Aos 17 anos, o ambientalista Michael Shellenberger se mudou para a Nicarágua para apoiar a Revolução Sandinista, depois de arrecadar fundos para uma organização para proteção de florestas. Aos 20, viveu na Amazônia para pesquisar o meio ambiente e ajudar pequenos agricultores a combater invasões de terra. Aos 26, ajudou a expor as terríveis condições de trabalho nas fábricas da Nike da Ásia. Aos 30, integrou a equipe que convenceu o ex-presidente Barack Obama a investir 90 bilhões de dólares em energia renovável.
Pelo histórico, portanto, é de se imaginar que Shellenberger não seja, em suas próprias palavras, “um antiambientalista de direita”. “Acredite, eu não sou”, diz o jornalista e escritor que, aos 49 anos, continua em sua cruzada pela preservação ambiental, mas com uma bandeira extra: a de convencer políticos, influenciadores e, sobretudo, millenials de que não, as mudanças climáticas não são o fim do mundo.
Para isso, publicou seu mais recente livro “Apocalypse Never: Why Environmental Alarmism Hurts Us All” (“Apocalipse Nunca: Porque o Alarmismo Ambiental Prejudica Todos Nós”, em tradução livre), publicado pela Harper Collins e em processo de tradução para o português pela Editora LVM, no qual afirma que as emissões de carbono estão longe de ser o pior problema a ser enfrentado pela humanidade e que a inovação tecnológica é o caminho para a proteção do meio ambiente, e não o contrário. Pela obra, Shellenberger recebeu elogios do The Wall Street Journal e críticas do Yale Climate Connections, rebatidas em seu próprio website, Environmental Progress.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Michael Shellenberger fala sobre o livro, sobre o ativismo apocalíptico e, arriscando algumas expressões em português, comenta a política ambiental do governo Bolsonaro: “é uma confusão”.
Imagino que esteja cansado de ouvir essa pergunta, mas ela ainda é relevante. O mundo vai acabar por conta do aquecimento global?
(Risos) Não!
Legal. Porque quando eu estava na escola, tinha certeza de que sequer teria tempo de ter filhos…
Sinto muito que os adultos tenham passado essa impressão na sua escola. A mesma coisa acontece na Europa e na América do Norte. Parte da minha motivação para escrever o livro se deve ao fato de eu ter uma filha de 16 anos. Já conversei com ela, ela sabe que vai poder ter filhos - e eu espero que ela tenha, não vejo a hora de ser avô -, mas os amigos dela estavam apavorados, os pais deles eram apocalípticos. Escrevi o livro para que saibam a verdade.
Mas as mudanças climáticas são reais, certo?
A mudança climática é real, mas não é o fim do mundo. Não é sequer o problema ambiental mais sério a ser enfrentado. Na verdade, há muitas razões para crer que a maioria das tendências estão indo na direção certa: é possível que as emissões de carbono do mundo todo tenham alcançado um pico; no máximo podem aumentar um pouco nos próximos dez anos, mas depois vão diminuir. O ápice da Alemanha e da França, por exemplo, aconteceu nos anos 1970; nos Estados Unidos foi há 15 anos.
A verdade é que nós estamos usando cada vez menos terras para produzir carne, apesar do aumento populacional. A produção de pecuária ocupa a maior parte das superfícies sem gelo da Terra, portanto, quando conseguimos diminuir o território utilizado para produzir carne, protegemos o meio ambiente. Se continuarmos nesse caminho, a mudança de temperatura será mínima ou nula.
Se as emissões de carbono não são o maior problema ambiental a ser enfrentado, qual é?
A pobreza. Temos entre 1 e 2 bilhões de pessoas presas na extrema pobreza, dependendo de biocombustíveis e da queima de madeira, tendo que transformar florestas em fazendas para praticar uma agricultura ineficiente e de baixa intensidade que, ao mesmo tempo, reduz o habitat disponível para preservação de espécies em extinção. E são essas comunidades as que mais pressionam as florestas, principalmente em áreas tropicais.
É importante dizer que eu, inclusive, trabalho para que as emissões de carnono sejam menores. Fiz isso no meu estado natal, onde queriam fechar usinas nucleares . Fiz isso ao convencer o presidente Obama a investir em energia limpa. Por conta dela, nos países ricos, como nos Estados Unidos, as emissões estão caindo e, a não ser que façam algo muito burro, vão seguir essa tendência.
Mas quando se trata do Congo, por exemplo, eu vou defender até a morte o direito do país de aumentar suas emissões de carbono, porque é o que o que é preciso fazer para que minha amiga Bernadette, uma pequena agricultora de quem falo no meu livro, tenha acesso à vida próspera que nós temos. Não acho que as emissões de carbono devem ser reduzidas a qualquer custo, não para os mais pobres, que precisam do desenvolvimento.
E a elevação do nível do mar? Não há o risco de pequenas ilhas desaparecerem?
Esse é o problema que eu nunca entendi o porquê de as pessoas ficarem tão preocupadas. A estimativa média do IPCC é de um aumento de 60 centímetros. Por que raios estamos preocupados? Vejo pessoas dizendo: bom, algumas pequenas ilhas terão que construir barreiras contra a água. Ótimo. É o que muitas cidades já fazem.
Esses pessoas já foram para a Holanda? É um dos países mais ricos do mundo e não é rico porque não precisou alterar o meio ambiente, é rico porque teve que construir seu ambiente. Pense em Veneza. Veneza é uma loucura, é uma cidade que não deveria existir, é completamente artificial e foi construída justamente porque é uma região tão bonita que as pessoas queriam viver ali e investiram na gestão da água.
Sinto muito, mas na ordem das coisas com as quais eu me preocupo, essa não é uma prioridade. Temos o Congo, com 31 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, bilhões de pessoas sofrendo na África subsaariana, e você quer que eu me preocupe com as Maldivas? O que!? Por que nós ainda estamos falando disso? Por que não estamos falando do Congo? Da Nigéria? Do Brasil? Isso me enlouquece. Eu ainda tenho um esquerdismo anti-imperialista em mim (risos).
Como você se desvinculou da esquerda e da ideia de que o mundo vai acabar por causa das mudanças climáticas?
Sabe, eu entrevistei o Lula pessoalmente em 1994, entrevistei o Daniel Ortega (atual presidente da Nicarágua) e trabalhei por pouco tempo com o Hugo Chávez. Então eu conheci a esquerda, inclusive a latino-americana. E descobri que o mercado é ótimo, melhor do que ter máfias controlando o governo. Foi por isso que eu rompi com a esquerda radical.
Mas ainda acho curioso que um pequeno grupo estratégico de ambientalistas apocalípticos escolham as Maldivas, se aproxime dos governos e tente emplacar essa narrativa de que é simplesmente aceitável que um monte de gente continue pobre e sem acesso à energia pelo bem das Maldivas.
Sobre as mudanças climáticas, eu sou um ativista há 30 anos e há 10 eu digo que não é o pior problema do mundo . Mas acho que o que realmente fez diferença na minha vida foi mudar de ideia quanto ao uso da energia nuclear. Todo o resto foi mais gradual. Uma vez que você entende o que a energia nuclear é, não tem porque acreditar que vamos precisar de qualquer outro recurso. É uma fonte praticamente infinita com impacto ambiental próximo de zero. Por isso, parte do meu trabalho tem sido impedir que elas fechem ao redor do mundo.
O problema é que a palavra “nuclear” é assustadora. Parece algo perigoso que, se der errado, causará um desastre enorme.
As usinas nucleares são a forma mais segura de produzir eletricidade, de acordo com todos os maiores estudos revisados por pares, inclusive os mais recentes no The Lancet (revista científica de prestígio internacional). a razão pela qual elas são tão assustadoras é a mesma razão em todo o mundo: é porque servem para criar armas muito perigosas. Se não tivéssemos tanto medo delas, aliás, não haveria paz entre a China e a Índia, por exemplo.
Só que isso não é justificativa. Hoje sabemos que os piores acidentes nucleares da história matam proporcionalmente pouco. Não estou dizendo que é “ok” que as pessoas morram em acidentes nucleares, mas que eles são muito menores e mais raros do que a propaganda faz parecer. A ideia do desastre enorme vem da bomba e este deslocamento é um erro cognitivo do qual a esquerda radical se apropriou para alavancar sua agenda anticrescimento.
Qual é sua avaliação do trabalho de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável no Brasil?
O Brasil é um grande sucesso em vários sentidos: é o maior exemplo entre as nações tropicais que estão tentando usar seus recursos naturais para plantio e também conservar o ambiente. E vocês estão se saindo bem. Pense na área dada aos Yanomamis! É tão grande e ninguém sabe disso! Além disso, vocês realmente diminuíram a pobreza nos últimos 20 anos.
Mas tenho alguns pontos importantes: os projetos que tentaram proteger as terras agrícolas do cerrado resultaram em uma fragmentação do cultivo - e isso é um erro. O problema é que ativistas do Greenpeace, ONGs e políticos como a Marina Silva distorcem completamente o que é óbvio em um nível físico: concentrem a produção em um lugar, conservem a natureza em outro.
Vocês deveriam ter concentrado o gado e a soja (Shallenberger fala em português) no cerrado e tirado a pressão da Amazônia. Inclusive porque a floresta tropical não é boa para o plantio. Há um grande anticapitalismo subjacente ao ataque aos fazendeiros e eles não são os vilões; são o caminho para salvar a Amazônia. É tão óbvio! Trabalhe com os agricultores, ajude-os a serem mais produtivos. Se os marginalizados, sabe, os que vivem na Amazônia e no resto do país não precisam mais consumir o que está na floresta, ela fica protegida.
E a política de meio ambiente do governo Bolsonaro? A Noruega e a Alemanha suspenderam repasses bilionários para o Fundo da Amazônia.
O desmatamento realmente aumentou sob o governo Bolsonaro e as queimadas também, mas certamente não regrediram ao pico, que foi no começo dos anos 2000. Mas a questão com a Alemanha e a Noruega é: quem se importa? “Oh, então a Noruega e a Alemanha não vão mais mandar dinheiro para o Brasil para conservar a Amazônia”? Beleza. Invistam vocês. Exatamente como fizeram quando o Banco Mundial cortou o financiamento da agricultura: o Brasil disse “legal, dane-se”, fez a coisa certa e desenvolveu a agricultura.
Além disso, a Noruega é a maior produtora de petróleo do mundo. A Alemanha está voltando a produzir energia em usinas de carvão. Eles não têm moral nenhuma para criticar o Brasil. Vocês vivem em uma superpotência, não deviam se sentir humilhados pelos países europeus. A maioria dos presidentes do Brasil apontou isso, inclusive o Lula.
Ainda assim, o Ministério do Meio Ambiente atual não deveria estar fazendo mais pela causa?
Sim, deveria. O motivo pelo qual a direita política, os conservadores no Brasil não apresentaram uma visão para o desenvolvimento econômico nem para a preservação ambiental é porque eles estão presos em uma mentalidade ultra focada no livre mercado, essas coisas de que “as pessoas devem fazer o que quiserem”. Acontece que o Brasil tem uma joia! Vocês têm a Amazônia! Ok, o Peru e a Bolívia também têm um pouquinho, mas vocês têm a maior parte. Não dá para dizer “tanto faz, deixa o mercado decidir”.
Vocês precisam ter planejamento. É nesse ponto que o PT sempre esteve mais confortável: os socialistas têm essa gana de fazer planos e a direita se recusa a fazer porque está cismada com “cada um faça o que quiser”. E os dois estão errados. Você deve ter uma visão a favor da indústria, mas deve ser concentrada, competitiva, exportável. E aí você tem dinheiro para salvar a Amazônia, a Mata Atlântica, o que quiserem. Mas a confusão! O que existe uma confusão enorme! Gente! Não é qualquer pedaço de terra, é a Amazônia! Façam a porcaria de um plano!
Você mencionou que a Noruega é uma das maiores exportadoras de Petróleo no mundo. O país perdeu pontos no novo IDH Verde, bem como outras nações ricas. Por que isso acontece?
Para começar, eu não acredito em medidas ambientais agregadas. É assim que você esconde informações e confunde o público. Estão considerando apenas as emissões de carbono? Algumas nações estão emitindo mais gás carbônico justamente porque estão se desenvolvendo. Nos Estados Unidos isso tudo aconteceu no século XIX, e ninguém reclamou pelas florestas que foram cortadas há cem anos para que a Europa se desenvolvesse. O que mais me incomoda nessas comparações é que estão comparando países em diferentes fases de desenvolvimento.
Então as nações ricas estão emitindo mais carbono como resultado do crescimento?
Sim. Há uma curva de transição: com o tempo, elas passam a emitir cada vez menos porque passam a usar formas mais limpas de energia. E é por isso que não deviam cobrar das nações menos desenvolvidas que ainda precisam passar por esse processo.
No fim, essa é a manipulação: os países ricos que criam essas medidas absurdas ignoram o estado de desenvolvimento econômico dos outros países e depois dizem: “oh, devemos levar isso em conta, então vamos criar outros mecanismos para que possamos controlar e tornar tudo mais justo”.
Há um universo de ONGS que produzem relatórios gigantes baseados em medidas falsas, que agregam coisas que não deveriam ser agregadas. Meça a poluição, meça as emissões de carbono, meça as terras florestais, o que quiser, mas separadamente. Como ambientalista, diria que, além da terra, vale olhar para a poluição do ar. E ele está mais limpo no mundo inteiro.
A promessa do presidente Joe Biden de reduzir as emissões de carbono dos Estados Unidos em 50% é possível de ser cumprida?
Não. Se você olhar para as promessas feitas nos últimos 30 anos, elas não têm quase nada a ver com os resultados. Estou nesse negócio há tanto tempo que quando ouço esse tipo de coisa pergunto logo “tá, e o que você está fazendo, exatamente?”. Os Estados Unidos reduziram sua emissão de carbono mais do que qualquer outro país no mundo: desde 2000 reduzimos 22%, sendo que prometemos 17%.
O que vai acontecer nos próximos anos depende completamente de se vamos ou não fechar nossas usinas nucleares - que os democratas estão tentando fazer -, construir mais delas e continuar fechando as usinas de carvão. Nós deveríamos achar ótimo se conseguirmos chegar nos mesmos 22% em 10 ou 15 anos. O mais importante é aumentar nossas usinas nucleares: 19% da nossa energia vem daí e temos que mantê-las funcionando.