Margareth Menezes desfilou em um trio independente, apoiado pela prefeitura de Salvador, no Circuito Osmar (Campo Grande) no carnaval de 2025| Foto: Gilberto Júnior/ Secom Prefeitura de Salvador
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O ex-conselheiro da Comissão de Ética Pública (CEP), João Henrique Nascimento de Freitas, acredita que a ministra de Cultura, Margareth Menezes, agiu de má-fé com a administração ao realizar shows com verba pública no carnaval, mesmo sendo de municípios e estados. O seu escritório protocolou uma ação popular na Vara Cível da Justiça Federal do Distrito Federal, solicitando esclarecimentos de possíveis irregularidades e anulação dos contratos, bem como devolução do valor pago pelos contratantes. 

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A ministra realizou sete eventos no último carnaval, para as prefeituras de Salvador e Fortaleza e para estado da Bahia, contrariando o prévio acordo de ser “vedado receber remuneração dos demais entes da federação, que contem com recursos federais (Estados e Municípios)”. 

Esse acordo foi firmado em 2023 com o então colegiado da CEP do qual Freitas fazia parte. Hoje, o grupo é composto apenas por membros indicados pelo presidente Lula, que também foi quem convidou a ministra para o cargo. 

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Além da soma de mais de R$ 640 mil recebidos, para cachê e produção, em eventos públicos, o carnaval deste ano da ministra da Cultura ecoa em outras camadas da ética pública. 

Para Freitas, é incompatível uma ministra receber verba pública. Uma “intencional violação do direito”, diz. Como ministra, Margareth ocupa o cargo mais alto de Cultura no país, tendo poder de decisão, influência e lida com prefeitos e governadores, órgãos e entidades para projetos, verbas etc.  

“É fundamental que a atividade administrativa seja conduzida de maneira ética, evitando a busca por vantagens excessivas ou abusivas para os cofres públicos”, diz Freitas. 

Outros dois fatores levaram o caso à Justiça. Freitas considera que Margareth agiu “com dolo”, ao fazer diversas consultas à Comissão de Ética mesmo tendo uma resposta anterior. E a troca de membros do colegiado seguido de alteração do que já havia sido firmado. 

Procurado pela Gazeta do Povo, o Ministério de Cultura não respondeu. O CEP enviou uma nota de esclarecimento publicada no site do governo em que afirma as decisões posteriores, de 2024 e 2025, mantiveram o entendimento de 2023, quando Margareth pediu para fazer shows privados que já estavam agendados antes da sua posse e outros quatro, sendo um público.

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Mudança de regra e troca de conselheiros 

Para além da questão ética e dos valores dos shows (abaixo) realizados no carnaval, um dos nós desse problema envolvendo a ministra Margareth Menezes se trata da própria Comissão de Ética Pública, cuja finalidade é supervisionar a conduta moral de servidores. 

Em 2023, o colegiado era composto por conselheiros do ex-presidente Jair Bolsonaro e do atual. Freitas fazia parte deste grupo que, a pedido da ministra, a autorizou realizar os shows privados que já estavam agendados antes da sua nomeação.  

Segundo nota do governo no site, também foi permitido que ela cumprisse quatro contratos, sendo um público, com a observação que “a consulente deve se abster de receber remuneração, vantagens ou benefícios dos entes públicos de qualquer esfera de poder”. 

O argumento do governo, segundo a nota, é que o colegiado de 2023, composto por indicados de Lula e Bolsonaro, deu autorização provisória e depois definitiva para Margareth Menezes fazer shows com recursos públicos, desde que não sejam federais. Ou seja, apenas mantiveram o entendimento lá de trás. 

“Nas decisões das consultas formuladas pela Ministra Margareth Menezes em 2024 e 2025, tratando expressamente da possibilidade de shows remunerados com recursos estaduais ou municipais, a CEP manteve sempre o mesmo entendimento: é possível, desde que não envolva recursos federais”. 

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Porém, a mesma nota diz que a autorização na época foi para quatro shows específicos. Além disso, de acordo com o site de notícias Metrópoles, um mês antes do Carnaval deste ano, Margareth foi às pressas à Comissão novamente para esclarecer se poderia receber dinheiro público de entes municipais e estaduais. A CEP concluiu que, sim, desde que a verba não seja federal. 

“Me parece que ela agiu com dolo, o que fica bem caracterizado por fazer diversas consultas a CEP mesmo tendo uma resposta anterior”, afirma Freitas.  

Outro ponto sensível é a troca de conselheiros. Até agosto de 2024, Lula dispensou os três conselheiros, incluindo Freitas, e designou outros três membros ao cargo. Desde o ano passado todo a Comissão Pública de Ética do governo é composta por indicações do petista.  

“Durante minha atuação como conselheiro da Comissão de Ética Pública, meu parecer técnico foi claro quanto à incompatibilidade do recebimento de pagamentos provenientes dos cofres públicos na situação apresentada. Observo, no entanto, que parece ter havido uma reinterpretação dessa orientação após meu desligamento da Comissão, logo após Lula ter cassado o meu mandato que seria de três anos, por considerar que não poderia haver ‘bolsonaristas’”, diz Freitas. 

Conflito de interesses e ética pública 

A ressaca do último carnaval para Margareth Menezes não se dá apenas por causa do uso de verba pública para shows ou pelo novo entendimento do colegiado formado por Lula. A polêmica engloba também o cachê alto, conflito de interesses e ética pública. 

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Além da ação na Justiça conduzida pelo escritório do ex-conselheiro, o deputado Jorge Goetten (Republicanos/SC) também pediu esclarecimentos à CEP, à ministra e à Justiça baiana. 

O parlamentar solicitou à ministra detalhamento de projetos financiados com recursos federais na Bahia e no Ceará pela Cultura em eventos relacionados ao carnaval 2025 e dos últimos seis meses. Encaminhou, ainda, convocação da ministra no Plenário da Câmara dos Deputados para prestar esclarecimentos do recebimento da verba pública sem licitação dos shows no Nordeste. À CEP, pediu respostas sobre mudança de regra. 

Assim como o advogado, o deputado acredita que cargos de alto escalão, como à frente de um ministério exigem “princípios da moralidade e impessoalidade”, para não dar margem a conflito de interesses.  

Um dos argumentos do deputado, inclusive, é que mesmo que a ministra tenha recebido verba estadual e municipal, "há indícios suficientes de que os recursos empregados nas contratações da ministra podem ter sido direta ou indiretamente oriundos de repasses federais, uma vez que os Estados e municípios beneficiados possuem projetos culturais financiados pela União". 

Cachê saltou de R$ 128 mil para R$ 350 mil 

Goeten também observa que os valores pagos à ministra da Cultura parecem excessivamente elevados em comparação ao padrão de mercado para eventos similares, fato que, segundo ele, reforça ainda mais a urgência de uma investigação minuciosa quanto à existência de superfaturamento e eventual favorecimento indevido. 

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Margareth Menezes tem uma longa carreira na música brasileira, iniciada há mais de 30 anos. Mesmo assim, seus cachês nunca estiveram entre os maiores do país e não lançou nenhum sucesso desde que entrou no governo que justificasse um aumento relevante para os seus shows.  

Desde 2023, no entanto, o valor de suas apresentações subiu consideravelmente. Pouco antes de virar ministra, na Virada Cultural de São Paulo, um grande evento, seu cachê foi de R$ 128 mil, segundo o UOL.  

Já neste carnaval, a prefeitura de Salvador contratou a ministra por R$ 290 mil para se apresentar em dois eventos. A prefeitura de Fortaleza, pagou ainda mais: R$ 350 mil por um show. Deste total, R$ 150 mil foram pagos como cachê para a cantora, de acordo com a proposta de orçamento enviada pela artista à Secretaria de Cultura de Fortaleza. O restante foi usado para equipe, logística, hotel e imposto, segundo o Metrópoles. 

O Poder Judiciário será a instância adequada para o esclarecimento definitivo sobre a legalidade da conduta em questão, oportunidade em que a Ministra poderá apresentar suas justificativas e argumentos, uma vez que a CEP, ao que parece, a teria respaldado”, diz Freitas.