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Helicóptero da Marinha dos Estados Unidos durante uma operação dos seals.
Helicóptero da Marinha dos Estados Unidos durante uma operação dos seals.| Foto: Wikimedia Commons

O texto abaixo é um trecho de 'Liderar É Simples (Mas Não é Fácil): As Lições do Homem que Chegou ao Posto Mais Alto dos SEAL, a Elite da Marinha Americana' (2023, editora Intrínseca). Misto de manual de liderança e livro de memórias, a obra traz as experiências vividas pelo almirante americano William H. McRaven ao longo de seus 37 anos de vida militar. Uma trajetória que inclui missões históricas, como o resgate do Capitão Richard Phillips (mantido refém por piratas da Somália em 2009) e a operação que resultou na morte de Osama Bin Laden (2011). Em 2014, já na reserva, McRaven viralizou na internet com o vídeo de uma aula inaugural que ministrou na Universidade na Texas. O discurso, sobre perseverança, fez tanto sucesso que impulsionou sua carreira de palestrante e acabou se transformando no livro 'Arrume a sua Cama: Pequenas Coisas que Podem Mudar a sua Vida... E Talvez o Mundo', best-seller do New York Times.

O dr. Russ Stolfi caminhava para lá e para cá diante do telão retrátil, parando de vez em quando para mudar a transparência no projetor. Na casa dos 60 e poucos anos, Stolfi era um homem alto, bem barbeado, com entradas na testa e um gosto por vestimentas militares que beirava o excêntrico. Especialista em guerras europeias, ele lecionava história militar na Escola de Pós-Graduação Naval de Monterey, na Califórnia.

Vestido com roupa de camuflagem verde, ele estava dando uma palestra para a turma de oficiais militares a respeito de um de seus temas favoritos: o general prussiano Helmuth von Moltke, o Velho. Não o confundam, berrou Stolfi , com o sobrinho dele, Helmuth von Moltke, o Jovem. Moltke, o Velho, foi chefe do Estado-Maior do Exército prussiano durante mais de 30 anos. Considerado por muitos um dos mais brilhantes estrategistas militares da história, Moltke revitalizou e modernizou as Forças Armadas Prussianas.

Fiel às ideias de outro general prussiano, Carl von Clausewitz, Moltke dava ênfase à concentração em massa do Exército ao manobrar para destruir os inimigos. Igualmente importante foi sua percepção de que, para um exército moderno ser bem-sucedido, os generais tinham que abrir mão de parte do controle e colocar mais autoridade e decisões nas mãos dos subordinados. Tendo acabado de voltar da Operação Tempestade no Deserto, achei a discussão sobre a estratégia militar prussiana ao mesmo tempo fascinante e ainda relevante nos anos 1990.

Stolfi então acendeu a luz e desligou o retroprojetor.

— Muito bem, comandante McRaven — disse ele, com certa teatralidade —, qual é a lição mais importante que o senhor aprendeu hoje?

Refleti rapidamente sobre os tópicos que Stolfi tinha marcado com lápis de cera na transparência do retroprojetor. Tudo se tratava de axiomas da estratégia e da tática militares: a guerra é uma continuação da política por outros meios; a paz eterna é uma fantasia; para garantir a paz, temos que nos preparar para a guerra; o destino de toda nação depende de seu poderio. Eu precisava escolher um.

— A guerra é uma continuação da política — principiei.

— Ah, por favor, comandante — disse Stolfi , batendo com a vareta de madeira na minha mesa.

— O que o senhor precisa saber, como oficial? Qual é a coisa mais importante que o senhor precisa levar em conta ao elaborar um plano? Qual é o aspecto mais fundamental da estratégia bélica, as operações ou a tática?

Stolfi pegou a última transparência do retroprojetor, voltou a apagar as luzes e, antes que eu pudesse responder, leu uma frase de Moltke, o Velho.

A frase era: “Nenhum plano operacional dura com algum grau de precisão além do primeiro encontro com a força principal do inimigo”. Em outras palavras — explicou Stolfi —, tenha sempre um Plano B. Um plano de emergência. Um plano de reserva. Porque, depois que você encontra o inimigo, nenhum plano sobrevive ao primeiro contato.

Ao longo dos dois anos seguintes, com o dr. Russel Stolfi como meu orientador, redigi minha tese de pós-graduação, intitulada 'A teoria das Operações Especiais'. Ao pesquisar dez missões célebres na história das Operações Especiais, ficou evidente para mim que o velho axioma de Moltke resistiu ao teste do tempo. Era algo que eu não esqueceria tão cedo.

Um plano para recolocar a missão nos trilhos

Estávamos a dois minutos de distância. Pela tela do alto, eu via os helicópteros Black Hawk gêmeos zunindo pela paisagem paquistanesa, suas portas laterais abertas e os seal da Marinha prestes a descer pela corda no complexo de Abbottabad que abrigava o homem mais procurado do mundo, Osama Bin Laden, líder da Al-Qaeda.

Dentro do meu centro de comando no Afeganistão, assisti atentamente à chegada do primeiro helicóptero ao topo da parede de concreto de quase seis metros de altura, pairando bem ao lado do prédio de três andares onde Bin Laden estava. Enquanto o piloto fazia a aproximação, pronto para lançar a primeira corda, vi que o helicóptero começou a vacilar.

O nariz apontou para cima e a cauda balançou de modo estranho, da direita para a esquerda. Pelo rádio, deu para ouvir o piloto lutando para recuperar o controle. Algo definitivamente estava errado. Segundos depois, o helicóptero sacolejou para a frente com violência, a cauda balançou descontrolada para a esquerda, a aeronave e seus homens caíram no pátio externo, longe do local planejado para a aterrissagem.

O piloto do segundo helicóptero, ao ver o pouso forçado do primeiro, que era o principal, inclinou-se rapidamente para a direita e pousou seus seal do lado de fora do complexo. Tudo que tínhamos planejado inicialmente fora por água abaixo. Agora, os seal da primeira aeronave estavam isolados em outra área do complexo, incapazes de chegar rapidamente a seus objetivos. Os seal do segundo helicóptero, que deveriam estar no teto do prédio de três andares, estavam fora do complexo, obrigados a abrir caminho através de várias portas de metal, apenas para conseguir voltar ao plano.

Assistindo da Casa Branca, o presidente e sua equipe prendiam coletivamente a respiração. Naquele instante, a impressão era a de que o êxito da operação estava por um fio. Porém, por mais adversa que a situação parecesse, eu sabia que tínhamos um plano para recolocar a missão nos trilhos.

Nas três semanas anteriores à Operação Lança de Netuno, a missão para chegar até Osama Bin Laden, os seal e os planejadores do helicóptero repassaram todas as situações possíveis, supondo que as coisas poderiam dar errado. Os planejadores não apenas anteciparam a necessidade de se desviar do ponto de inserção, mas também a utilidade de um helicóptero reserva, para o caso de que uma ou ambas as aeronaves caíssem.

Conforme o planejado, os seal se adaptaram rapidamente às contingências e conseguiram entrar no complexo. Em poucos minutos, chegaram ao terceiro andar e Bin Laden foi morto. Ao mesmo tempo, o comandante da parte aérea moveu o helicóptero reserva para sua posição, bem a tempo de retirar os seal e destruir o Black Hawk danificado. Em duas horas, todos os homens estavam em segurança no Afeganistão. O Plano A tinha falhado, mas o Plano B e o Plano C foram executados com perfeição.

"Nenhum plano sobrevive ao primeiro contato com o inimigo"

O Processo Militar de Tomada de Decisões é a ferramenta básica usada por oficiais e não oficiais ao elaborar o plano de ação de uma operação militar. Ele consiste em um processo de sete etapas: recebimento da missão, análise da missão, elaboração da “linha de ação” (COA, cost of alloction em inglês), comparação dos COAs, aprovação do COA, produção das ordens e sua disseminação.

Os fuzileiros navais usam o Processo de Planejamento de Resposta Rápida. A Força Aérea e outros usam o Sistema de Planejamento Conjunto. De fato, a maioria das grandes empresas tem diversos “testes de estresse”, usados para determinar o grau de preparação para lidar com crises financeiras. São testes como a Simulação de Monte Carlo, o Teste de Estresse da Lei Dodd-Frank ou a Análise e Revisão Abrangente de Capital.

Todos eles, porém, exigem basicamente que o planejador revise o plano, elabore alternativas, teste essas alternativas diante da pior das hipóteses e se certifique de dispor de todo o pessoal, treinamento e equipamento necessários para a execução das alternativas. Embora não seja uma parte intrínseca do processo de planejamento, subentende-se que é preciso fazer um ensaio das alternativas para detalhar as áreas de maior risco em potencial — e, em seguida, aperfeiçoar o plano para reduzir o risco o máximo possível.

Mas o problema destes testes é que eles demandam muito tempo e pessoas envolvidas. Além disso, se partir das premissas erradas, você pode acabar com uma falsa sensação de segurança sem ter abordado todos os riscos. Porém, tirando esses receios, caso a missão ou o problema que você tem como empresa sejam verdadeiramente importantes, é preciso fazer um investimento no esforço.

Depois do desastre marítimo do navio petroleiro Exxon Valdez, em 1989, o Comitê Nacional de Segurança nos Transportes dos Estados Unidos concluiu que o planejamento de emergência realizado pela Alyeska Pipeline, pela Exxon e pelas autoridades federais e estaduais foi inadequado. A conclusão foi que muitos observadores “concentraram-se na pequena probabilidade [do evento] e tranquilizaram a si mesmos de que o evento de graves consequências nunca aconteceria, e de que, caso acontecesse, o plano de resposta, não testado, seria adequado”. Encarar o Plano B dessa forma é, muitas vezes, um erro fatal

Como líder, sempre garanta que sua organização tenha feito o esforço para planejar o pior cenário possível, mesmo que pareça o de ocorrência menos provável, porque Moltke, o Velho, tinha razão: nenhum plano sobrevive ao primeiro contato com o inimigo. Esteja sempre pronto.

Conteúdo editado por:Omar Godoy
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