Uma pesquisa da Fundação em Memória das Vítimas do Comunismo descobriu que 70% dos millennials norte-americanos admitem a possibilidade de votar em um socialista e que um em cada três deles tem uma visão “favorável” do comunismo. Apesar do crescente apreço da geração Y pela ideologia coletivista, no Brasil o movimento parece ser o inverso. Por aqui, os millenials estão descobrindo o liberalismo.
Prova disso foi a terceira edição da Libertycon, evento realizado pelo Students For Liberty Brasil (SFLB) no começo de novembro. A Libertycon ocorreu no lendário hotel Maksoud Plaza, da família do empresário Henry Maksoud, histórico defensor do liberalismo econômico, crítico às intervenções do Estado e da ditadura. No mesmo lugar onde, em 1986, Maksoud foi preso pelos fiscais do governo de José Sarney por vender refrigerante acima do preço tabelado, 1.122 jovens estiveram presentes para assistir a 62 palestrantes, debater ideias e “celebrar o Natal dos liberais”.
“A Libertycon se propõe a ser um espaço de debate civilizado entre todos aqueles que defendem a liberdade”, diz André Freo, Diretor Executivo do SFLB. O evento, que foi aberto com palestras do empreendedor Tallis Gomes e do teórico libertário alemão Tom Palmer, contou com representantes do social liberalismo, do liberalismo clássico, do libertarianismo e do conservadorismo.
Freo conta que a organização do evento tentou trazer nomes da esquerda para dar palestrar e participar dos debates. “É importante conversar com pessoas que pensam diferente para só assim engajá-las na defesa de um país mais livre - ou ao menos influenciar um pouco. Não podemos ficar em uma bolha”, analisa.
A Gazeta do Povo conversou com participantes do evento para entender como surgiu o apreço desses millenials pelo liberalismo.
O maior movimento liberal do mundo
A estudante de direito da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Melina Fileto, 21, sempre se interessou por política. “Comecei a me interessar por geopolítica na escola e, em 2014, na época da reeleição da Dilma, o assunto era política o tempo inteiro. Meus pais são extremamente contra o PT até hoje e meus professores de ciências humanas eram em sua maioria de esquerda. Então eu estava sempre em contato com opiniões contrárias, até que comecei a querer entender o que estava acontecendo por conta própria”, conta.
Ela diz que nunca levou o socialismo a sério. “Meu raciocínio de adolescente era simples: A União Soviética era comunista, os Estados Unidos capitalista. A União Soviética acabou, os Estados Unidos seguem como maior potência mundial. Logo, capitalismo é superior. Pensei assim por um bom tempo antes de começar a pesquisar o porquê o capitalismo é superior ao socialismo”, explica.
Fileto ingressou na UEL em 2016. “Era o período em que a loucura política no Brasil estava no auge, em meio ao impeachment de Dilma. Todo mundo tinha uma opinião a respeito e isso aumentou minha curiosidade”, diz. Ela virou coordenadora do SFLB e começou a participar de grupos que contrariavam a esquerda e os estudantes que faziam “greve” na universidade.
Os grupos eram compostos de libertários, liberais e conservadores. “A gente só queria menos militância para poder estudar em paz”, explica.
Em abril de 2019, contudo, o grupo “Casa da Tolerância”, que busca promover a pluralidade de pensamento na UEL, se envolveu em uma polêmica, mostrando a resistência que millennials liberais enfrentam nas universidades públicas.
A fim de promover um debate, o grupo decidiu exibir o documentário “1964: entre armas e livros”, do grupo Brasil Paralelo, no centro de ciências humanas. Foi o caos. “Durante todo o dia, estudantes acamparam do lado de fora da sala onde o documentário seria exibido, vaiando aqueles que entravam na sala e os xingando de ‘nazistas’ e ‘fascistas’”.
Apesar disso, a paranaense tem esperanças quanto ao movimento liberal no Brasil. “É o maior movimento pela liberdade jovem no mundo e, mesmo com algumas brigas internas, não dá para não ter esperança em ver tanta gente junta defendendo a liberdade”.
Da esquerda para o liberalismo
O estudante de direito Vinícius de Carvalho, 21, é o caso de um ex-esquerdista que se tornou liberal. Ele começou a se interessar por política no último ano do ensino médio, em 2015, quando estudava em uma escola privada.
Na época, a escola terceirizou os serviços da lanchonete, o que fez com que o preço dos lanches aumentasse. "Aquilo para mim foi revoltante. Comecei a levar uma sanduicheira elétrica e ajudei a organizar um boicote com alguns amigos. O senso comum era o de que a liberdade de comprar ou vender da escola privada não importava. O que importava era o fato de o salgado estar muito caro. Não deu outra: fui convidado a me retirar da escola”, conta.
Carvalho diz que, mesmo sem jamais ter se filiado a um grupo, gostava do embate que a esquerda não petista fazia à época contra o PT e os conservadores. “Não tinha contato algum com o liberalismo e o máximo de diferença que eu podia ver enquanto criança era que deveria haver uma terceira via entre PT e PSDB”, explica.
No início de 2017, ele assistiu a um vídeo do grupo liberal Livres que despertou sua curiosidade. “Era um grupo que se propunha a ser liberal por inteiro. Fiquei na dúvida: como é que é ser liberal pela metade? Aliás, o que é ser liberal?”, pergunta.
Outra influência que o levou a abandonar a esquerda foi a atuação da esquerda universitária. “As ações demagógicas me enojaram e me fizeram enterrar qualquer adoração psolista que pudesse pairar dentro da cabeça do calouro de direito de universidade federal”, diz.
O estudante acredita que ainda há um estigma e receios das pessoas se definirem como liberal no meio acadêmico e social, mas que esse quadro está mudando. “A imagem que a esquerda atrelou ao liberalismo acabou por dificultar a caminhada do pensamento em nosso país, mas sou otimista ao ver vários movimentos e muita gente boa trabalhando em prol da liberdade”, afirma.
A avó refugiada soviética
A aversão de Bruno Ceolin Berthault, 18, a regimes autoritários surgiu no berço. Sua avó nasceu na Letônia e é uma refugiada soviética, algo determinante para seu interesse pela política.
Na adolescência, o jovem mineiro diz que a avó falou um pouco sobre seu passado. “Não eram explicações técnicas. Ela nunca pegou para ler o que era comunismo, por exemplo. Ela contava a vivência dela, como as coisas eram antes da ocupação das Repúblicas Bálticas, na década de 1940, como foi quando autoridades do governo comunista bateram na porta da casa dela, como pegaram meu bisavô e o levaram para o Gulag, como expropriaram as terras deles, as razões para ela fugir quando tinha apenas 10 anos de idade, como foi andar 40 quilômetros sem água, como foi difícil ver pessoas que a ajudaram na fuga sendo presas e assassinadas…”, diz, emocionado.
O interesse de Berthault por política cresceu em meio às manifestações contra o governo Dilma Rousseff. em 2015. Ele queria entender o que estava acontecendo e por que as pessoas estavam “perdendo tempo” para lutar contra um governo.
Berthault afirma que desde jovem tinha noção de que as atrocidades cometidas pelos nazistas também foram feitas pelos soviéticos. “Qualquer um que tenha algum apreço pelo comunismo também teria por qualquer outra ideologia autoritária, mesmo que de direita. As raízes ideológicas são as mesmas”, diz.
A partir daí, os livros de fantasia e literatura deram espaço para os livros de história e liberalismo e ele se tornou coordenador do SFLB.
Valores americanos
O liberalismo surgiu na vida do estudante de história Gabriel Pieratti, 20, nos Estados Unidos. Nos 10 primeiros anos de sua vida, ele viveu na Flórida. Ele conta que, na infância, conviveu com muitas pessoas que fugiam de regimes autoritários, sobretudo cubanos.
“Além dos cubanos, eu tinha contato com uns russos, vietnamitas e uma romena. Não que eu conseguisse compreender o que aquilo significava na época, mas as coisas se encaixaram na medida em que fui amadurecendo e estudando mais”, explica.
A experiência de viver em um país mais próspero e em uma cultura que dá mais valor à liberdade contrastou com o cenário que ele encontrou quando sua família, atingida pela crise de 2008, voltou para São Paulo. “Chegar ao Brasil e enxergar a pobreza gritante que tem aqui me afetou. Para alguém que nem sabia o que era um mendigo, ver criança armada na rua não foi fácil”, diz.
Pieratti participou informalmente de grupos como o Direita São Paulo (movimento conservador e de apoio a Bolsonaro), o Liberdade Tucana (que queria tornar a atuação do PSDB mais liberal) e o Liberalist International Association (organização que defende princípios do liberalismo clássico).
Estudante de história, o jovem acompanha o trabalho de páginas como “Liberais antilibertarios”, assiste aos vídeos do Spotniks e admira o trabalho do Livres. Atualmente ele administra uma página no Facebook com quase 5 mil seguidores chamada “Os Liberalistas”, na qual expõe suas opiniões políticas.
Defesa intransigente da liberdade
O estudante de economia Vinícius Botti, 19, é um anarcocapitalista. Com quase 10 mil seguidores em seu canal de YouTube, o So To Speak, ele conta que começou a se interessar por política aos 9 anos, por influência de seu avô. “Sempre ficava com ele e a gente assistia ao jornal juntos. Eu gostava dos assuntos”, conta.
Em 2014, as publicações do Movimento Brasil Livre e a atuação de Jair Bolsonaro chamaram sua atenção. “Sempre tive mentalidade mais à direita, gostava do discurso de privatizações e enxergava o Estado como uma instituição ineficiente”, diz.
Seus amigos também passaram a acompanhar mais a política com o momento conturbado do país e ele começou a pesquisar para se preparar para esses debates. “Conheci o Instituto Mises Brasil e comecei a ler os artigos como forma de estudar principalmente a parte econômica. Pesquisando sobre o economista Ludwig von Mises, conheci o Ideias Radicais no YouTube e conheci o libertarianismo, passei a enxergar o Estado como um mal desnecessário. Ele é impiedoso, e os libertários mostram muito bem isso”.
Botti parou de analisar a política do ponto de vista da utilidade quando passou a apreciar e entender melhor o conceito de direitos naturais. Ele começou a olhar para a noção da ética da propriedade privada e da não agressão a indivíduos pacíficos.
O estudante passou a ver o país com otimismo depois de dar uma palestra em Pato Branco, uma cidade pequena do interior do Paraná, para um auditório lotado.
Do liberalismo para o mercado de educação financeira
Aos 13 anos, o capixaba João Flávio Figueiredo decidiu procurar na Internet outras visões ideológicas e, depois de assistir a alguns canais sobre liberalismo no Youtube, a defesa da liberdade passou a fazer sentido para ele.
“Minha família nunca foi muito politizada. Minha iniciação foi obra do acaso, mas depois comentei com um primo e ele me apresentou alguns grupos de formação liberal, especialmente o Grupo Domingos Martins, que é ligado ao Students for Liberty Brasil”, diz o jovem, hoje com 17 anos.
Figueiredo passou a frequentar um ambiente de discussão de ideias com outros jovens que também estavam estudando liberalismo. “Não imaginava que um simples grupo de política poderia me trazer tanto. Tudo foi uma escola, e um excelente começo para mim”, diz.
O jovem conta que a rotina de eventos e participação em grupos de estudos influenciou seu propósito de vida. Ele passou a concentrar seus estudos em economia e, três anos depois de conhecer o liberalismo, fundou o Economia Sem Fronteiras, uma plataforma de educação sobre economia e finanças pessoais.
Ele enxerga o governo Bolsonaro como uma “oportunidade valiosa de as ideias liberais vigorarem na política econômica”, mas alerta: “não podemos pensar que a liberdade está ganha”.
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