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Milhões de dólares em prejuízo e a pergunta: o que deu errado com ‘Ghost in the Shell’?

A Vigilante do Amanhã, adaptação cinematográfica de Rupert Sanders para a série de mangás e animações japonesas dos anos 80/90, custou $110 milhões de dólares para ser produzido. Não é um custo desproporcional para um filme, em 2017, baseado em um material original de sucesso global. Além disso, o estúdio Paramount investiu em marketing, dominando os trailers nas salas de cinema e as mídias sociais no período que antecedeu a estreia. A bilheteria norte-americana no fim de semana de lançamento? Apenas $20 milhões de dólares. Um dos maiores fracassos do ano começa a se desenhar, e a pergunta que surge é: o que deu errado? Para entender isso, precisamos entender a importância de escolhas.

O filme foi vítima de suas próprias escolhas quando escalou Scarlett Johannson para o papel da Major Motoko Kusanagi, cyborg protagonista da franquia, ao invés de uma atriz de origem japonesa. Essa escolha foi a ignição para acusações de “whitewashing”, ato de utilizar atores brancos em papéis de outras etnias, observado recentemente em obras como ‘Doutor Estranho’ e séries como ‘Punho de Ferro’.

O filme justifica a ocidentalização da protagonista em seu roteiro, e até mesmo o diretor da animação original, Mamoru Oshii, surgiu em defesa do casting após o início da polêmica dizendo que não via a personagem Major como oriental. Mas a discussão começou antes mesmo do lançamento, e foi apenas o início da queda de uma sequência de dominós.

Cyberpunk

O primeiro motivo que podemos apontar para o fracasso é bem simples: ninguém liga para o mundo “cyberpunk” em 2017. A estética futurista apocalíptica ligada à alta tecnologia e muitas, muitas roupas coladas de couro foi algo que deixamos para trás em 1999, juntamente com o Bug do Milênio e cds de Nu-Metal.

Hoje nossas distopias tecnológicas são claras e realistas, como a série de sucesso “Black Mirror” ou o filme “Ex-Machina”. Além disso, ‘Ghost in the Shell’ é uma franquia de nicho, parte do mundo do mangá, que não se expandiu violentamente como o mundo das HQs americanas, e alienou exatamente o seu público de aficcionados com a escolha de Scarlett Johannson para o papel principal. O que se desenha definitivamente não representa bons ventos para os já criticados planos de retorno da franquia Matrix para os cinemas. Esse “amanhã” está mais para “anteontem”.

Data errada

Chamamos ao tribunal o segundo suspeito: o mês de março. A Vigilante do Amanhã chegou às salas de cinema em uma época do ano em que existem mais blockbusters do que pessoas dispostas a vê-los. Enquanto o público nos cinemas sofre uma redução, o número de produções de alto orçamento em março, como “Kong” e “Power Rangers”, explodiu.

Whitewashing

Não adianta fugir da linha de tiro, porém. Filmes envoltos em polêmicas de representação étnica ou de gênero estão perdendo força, ano após ano. Só no mesmo caso de whitewashing, que vitimou A Vigilante do Amanhã, podemos mencionar “Avatar: O último mestre do ar” e “Aloha”, de Cameron Crowe. Quando a publicidade negativa orgânica nas redes sociais ganha força antes mesmo que qualquer opinião crítica chegue à superfície, parte da batalha é perdida.

É impossível negar a pertinência da justificativa da escolha de Scarlett, seja pelo caráter pós-racial declarado do material original, seja pela reflexão do original sobre padrões e “cascas”, seja pela semelhança física da atriz com os desenhos originais de Major e a defesa dos criadores. Nesse caso, o inferno são os outros — os outros personagens e outras escolhas.

Personagens como a cientista interpretada por Juliette Binoche, uma mulher forte e com ações importantes na trama, não apresentam nenhuma justificativa à sua etnia, e cenas como a extremamente caricata filmada em uma boate não precisavam apelar para estereótipos orientais gastos. Com um pouco de cuidado e consideração, a discussão de etnia de Major poderia ser evitada.

 | Paramount Pictures/Photo Credit: Paramount Pictures

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A boa notícia é que, com o fracasso, a mão de Hollywood pode ser forçada e esses casos podem aparecer com menos frequência. Como em um teste de Skinner com um cão e uma campainha, a indústria cinematográfica costuma responder imediatamente à falta de dinheiro.

Uma questão se eleva no meio das acusações de “whitewashing”, no fim das contas. Enquanto os criadores defendem o casting, e diversos vídeos (como esse e esse) mostram que o público japonês também aprova a escolha, por quê isso incomoda tanto a comunidade asiática no ocidente e militantes não representados pela questão? Existem várias respostas.

A primeira é que enquanto uma criança japonesa cresce cercada por pares na TV, no cinema, na música e na vida diária, a descendente é ilhada em um país ocidental fora de sua cultura, e depende mais da justa representação no cinema e na televisão global. Além disso, padrões de beleza ocidentalizados também são “vendidos” o tempo inteiro no Oriente, inclusive na estética dos personagens de mangás e animes. A própria consciência do conceito de “whitewashing”, extremamente “acadêmica” e presa ainda a círculos de militância, não ganhou força igual em todos os lugares.

O filme é simplesmente ruim

A soma de todas as escolhas é o que gera a opinião mais importante, a do público. Até a rejeição inicial poderia ser remediada por propaganda boca-a-boca, se o filme impressionasse por sua qualidade. Mas é cheio de furos de roteiro, desenvolve pouco a motivação de seus personagens e tenta nos encantar com uma estética que só nos anos 90 impressionava, mas hoje parece datada. Nada pode salvar um filme do fracasso quando ele é simplesmente ruim. Nem mesmo as melhores escolhas.

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