O Programa Nacional de Imunizações (PNI), que determina quais vacinas são obrigatórias no Brasil, agora inclui as vacinas da Covid-19 para crianças a partir dos seis meses de idade, anunciou o Ministério da Saúde na terça-feira (31). A punição para pais e responsáveis que não seguirem o calendário de vacinação pode envolver recusa de matrícula para as crianças em escolas e creches, perda de benefícios sociais como o Bolsa Família, multas, bloqueio de passaporte e restrições ao uso do transporte público. Prisão não é prevista por lei, porém, como noticiou a Gazeta do Povo em janeiro, tramitam projetos de lei prevendo até oito anos de encarceramento para os hesitantes. Ainda não é consenso, contudo, que a imunização por vacinas de Covid sequer seja necessária em crianças, dado o em geral baixo risco da doença para elas.
Além disso, a segurança, especialmente das vacinas baseadas nas nanopartículas de mRNA, como a Comirnaty da Pfizer-BioNTech, não está bem estabelecida para as crianças pequenas. Um efeito colateral preocupante, em baixa frequência, que já consta na bula é a inflamação do coração e seu revestimento (miocardite e pericardite), especialmente nos meninos. Um estudo recente descobriu que até metade dos que desenvolvem esse problema permanecem com cicatrizes no coração um ano depois.
Um novo estudo em pré-publicação sugeriu um novo risco: “convulsões atingiram o limiar estatístico para um sinal [de segurança] em crianças dos dois aos quatro anos” após a vacinação com a Comirnaty em três bases de dados e, em duas dessas três, as convulsões foram detectadas após a primeira e a segunda dose nessa faixa etária. Os resultados, que são baseados em mais de quatro milhões de jovens dos seis meses aos 17 anos de idade, também valem para a vacina de mRNA da Moderna. Disponível desde o dia 15 de outubro, a pré-publicação, com dezenas de autores americanos, foi liderada por Steven A. Anderson, cientista da Administração de Alimentos e Drogas (FDA), agência sanitária americana.
Analisando os dados do estudo, Vinay Prasad, médico e professor de epidemiologia e bioestatística na Universidade da Califórnia em São Francisco, diz que o tratamento dos dados indica que esses riscos relatados podem ser o piso e não o teto, ou seja, podem ser subestimativas. A frequência de miocardite foi de uma pessoa em dez mil vacinados do sexo masculino, o que para ele sugere que as bases de dados usadas não têm metade dos casos (outras publicações sugerem um caso em três ou cinco mil vacinados do sexo masculino), e a frequência das convulsões foi de um caso a cada 12 mil vacinados. “Vamos conseguir uma estimativa precisa desse risco? Duvido”, comenta o cientista, em publicação própria.
A cardiologista Ellen Guimarães, que atua em Goiânia, concorda com o médico americano. “Provavelmente a incidência deste efeito colateral é maior do que a retratada, porque assim está sendo com os dados de miocardite”, diz ela. “Pensando que não há nenhum dado que mostre redução de gravidade [da Covid] para essa faixa etária, é preocupante”.
Para Prasad, “não existe um jeito de pesar o excesso de convulsões contra os ganhos da vacinação” contra Covid em crianças. “Primeiro, não temos a estimativa precisa do risco de convulsão e, segundo, não fazemos ideia de qual é a redução do risco absoluto em más consequências da Covid-19 que conseguimos vacinando crianças com essa idade”. As vacinas da Covid só foram oferecidas para crianças bem depois de testadas em adultos, e os dados para crianças “são de credibilidade muito baixa” e não foram significativos para o uso clínico. “Eu me preocupo que vacinar crianças dessa faixa etária poderiam representar um dano no cômputo final”, conclui o cientista.
A Covid parece ser menos perigosa para crianças saudáveis que a gripe. No calendário de vacinação do PNI não consta a vacina contra gripe entre as obrigatórias. Esta vacina, que possivelmente previne a doença de Alzheimer, também não é obrigatória para adultos.
“A taxa de mortalidade por Covid-19 em pessoas com menos de 14 anos de idade era de apenas 0,03% a 0,1%”, explicou o médico Alessandro Loiola em publicação com grande repercussão no X (Twitter). “Como médico, não posso deixar de manifestar a minha profunda preocupação com a decisão tomada pelo Ministério da Saúde”.
A secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, Ethel Maciel, defendeu a decisão no site do ministério: “A Covid-19 é uma doença de constante monitoramento, requer atenção e por isso temos fortalecido as ações de prevenção por meio do Movimento Nacional da Vacinação”, disse ela, comparando a doença ao sarampo e coqueluche.
Os Estados Unidos são um caso relativamente isolado de recomendação das vacinas contra Covid para bebês e crianças pequenas no mundo desenvolvido. A maior parte da Europa não segue essa recomendação. Como mostrou a Gazeta do Povo em janeiro, quando a ministra da Saúde Nísia Trindade tomou posse do cargo, sua gestão da pandemia na Fiocruz repetiu os erros dos americanos. A alteração do PNI sugere que o padrão no Ministério da Saúde será o mesmo — porém, no caso dos americanos, é uma recomendação, não uma obrigatoriedade.
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