Terminada a Segunda Guerra Mundial, os países europeus mais devastados pelo conflito tiveram destinos diferentes: nações na parte ocidental do continente foram reconstruídas como democracias, sob a tutela de Estados Unidos, Inglaterra e França. Nações mais ao leste acabaram nas mãos da União Soviética e se transformaram em marionetes do regime autoritário de Moscou.
A Checoslováquia foi um desses países. Libertada da ocupação nazista, logo caiu nas mãos dos comunistas, que só deixariam o país em 1990. E uma das figuras centrais da história checoslovaca é a da ativista e política Milada Horakova. Praticamente desconhecida fora da atual República Checa, ela é um símbolo nacional de heroísmo na luta contra dois totalitarismos: o de Adolf Hitler e o de Joseph Stálin. O filme “Milada”, disponível na Netflix, conta a história dela.
O drama acompanha Milada desde a o período da ocupação nazista. Apesar de ter alertado desde cedo sobre a ameaça de Hitler, ela não foi ouvida. Após tomada da Checoslováquia pelos nazistas, ela foi presa e enviada para um campo de concentração.
Mas o foco do filme é a perseguição, neste caso ainda mais brutal, sob o regime comunista. Considerada inimiga da pátria por não aceitar a hegemonia do partido único, Milada sofreu os horrores da opressão soviética. Recomenda-se ao espectador, aliás, que não procure ler sobre a história de Milada Horakova antes de assistir ao filme, para evitar spoilers acidentais.
“Milada” foi lançado em 2017 como a obra de estreia do diretor checo David Mrnka. Em certo sentido, o filme funciona como alegoria da da própria Checoslováquia: violentada por duas ditaduras, a nação empreendeu uma luta pela liberdade que, apesar de vitoriosa no longo prazo, deixou cicatrizes indeléveis. É uma história que se repetiu em países como Polônia e Hungria, e que merece ser ouvida, dentre outras razões, porque ainda é pouco conhecida do público brasileiro.
O filme também apresenta, em um eixo paralelo, o drama da vida privada de Milada, que era casada e tinha uma filha adolescente no período da perseguição. Ao mostrar o conflito entre a vida pública e a esfera familiar, e ao retratar o dilema entre persistir com a verdade a todo o custo ou assinar uma confissão inverídica na esperança de obter alguma clemência, o filme demonstra como as tiranias obrigam cidadãos com vidas comuns a tomar decisões com implicações seriíssimas. Não há segunda chance sob o regime soviético.
Interessante notar que Milada não era uma militante ferrenha de direita. Pelo contrário: sempre fora uma ativista da causa das mulheres que lutava, por exemplo, pela igualdade de representação e outras bandeiras que, no papel, os comunistas também defendiam. Mas, como mostra o filme, o regime stalinista não tolerava qualquer poder que não fosse o soviético.
Realista, o filme causa desconforto em qualquer um que se sinta desconfortável com a injustiça - e essa parece ser a intenção do diretor. “Milada” nos lembra que, apesar de o regime nazista felizmente ter sido bem enterrado, a ameaça que continua viva em países como China e Coreia do Norte - a do comunismo - segue viva.
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