ter demissão”, declarou Nascimento.
“Melhores práticas”
Por meio de nota, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que “esta resolução traz um grande avanço nos esforços do país para a transição energética. Estamos nos alinhando às melhores práticas internacionais em termos de eficiência energética”.
Pelo X (antigo Twitter), o MME comemorou que “agora, os consumidores vão poder ter aparelhos melhores e energeticamente mais eficientes”. “Essa iniciativa não só vai reduzir o consumo de energia elétrica, mas também vai ativar investimentos na indústria brasileira”, garantiu o governo. Segundo a pasta, a previsão é de que “aproximadamente 5,7 milhões de toneladas de gás carbônico deixem de ser emitidas [até 2030]. Estamos avançando cada vez mais em direção à transição energética”.
De acordo com o Ministério, “atualmente, não é possível prever quanto esses equipamentos vão valer daqui a três anos”. “A boa notícia é que, como gastam bem menos energia para funcionar, a economia na conta será sentida imediatamente e o equipamento se pagará em pouquíssimo tempo”, afirma uma nota publicada na agência de notícias do governo. “À medida que a pessoa for usando o equipamento, já vai sentir uma economia na conta de energia, o que paga o investimento”, disse o secretário Nacional de Transição Energética e Planejamento do MME, Thiago Barral.
Exemplo dos EUA
Nos EUA, uma regulamentação semelhante do Departamento de Energia, mas visando maior eficiência energética de aquecedores residenciais a gás, levou representantes do setor, como a American Public Gas Association [Associação Americana de Gás Público], a “financiar pesquisas para demonstrar o impacto incrivelmente negativo da proposta sobre os proprietários americanos”. “Ao longo dos últimos anos, uma agenda ambiental extrema e ideologicamente orientada sequestrou a nossa política energética nacional”, reagiu na época o presidente e CEO da Autoridade Municipal de Gás da Geórgia, Arthur Corbin.
De acordo com ele, o próprio governo admitiu que a proposta impactaria de forma negativa 20% dos lares americanos, sendo que a “esmagadora maioria das pessoas que seriam prejudicadas são famílias de baixa renda”. Para Corbin, decisões com impacto na vida dos consumidores deveriam ser tomadas por eles próprios e não por burocratas. Ou seja, se um produto é realmente mais eficiente e gera economia para o bolso do cidadão, ele naturalmente vai preferi-lo na hora da compra. “As pessoas deveriam conduzir os mercados, não o governo federal”, defende.
Outro exemplo americano de transição energética que vem mostrando falhas de execução é a substituição de veículos movidos a combustíveis fósseis por modelos elétricos. Mesmo com subsídios aos fabricantes de automóveis e créditos fiscais para os compradores, apenas 7% de veículos novos vendidos nos EUA são elétricos; a meta do governo Biden é de 60% para 2030.
O assistente de pesquisa no Centro de Energia, Clima e Meio Ambiente da Heritage Foundation, Andrew Weiss, toma como exemplo a cidade de Eau Claire, no estado do Wisconsin, onde não há metrô, o transporte público é limitado e andar de bicicleta é difícil devido à neve e às longas distâncias. Por lá, veículos elétricos ainda são usados apenas por pessoas de alta renda que fazem trajetos curtos.
“Os americanos valorizam a liberdade de escolher veículos apenas a gasolina, híbridos ou eléctricos e, para essa liberdade, é crucial ter escolhas alternativas. Mas os organizadores da COP28, apoiados pelo presidente Joe Biden, não querem que os americanos ou residentes de outros países escolham quais veículos comprar”, afirma, completando que essa “erosão da escolha” prejudica não só a liberdade do consumidor, como a subsistência da indústria e do comércio.
“Basta olhar para a carta do mês passado a Biden, assinada por cerca de 4 mil revendedores de automóveis, que ficaram perturbados com o aumento da oferta de veículos elétricos não vendidos em seus lotes”. Weiss reforça que imposições governamentais de energias renováveis “antes que as pessoas estejam preparadas” são “uma receita para a crise”.
Paradoxo da eficiência
Estudos conduzidos na última década mostraram que é controversa a ideia de que as melhorias em eficiência energética levam a reduções de consumo suficientes para impactar positivamente as emissões globais de carbono. Segundo os pesquisadores, quando um veículo percorre mais quilômetros com um litro de combustível, por exemplo, as pessoas tendem a dirigir mais. Da mesma forma, um aquecimento residencial mais barato leva moradores a aquecerem áreas maiores durante mais tempo. É o chamado “efeito rebote”.
“Em vez de impor regulamentações de eficiência energética”, o economista Robert Michaels, da Universidade Estadual da Califórnia, que conduziu um desses estudos, sugere que uma política energética eficiente leve em conta “os preços de mercado e as inovações disruptivas de modo a orientar melhor os usos da energia”. Isso porque objetivo de programas de eficiência energética não deveria ser a renúncia ao uso desses recursos, mas um aumento na produtividade, de modo a fornecer mais bens e serviços ao consumidor.